Minhas opiniões e publicações, expostas neste espaço, são reflexões acadêmicas de um cidadão-eleitor, publicadas ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão

"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

29 setembro, 2010

O difícil voto majoritário

Tenho ouvido muita gente boa dizendo que está sem opção para votar, é verdade, as candidaturas majoritárias postas para ganhar e perder, com honradas exceções ideológicas, basicamente reproduzem o mesmo discurso, afinal, qual a diferença das palavras da Dilma para o Serra, e Marina então, onde está a marcante diferença esperada?

No âmbito estadual, Cabral corre solto pela raia de dentro, afinal, os “nanicos” radicalizaram no discurso, mas não conseguiram convencer e reverter uma tendência de dominação, moldada inteligentemente já há bastante tempo, além do que a prévia indicação midiática dos escolhidos à competição de fato, destruiu qualquer tentativa de conscientização política que se pretenda.

A propósito, pode até não parecer, mas para muitos partidos que estão no pleito o mais importante é a divulgação de suas idéias e propostas que qualquer expectativa de vitória, portanto, quando se alija do debate político partido ou candidato, se diminui a amplitude da proposta democrática, o que não por coincidência, favorece ao status quo.

Ao Senado dois votos, ai fica um pouco, só um pouco, mais fácil a escolha, dá para votar com alguma identidade mais assumida, o discurso tem que fugir das questões domésticas e os candidatos, ainda que não queiram, se oferecem mais ideológicos, embora as máquinas estadual e federal esteja queimando “combustível aditivado”, de um lado o “lindinho” é o menino “dela”, no outro lado da aliança o “coroa” é o apoiado pelo garotão, correndo por fora, vivendo do passado e querendo valer o ditado “a Cesar o que é de Cesar”, um provável azarão.

Quanto ao voto proporcional, Deputados Federais e Estaduais, cada vez mais o eleitor aplica o voto regional, a representação se municipaliza eleição após eleição, os candidatos se oferecem às suas bases centralizadas em cidades específicas, ou se valem de práticas “coronelistas”, garimpando votos com prefeitos afilhados e aliados pelo interior. O voto distrital, puro ou misto bem poderia facilitar ou legitimar o que o eleitor já vem realizando na prática, mas a pauta da reforma eleitoral não comporta discussão tão ameaçadora.

As propostas dos candidatos ao executivo (estadual e federal) são estranhamente coincidentes, acompanhe-se apológicas manifestações de continuidade e manutenção de certas políticas públicas, das Unidades de Polícia Pacificadoras - UPP, Lei Seca, novos ou aparelhamentos de Unidades de Pronto Atendimento - UPAs, de escolas e tantas outras do gênero, para cada vez mais se ficar convencido que o discurso é o da gestão, ou melhor, da falta de gestão.

Assim, a questão da governabilidade é posta em plano principal, a tecnologia de governo é que dará realização e plenitude aos ideais de segurança, justiça, oportunidades e tudo mais, o que está errado não é a sociedade, suas desigualdades agudas, suas lutas de classes, o que falta é gestão e obviamente, todos se oferecem igualmente competentes.

Para nossos futuros governantes, por exemplo, a violência está associada à ausência de Estado, prosseguindo ao final desse raciocínio, quanto mais Estado presente (polícia) mais segurança, menos violência; não precisa se pensar muito para concluir que essa proposta desembocará, não muito longe, num Estado policial, autoritário e truculento.

Aplicando o mesmo raciocínio, quanto menos álcool, menos mortes, quanto mais empresas, mais trabalho, quanto mais escolas mais empregados e assim por diante. Os indivíduos, as causas, a organização social, as relações, o modelo político e econômico não influem nos resultados, ou seja, não há fatores, o mundo da vida não existe, o que há são "coisas" a serem geridas; todos os discursos no final se confundem e justificam a confusão dos eleitores.

Não há relações entre os seres humanos e as coisas, o que há são relações entre homens e homens (sentido lato). As "coisas" foram feitas para ser possuídas, dominadas e alteradas conforme a vontade do ser humano, “coisificar” as pessoas como técnica, acreditando que as questões políticas passem por mera gestão dessas é transformá-las em objetos, onde os candidatos se oferecem e se preparam à futuros proprietários de seus eleitores.

