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"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

14 janeiro, 2006

Tolerância zero


Em 28 de dezembro do ano passado, postei uma matéria sobre garantismo penal.

Hoje publico outro texto para reflexão dos amigos do Blog, desta feita sobre a chamada “tolerância zero”.

Críticas são bem vindas, pois como diria um amigo meu, “cada um é cada um”.

"Violência urbana e tolerância zero: Verdades e mentira

Aury Celso Lima Lopes Júnior
Doutor em Direito Processual Penal pela Universidade Complutense de Madrid
Professor de Processo Penal na FURG e na PUC/RS e Advogado Criminalista


A sociedade brasileira tem convivido nos últimos anos com uma alta taxa de criminalidade urbana, geradora de um fundado sentimento de temor e insegurança. Recentemente, alguns setores do governo têm postulado pela adoção do famoso programa nova-iorquino de “tolerância zero”, como um modelo a ser seguido no Brasil. O plano americano é reflexo do chamado direito penal máximo, segundo o qual, em síntese, todas as condutas ilícitas, por mais irrelevantes que sejam, devem ser objeto de apenamento, as penas devem ser mais longas, os regimes de cumprimento mais rígidos e as possibilidades de benefícios menores. Como conseqüência, o processo penal deve ser mais célere e utilitarista, no sentido de diminuir as garantias processuais do cidadão em nome do interesse estatal de mais rapidamente apurar e apenar condutas. Esse discurso, quando levado a cabo por políticos hábeis e demagogos, acaba gerando na população o equivocado sentimento de que o programa de tolerância zero é a solução para todos os males.

Nada mais falacioso. O modelo de tolerância zero é fruto de uma equivocadíssima política repressivista norte-americana, chamada de movimento do law and order (movimento da lei e da ordem). O law and order prega a supremacia estatal e legal em franco detrimento do indivíduo e de seus direitos fundamentais. O Brasil já foi contaminado por esse modelo repressivista há mais de 10 anos, quando a famigerada Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8072/90), seguida de outras na mesma linha, marcou a entrada do sistema penal brasileiro na era da escuridão, na ideologia do repressivismo saneador. A idéia de que a repressão total vai sanar o problema é totalmente ideológica e mistificadora. Sacrificam-se direitos fundamentais em nome da incompetência estatal em resolver os problemas que realmente geram a violência.

Exemplo claro do fracasso nos dá o próprio modelo brasileiro. Basta questionar: com o advento da lei dos crimes hediondos (e posteriores) houve uma diminuição no número de delitos graves (latrocínios, seqüestros, tráfico de entorpecentes, etc.)? A política de aumentar penas e endurecer o regime de cumprimento diminuiu as taxas de criminalidade urbana? Obviamente que não. A cada dia ocorrem mais delitos de latrocínio, seqüestros (agora na sua versão “relâmpago”) e o tráfico de entorpecente cresce de forma alarmante, apenas para dar alguns poucos exemplos.

Nos Estados Unidos, o marketing de que a redução da criminalidade urbana em Nova York foi conseqüência da política de tolerância zero, é severamente criticada. É pura propaganda enganosa. Não é prendendo e mandando para a prisão mendigos, pichadores e quebradores de vidraças que a macro-criminalidade vai ser contida. As taxas de criminalidade realmente caíram em Nova York, mas também decresceram em todo o país, porque não é fruto da mágica política nova-iorquina, mas sim de um complexo avanço social e econômico daquele país. É fato notório que os Estados Unidos têm vivido nas últimas décadas uma eufórica evolução econômica, com aumento da qualidade de vida e substancial decréscimo dos índices de desemprego. Nisto está a resposta para a diminuição da criminalidade: crescimento econômico, sucesso no combate ao desemprego e política educacional eficiente.

