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"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

20 julho, 2012

Amigos



Nada como vez por outra você tomar um tropeço, um susto, um revés, para saber quem realmente está ao seu lado; saber com quem você pode contar “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença” – atenção, esse compromisso não é de casamento, mas de solidariedade e companheirismo por uma jornada de vida, tacitamente posto, quando definimos amigos.

O que não nos mata nos fortalece, Nietzsche foi cirúrgico nessa observação; concordo justificando mais um pouco, que uma das dimensões de nosso fortalecimento está na sabedoria que adquirimos, através de nossas experiências e dissabores, que forja quem somos e nos revela.

Ao descobrimos quem somos, também descobrimos de que fomos feitos, o que nos influencia e nos transforma e, nossos amigos fazem parte desses elementos, influenciadores e transformadores de nossas identidades.

Aos amigos dedicamos partes de nossas vidas, corolário de sacrifícios e alegrias; amizades alicerçadas somente nos momentos de prosperidade, na verdade se revelam pura companhia de atividades, instrumentos de prazer, porém, longe de serem amizades verdadeiras, transformam-se em conhecimentos, em relações meramente sociais, portanto, se não há cumplicidade, dedicação extremada e doação sem espera de retorno, não há que se falar em suspeição por envolvimento afetivo intenso, é contraditório com a própria definição de amizade. Embora controverso quanto a sua autoria, o provérbio popular é lapidar para uma definição precisa de doação à amizade: “Aos amigos tudo! Aos indiferentes, a lei”.

Nossos amigos não têm defeitos, e se alguém tentar encontrá-los deve ser rechaçado, ambos, defeitos e desafeto; a gente não espera dos amigos neutralidade, mas imparcialidade; o compromisso de provar vícios deixamos para os outros; declarações de suspeições que nos comprometeriam, todavia, até isso para nós não importa, porque os amigos são exatamente amigos, e o são, porque são considerados ab initio dignos e honrados; pelos amigos não nos importamos com o que digam ou pensem sobre nossa opção defensista, nossos amigos sempre valem o preço a pagar.

As pessoas não precisam perder a dignidade para ajudar os amigos, para isso bastam ser honestas; porém, se por mera hipótese, o amigo for encontrado em falha, então, é dever do outro amigo indicar o melhor caminho a seguir, fora disso qualquer justificativa pode até ser confundida com covardia ou mesmo um indevido lavar de mãos; se não for assim, fora dessa cumplicidade, não há amizade suficiente, portanto, não há o que justifique uma declaração de suspeição, parcialidade e comprometimento pessoal, porque na verdade não há amizade, quando muito uma proximidade social, fruto de um relacionamento estratégico-instrumental.

Em conflitos que envolvam amigos comuns só há duas opções: ou se fica do lado dos dois, mediando a paz necessária, nem que isso leve uma, duas, dez vidas pela frente, ou se abandona o que não é amigo, permanecendo fiel ao remanescente; é nessas horas que também se revelam os “verdadeiros amigos”.

Enfim, como diria minha avó, amigo não é aquele que come churrasco com você, mas aquele que te ajuda a botar um quilo de sal para dentro e ainda fica feliz na empreitada.

Finalizando, apenas como ilustração, recordo de uma estória contada por um advogado que conheço: lá pelos idos do Golpe Militar de 64, esse advogado foi levado a julgamento por prática de crime atentatório à “segurança nacional”, obviamente, assustado no momento de sua audiência, teve um súbito conforto quando viu que na cadeira do juiz sentava-se um amigo, dos tempos de faculdade; conta o protagonista que seu coração desacelerou, o suor de sua testa secou e que até seu intestino lhe deu um pouco de trégua, todavia, logo ao deparar-se com o magistrado, qual não foi sua surpresa, ao ouvir de seu julgador que este se declarava suspeito, “pela amizade que possuía com o acusado”.

Conta o advogado, que após uma breve reflexão pediu a palavra por uns poucos segundos na condição de acusado, o que foi concedido pelo tão liso e puro juiz, quando então lhe disse o réu: “fique tranqüilo excelência, por duas razões: primeiro, a mera possibilidade de me julgar, com base numa lei de exceção, bem como, a sua ‘declaração de amizade’ já são provas suficientes que o senhor jamais seria meu amigo; segundo, se Vossa Excelência em algum momento ficou em duvida, entre a amizade e a judicatura, fique tranqüilo, não se penitencie, o senhor é muito melhor juiz que amigo”.

Nosso réu-advogado foi retirado da sala de audiência e posteriormente julgado, por um desconhecido, que lhe condenou pela subversiva prática de distribuição de panfletos. Neste caso, a sentença foi prolatada por um juiz imparcial e não houve a influência de nenhum amigo que pudesse comprometer a justiça e muito menos, o magistrado.