24 setembro, 2010

Os apaches estão certos

Não gosto do Gilmar Ferreira Mendes, ainda me sobram muitas dúvidas levantadas à época do Caso Daniel Dantas-Opportunity, mas admiro o Ministro pela sua precisão técnica e suas qualidades acadêmicas, a propósito, tenho seu livro “Curso de Direito Constitucional”, que utilizo na elaboração de minhas aulas.

Não gosto do Marco Aurélio Mello, sua nomeação poderia ser até justa, mas para mim contaminou-se pela origem, o Ministro é primo e foi indicado à época ao STF pelo então Presidente Fernando Collor de Mello, entretanto, suas posições únicas muitas vezes bastante coerentes, me fazem também admira-lo na judicatura suprema.

Não gosto do José Antonio Dias Toffoli, sua nomeação ainda não me desceu goela abaixo, o simples fato de ter sido advogado pessoal do Presidente da República e do PT não lhe credencia para a mais alta corte, além do que, a exigência constitucional de “reputação ilibada” ficou bastante arranhada pela condenação junto a justiça do Amapá sob a acusação de ter participado de licitação ilegal.

Portanto, se tivesse que classificá-los num filme de faroeste, certamente fariam parte de uma tribo incendiária de ranchos e colecionadora de escalpos de mocinhas indefesas, entretanto, longe de me arrogar o cowboy do enredo, encarregado de promover a justiça em terra de ninguém, tenho que admitir,os homens maus dessa vez estão certos.

No caso do julgamento da propalada “Lei da Ficha Limpa”, apesar do gosto ruim que fica na boca, tenho que afirmar que os três “apaches” fizeram uma interpretação coerente e votaram, preservando a autonomia dos Poderes da República e própria democracia.

Ser impopular é muito difícil em época de dominação midiática, entretanto, ter a consciência tranqüila que não se pode apoiar a retroatividade das leis é muito mais digno e louvável.

Preceitua o art. 16 da Constituição Federal: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência” (grifo nosso).

Em simplória interpretação gramatical, o exegeta deve-se curvar ao comando, ou seja, não se aplica nova lei eleitoral sem que seja respeitado o princípio da temporariedade, ou seja, um ano da data de sua vigência.

A propósito do artigo 16, em interpretação extensiva, este é de tão grande importância às instituições democráticas, que não pode ser suprimido do texto constitucional, constituindo-se “clausula pétrea”, ou seja, conforme o art. 60, § 4º, inciso IV, “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: os direitos e garantias individuais”, que estão abrangidos pelo manto dos direitos fundamentais (art. 5º ao 17 da CR/88).

Por maiores que sejam os propósitos, bem diz o ditado que “o inferno está cheio e boas intenções”, violar o princípio contido no artigo transcrito é muito mais do que aparenta, se flexibilizaria um comando constitucional garantidor do próprio estado democrático de direito.

Explico, imaginemos que hoje, determinado candidato à Presidência da República, liderando a corrida eleitoral com significativa margem indicativa de vitória, tendo maioria absoluta no Congresso Nacional, resolvesse alterar a lei dizendo que: “O candidato a Presidência da República, eleito no pleito deste ano, terá um mandato de 15 anos”.

No exemplo firmado, teríamos a mesma violação ao princípio da temporariedade, ou anuidade às leis eleitorais, ou seja, o que hoje nos parece bom, justo e verdadeiro, poderá se tornar precedente a outros julgamentos pelo mesmo STF justificando a derrocada da democracia.

A verdade é que se o Congresso desejasse tanto a aprovação desse instrumento repressor, deveria ter aprovado a regra antes de outubro de 2009, ou seja, o Congresso inventa e o Judiciário é quem tem que aparar as arestas, entretanto, não cabe Judiciário tomar decisões populares, mas julgar conforme a lei e seus princípios.