Ademais, o modelo de tolerância zero é cruel e desumano. Os socialmente etiquetados sempre foram os clientes preferenciais da polícia e, com o aval dos governantes, nunca se matou, prendeu e torturou tantos negros, pobres e latinos. A máquina estatal repressora é eficientíssima quando se trata de prender e arrebentar hiposuficientes. Como aponta Vera Malaguti de Souza (Discursos Sediciosos. Freitas Bastos, 1997) a mensagem do prefeito de Nova York foi muito bem entendida pelos policiais que, ao torturarem Abner Louima, afirmaram: stupid nigger...know how to respect cops. This is Giuliani time. It is not Dinkins times” (crioulo burro...aprenda a respeitar a polícia. Esse é o tempo de Giuliani. Não é mais tempo de Dinkins [ex-prefeito negro de NY]). Essa é a face cruel do modelo, pouco noticiada.

A criminalidade é fenômeno social complexo, que decorre de um feixe de elementos, onde o que menos importa é o direito e a legislação penal. A pena de prisão está completamente falida, não serve como elemento de prevenção, não reeduca e tampouco ressocializa. Como resposta ao crime, a prisão é um instrumento ineficiente e que serve apenas para estigmatizar e rotular o condenado, que, ao sair da cadeia, encontra-se em uma situação muito pior do que quando entrou. Se antes era um desempregado, agora é um desempregado e ex-presidiário. Dessarte, a prisão deve ser reservada para os crimes graves e os criminosos perigosos. Não deve ser banalizada.

Devemos questionar, ainda, porque o modelo escolhido foi o americano se, por exemplo, o inglês é muitíssimo mais eficiente? A polícia inglesa é o extremo oposto da americana. Policiais desarmados, educados e próximos da população. Sem dúvida uma instituição típica de um Estado Democrático de Direito. Sua eficiência é motivo de orgulho para os ingleses. Mas isso é muito difícil para nossos incompetentes governantes, acostumados a fazer prevalecer a força em detrimento da razão.

Em definitivo, estamos sendo vítimas de uma propaganda enganosa, que nos fará mergulhar numa situação ainda mais caótica. É mais fácil seguir no caminho do direito penal simbólico, com leis absurdas, penas desproporcionadas e presídios superlotados, do que realmente combater a criminalidade. Legislar é fácil e a diarréia legislativa brasileira é prova inequívoca disso. Difícil é reconhecer o fracasso da política econômica, a ausência de programas sociais efetivos e o descaso com a educação. Ao que tudo indica, o futuro será pior, pois os meninos de rua que proliferam em qualquer cidade brasileira, ingressam em massa nas faculdades do crime, chamadas de Febem. A pós-graduação, é quase automático, basta completar 18 anos e escolher algum dos superlotados presídios brasileiros, verdadeiros mestrados profissionalizantes do crime".

5 comentários:

Ricardo Rayol disse...

Ozeas, texto que leva mesmo a reflexão. Não duvido que a queda de criminalidade está atrelada ao crescimento econômico. Mas acho que deveriamos punir com mais severidade. Por exemplo, pq nao ter prisao perpetua em regime de solitária para individuos do tipo fernandinho beira-mar?

Santa disse...

Ozeas, volto aqui já, já...(rssss).Queroi comentar este post. Bjs.

Anônimo disse...

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O Estado deveria cumprir os desejos do povo. A criminalidade e grande porque o excesso de populacao e incompetencia dos mandatarios nao tras escolas, trabalho e diversao para todos. Quer o que qd a pessoa esta a margem e sem nada para fazer? Ficar sentado no meio fio e esperar a vida passar? A pessoa vai para onde tem espa�o. Qt aos crimes hediondos , teve a intencao correta de tirar as benesses da lei para determinados crimes mt graves.Qt aos EUA? Temos origens de lei e costumes mt diversos. O que serve para eles pode n�o servir para nos.( escrevi sem acentos porque o meu pc nao os aceita neste coments?

Jean Scharlau disse...

Ozeas, veja que coisa - eu, que por minha radical discordância de outro texto teu, mereci um texto inteiro em contraponto, com este concordo amplamente. E de lambujem concordo ainda com os dois comentaristas anteriores. Parabéns. Blogueiro Scharlau.

Alice disse...

Falta vontade nas mudanças , a começar pelas leis ,pelos modelos de presidios, Febens ,cursos profissionalizantes ,não adianta querer copiar modelo dos outros , se não ocorrem mudanças aqui dentro , até as formigas sabem onde é preciso mudar ...
Bjins