Nas palavras do Ministro Marco Aurélio Mello: "A primeira condição da segurança jurídica é a irretroatividade em si da lei. O que tivemos com essa lei que se diz de origem popular – e enquanto não houver uma revolução o povo também se submete à lei – com a lei complementar Lei da Ficha Limpa? Que culpa temos nós de o Congresso Nacional ter editado a lei 135 Lei da Ficha Limpa quando já se avizinhavam as eleições?"

No mesmo tom, Gilmar Ferreira Mendes ao proferir o sexto voto iniciou seu discurso afirmando, que o fato de a Lei da Ficha Limpa ser de iniciativa popular não a tornava inquestionável: “Muitas vezes tem de se contrariar aquilo que a opinião pública entende como salvação, muitas vezes para salvar a própria opinião pública”. “Se a iniciativa popular tornar inútil a nossa atividade, melhor fechar esse tribunal”.

Esse é o espírito da coisa, dói, fede, revolta, mas não podemos deixar a flexibilização e a opinião pública midiatizada, derrubar as colunas principais de sustentação de todo o sistema jurídico. A lei não pode retroagir, os princípios não podem ser violados, o casuísmo e o utilitarismo não pode ser referência para as decisões do Judiciário.

A propósito dos princípios constitucionais, um deles afirma que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII da CR/88), sob a égide desse princípio, foi dada a vitaliciedade ao Ministro José Antonio Dias Toffoli, quando da sua sabatina pelo Senado Federal.

23 setembro, 2010

O Brasil não é do PT!

Minha modesta contribuição no final da campanha.



Para enviar é só copiar o endereço: http://www.youtube.com/watch?v=FJ7kFXeII44

22 setembro, 2010

Aristóteles e a felicidade

Meu amigo Gilvan[1] ensina que conforme conceitos aristotélicos teríamos alguns propósitos ou fins em nossas existências. Considerando o pensamento do filósofo grego (384 a 322 a.C.), nossas existências se completariam através desses fins, que para efeito de compreensão, dividimos em subsidiários e últimos.

Os subsidiários seriam apontados à nossa escolha através de uma vida contemplativa, de gozo ou política. Como fim último, Aristóteles indica a felicidade (eudaimonia).

O telos, ou a finalidade de cada coisa conforme prevista no Cosmos, quando conectado a felicidade, entendendo esta como bem agir e viver conforme previamente estabelecido por leis que extrapolam conceitos físicos, não consiste nem nos prazeres, nem nas riquezas, nem nas honras, mas nas práticas virtuosas, ou seja, hábitos dignos de louvor, portanto, segundo Aristóteles, para a realização da finalidade última do ser humano, a felicidade, o homem deveria ser virtuoso[2].

Em termos explicativos ou narrativos, o conceito grego de felicidade, ora apresentado é muito mais complexo que a referência a um mero passeio no shopping, ou um bom final de semana de sol na praia, a felicidade pretendida não estaria resumida a boas e momentâneas sensações sexuais, ou a prazeres voláteis e passageiros, seria uma proposta a ser perseguida, como um estado de permanência e grande final à própria existência.

Quanto à virtude abro parênteses, conclui Aristóteles que o homem não seria virtuoso por natureza, essa qualidade não seria um dom presente em cada um, não seria o caso de ser ou não ser, mas de opção ao seu exercício e prática[3].

Assim, a virtude surge ao ser humano em razão de seu exercício constante, através do oferecimento das possibilidades de aplicação de regras justas no seu cotidiano, da aplicação da justiça nos seus atos[4].

Sem perder o fio condutor do pensamento aristotélico, a felicidade, que só se realizaria através de hábitos dignos de louvor, a virtude, seria alcançada via aplicação de regras justas nos atos diários, da justiça.

A propósito, quanto à justiça, Aristóteles afirmava que esta seria entre todas a “virtude primas”, isso porque quando exercitada não beneficiaria ao próprio praticante, mas sempre ao outro.

Os ideais de justiça aristotélicos poderiam ser resumidos como “dar a cada um o que é seu por natureza”, diferentemente de conceitos mais modernos como o de John Halls, que afirma a justiça como igualdade numa perspectiva universal.

A questão de receber o que lhe é de direito por ser ou não ser um direito natural, bem que poderia ser abordada nesse instante, como também a questão da igualdade universal, mas o propósito do texto é caminhar mais focado e sinteticamente na busca aristotélica da felicidade.

Voltando, a justiça desejável por Aristóteles residiria não só na distribuição das coisas aos seus pré-estabelecidos donos, mas deveria ser distribuída por meio de regras justas, ou seja, que não faltasse ou sobrasse[5], mas que atingisse a justa medida, ou mediania do que deveria ser entregue.

Assim, para atingir a justiça deveria se aplicar uma fórmula, que buscasse através de uma escolha ou deliberação das ações a posição mediana, que também, obedeceriam duas premissas maiores, quais sejam, considerar o alcance e possibilidades das medidas, bem como os meios para atingi-los.

Por alcance e possibilidade das medidas devemos entender como a escolha de coisas que estão dentro de um horizonte possível de ser realizado; por outro lado, nessa busca da mediania para se atingir a justiça, temos que considerar os meios adequados para a sua consecução. Infeliz é o homem que quer voar com o bater de seus braços.

Finalmente, o mestre grego na sua caminhada à felicidade aduz da necessidade de prudência nos hábitos, nas ações. A ação equilibrada que visualiza o bem, o propósito é a prudência, em última análise, o hábito da prudência é a possibilidade da meta optata, da possibilidade de consecução de seus projetos.

Para ser feliz deve-se perseguir o bem, o homem bom escolhe o bem, entretanto, conclui Aristóteles, quem não é bom escolhe o que lhe parece o bem[6]. Como saber quando estamos no caminho certo? Fácil, saberemos que não alcançamos o bem quando não nos sentimos felizes.


[1] Gilvan Luiz Hansen - Possui Graduação em Filosofia pela Universidade de Passo Fundo (1985), Mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1997) e Doutorado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004). Atualmente é professor da Universidade Federal Fluminense, docente de Graduação, do Mestrado em Justiça Administrativa, do Mestrado e Doutorado em Sociologia e Direito. Exerce as funções de Subchefe do Departamento de Filosofia e de Coordenador do Curso de Graduação em Filosofia da UFF. Tem experiência e publicações na área de Filosofia, com ênfase em Ética, Filosofia do Direito, Filosofia da Educação e Filosofia Política. Pesquisador de temas atinentes ao Idealismo Alemão (Kant e Hegel), ao Marxismo, à Escola de Frankfurt e às discussões contemporâneas sobre Ética, Justiça, Cidadania, Direito e Democracia (Habermas, Rawls)

[2] “O homem feliz parece necessitar também dessa espécie de prosperidade; e por essa razão, alguns identificam a felicidade com a boa fortuna, embora outros a identifiquem com a virtude" - Ética à Nicômaco I, 8-1099 b

[3] “Como no homem que dorme ou que permanece inativo; mas a atividade virtuosa, não: essa deve necessariamente agir, e agir bem" - Idem, I, 8 – 1099 a

[4] “(…) os homens tornam-se arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo seus instrumentos. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos" - Idem, II, 1 – 1103 b

[5] “Tanto a deficiência como o excesso de exercício destroem a força; e da mesma forma, o alimento e a bebida que ultrapassam determinados limites, tanto para mais como para menos, destroem a saúde" - Idem, EN II, 2 –1104 a

[6] “Mas a maioria dos homens não procede assim. Refugiam-se na teoria e pensam que estão sendo filósofos e se tornarão bons dessa maneira. Nisso se portam como enfermos que escutassem atentamente seus médicos, mas não fizessem nada do que estes lhe prescrevem" - Idem, II, 4 – 1105 b

21 setembro, 2010

Habeas corpus

Definida etimologicamente a expressão habeas corpus tem o significado de “que tenhas meu corpo”. Ao que pese ter sido cunhada em referência ao direito de “ir e vir”, modernamente ampliada pela doutrina jurídica indicando também o direito de “ficar e parar”, a abordagem ora pretendida refere-se ao domínio da vontade sobre o corpo, manifestada de maneira livre e consciente diante do processo eleitora em curso.

Passando pelas ruas podemos observar homens e mulheres que empunham bandeiras, galhardetes ou mesmo se tornam mero vigias de placas, tudo por força de uma questionável legislação eleitoral, que se por um lado não permite a fixação das sorridentes fotos candidatas pelos muros, por outro autoriza a divulgação, desde que controladas e ostentadas pelas mãos humanas, aceitando, portanto, "voluntariosos" atos de ostentação ideológica ou programática.

Bem demonstrando como futuramente interpretarão as normas que estarão submetidos ou ajudarão a elaborar, em processo de esplendorosa criatividade, nossos candidatos a parlamentares ou administradores públicos, não de hoje, encontraram um “atalho” no Código Eleitoral para burlar a lei, pagando às massas de desempregados valores, que ao nosso conhecimento, vão de quatrocentos a um mil e duzentos reais mensais, para serem os fieis guardiões de seus letreiros, em notável degradação final da sua condição de “ser livre” e racional eleitor.

Um tanto estranha a legislação, um quanto hipócrita sua interpretação. Na previsão do art. 299 do Código Eleitoral[1], comprar voto é crime, mas a lei silencia em razão da compra da livre manifestações de apreço e engajamento às candidaturas, silência quanto ao uso do ser humano como coisa, como res nullius (coisa de ninguém), sem valor senão o de uso, disponível como poste de rua.

Quem duvida que os batalhões de desdentados e de famintos que ora vagueiam pelas ruas como cartazes e bandeiras, ambulantes sem destino ou com destino traçados como coisa natural, sejam na verdade a representação do autêntico abuso do poder econômico, também previsto, mas não reprimido por uma cega interpretação da legislação eleitoral (art 237 do Código Eleitoral[2])?

Que cada um tenha seu corpo, como creio que tenho o meu; que cada um use livremente seu corpo, como uso o meu; que cada corpo seja a expressão de idéias livres, como expresso com o meu; que a fome e a necessidade não sejam os grilhões modernos para o controle dos corpos e mentes; e que a democracia seja condição de possibilidade da sociedade, não mera formalização ou condição de exercício de poder.



[1] Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

[2] Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.

15 setembro, 2010

Militância envergonhada

Não sou tão velho assim, ainda que em aproximados trinta dias esteja iniciando minha quinta década, tenho flexibilidade e vigor físico para algumas estripulias, mesmo que ainda faça, como agora, o uso da expressão “no meu tempo...”

Pois é, “no meu tempo”, de moço, jovem militante estudantil, ou mais a frente um pouquinho, advogado concorrente nos pleitos da OAB, ainda um pouco mais adiante, dirigindo associação ou auxiliando na fundação do meu sindicato de classe, em suma, “no meu tempo”, afinal e não é tanto assim, carregávamos bandeiras com as cores de nossas idéias e esperanças, empunhávamos cartazes, faixas e desavergonhadamente gritávamos pelas ruas palavras de ordem, buscando atrair quem passasse naquele momento, para justificar nossa escolha e pelas palavras, gestos ou galhardetes de mão, esperávamos simplesmente a adesão.

Permiti-me essa introdução um pouco mais longa, para tão tímido comentário, porque tenho no comportamento descrito, que não era só meu, mas do “meu tempo” e dos outros que igualmente assim procediam, um parâmetro de militância política, ou como digo aos meus alunos, um modesto gabarito que serve de referência para a comparação com as informações que ora nos são passadas.

Sou morador de uma cidade com mais de quinhentos mil habitantes, confesso que não sei exatamente esse número, mas só em ser superior ao apresentado, já me satisfaz aos argumentos pretendidos, essa cidade é Niterói, grande o suficiente para dizer que um dia já foi capital do Estado do Rio de Janeiro, mas pequena por outro lado, por não conseguir eleger além de um deputado federal, próprio da terra, e ter no máximo dois outros deputados estaduais já com mandatos, que indiquem como principal reduto minha cidade.

Ao que pese nesse período eleitoral a súbita aproximação de outros candidatos, que buscam pequenos espaços pulverizados entre os eleitores, para literalmente garimpar alguns punhados de votos, o certo é que a cidade tem seus candidatos preferenciais, conforme é facilmente aferido em eleições passadas (municipais, estaduais ou federais), na verdade, embora poucos sejam os escolhidos do município, muitos são os que se lançam na aventura das urnas buscando o sufrágio popular.

Mas o que vem ao caso agora é a interessante constatação da legitimidade da militância, que surge pelas esquinas e cruzamentos da cidade, buscando o convencimento do eleitorado indeciso ou sem escolha firmada até então. Creio que o perfil que vejo por aqui não deve ser tão diferente do que podemos ver por ali, por lá ou qualquer outro lugar da nação.

Se de um lado podemos observar a massa de desempregados, que surgem empunhando bandeiras e cartazes, não contra sua condição de exército de reserva do sistema, mas a favor dos suados trinta reais diários pela “voluntária” manifestação de apreço e admiração pelo candidato, por outro temos em destaque a militância oficial.

Quanto a essa militância de cabresto em específico, podemos subdividi-la em duas correntes, facções ou condição: de um lado temos os verdadeiramente esperançosos, aqueles que acreditam numa bandeira de progresso, de melhorias, ou de rompimento ou aceitação com o status quo, infelizmente esses são insignificante minoria, quando por vezes não passam de iludidos ou sem esclarecimentos para quem realmente pedem o voto; do outro lado ainda nesse primeiro grupo, temos os que procuram uma oportunidade, de quem sabe, ser aproveitado num gabinete, departamento ou sala de repartição pública pós-eleitoral.

Na outra corrente ou facção, vamos encontrar os militantes convocados, esses na verdade tão subjugados como os que ganham os míseros trinta reais de contratação temporária, são os retirados de suas repartições para ficar nas vias e esquinas principais da cidade fazendo volume de popularidade e adesão à candidatura de “A”, “B”, “C” ou “Z”.

É bem verdade que a imensa maioria dessa militância de gabinete sai das mesas ocupadas no serviço público, esses convocados estão empregados somente em razão da indicação e apadrinhamento político daqueles que agora cobram a contrapartida da “empolgação”. Dirão alguns que o preço não é lá tão caro, afinal três meses de exposição pública vale lá seus quatro anos de salário no bolso e feijão no fogão.

Volto “no meu tempo” para recordar, como era interessante e gratificante convencer uma pessoa que nunca tinha visto na vida, de como era importante sua participação, sua adesão, seu voto. Empunhava bandeiras com orgulho e satisfação.

Passando pelas esquinas de minha cidade há momentos que se tornaram jocosos e hilários. Vejo regularmente, com muita curiosidade, uma jovem, pouco mais de vinte anos, vestidinha com seu jeans básico e um sapatinho “patricinha” cor-de-rosa segurando uma vara de plástico ou de bambu, suporte da bandeira com um nome pintado em perfeito silk screem, coitada da moça, completa sua vergonha escondendo o rosto atrás de um “fashion” óculos que lhe cobre todo o rosto e ainda por cima, vira de costas para rua, na esperança de não ser notada pelos carros que passam em desabalada desatenção.

Não é prerrogativa da diva de saltos rosa, outras e outros encabulados cumprem suas “obrigações partidárias”, militantes que não encaram ou conversam com os passantes e se escondem em rodinhas de intrigantes conversas, de tão próximos que ficam, lhes proporcionam o coletivo anonimato e claro, com as costas voltadas para os quatro cantos da esquina. Pequenos burgueses que se envergonham diante da possibilidade de serem confundidos com os pretos, pobres e desdentados de trinta reais.

No outro dia vi um partidário de obrigação que sequer empunhava a bandeira que lhe tinha sido entregue, ele com olhar perdido, voltado ao céu, braços cruzados, deixava pender sobre o cotovelo um fino mastro com a flâmula arrastando no chão, mais ou menos como se pronto a responder a alguém que subitamente lhe perguntasse o que não gostaria de responder, “nossa, como isso veio parar aqui”!

Para arrepio e termo final nessas linhas que já vão longe, confirmam-se as notícias que os secretários e congêneres das administrações, nos três níveis da federação, determinam a dispensa do trabalho dos agraciados com cargos, para servirem de autênticos “bonecos de posto” nas ruas da cidade. É a verdadeira expressão da popularidade “chapa branca”, da imoralidade administrativa, da coação moral.