Minhas opiniões e publicações, expostas neste espaço, são reflexões acadêmicas de um cidadão-eleitor, publicadas ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão

"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

27 agosto, 2015

Escolhas que só nós podemos fazer



Escrevo esta coluna domingo, 23 de agosto, exatos 47 anos passados do acidente de Ramon Sampedro Cameán, sujeito que conheci num domingo de 1998 enquanto assistia o “Fantástico, o show da vida” – era assim que o programa se apresentava.

Ramon apareceu na telinha, com completos 55 anos, literalmente ancorado num leito, tetraplégico, sem poder mexer mais que os músculos do pescoço e da face, narrando em tom semisolene o fim da sua vida na terra; foram as últimas palavras daquele homem, decidido bebeu de um copo uma mistura venenosa, encerrando sua história.

De então, resolvi penetrar na saga de Ramon, um espanhol da Galícia, a partir de seu livro, “Cartas Desde el Infierno” – editora planeta –, onde o autor-protagonista conta como tudo se desenvolveu após seu acidente numa praia, quando aos 25 anos, num simples mergulho bateu com a cabeça num banco de areia, fraturando a sétima vértebra cervical, o que lhe colocou numa condição autodescrita de “cabeza viva y un cuerpo muerto, espíritu parlante de un muerto”.

Ramon, desenganado quanto a qualquer possibilidade de voltar a viver além do limites de sua cabeça, perseguiu pela via judicial a autorização para “ser su proprio maestro”, pretendia terminar com seu cárcere carnal através da eutanásia, todavia, o pleito lhe foi negado em todas as instâncias do judiciário espanhol; inconformado por não ter a chance de ser tratado como um animal, “si hubieste sido un animal, habría recebido un trato acorde com los sentimentos humanos más nobles”, perseguiu seus propósitos libertários apelando para o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em Estrasburgo, que também não lhe autorizou livrar-se daquilo que considerava sua tortura, sofrimento, dor e perpétua prisão.

Desde então a história de Ramon Sampedro tem me servido à reflexão, sobre os limites da liberdade e autogestão de nossas vidas. Pode o Estado pretender nos proteger a tal ponto, nos retirando a opção de darmos fim aos nossos destinos, ainda que este seja um castigo? Por outro lado, muitas vezes, literalmente, sobrevivemos ou insistimos na vida vegetativa de quem amamos às custas da moderna tecnologia, em outros tempos – 50 anos já são suficientes aos argumentos –, várias técnicas médicas e aparelhos não existiam, portanto, muitos daqueles que hoje insistimos vivos não resistiriam em outras épocas.

No mesmo esteio reflexivo, qual o propósito de viver como ciborgue terminal, insensível e silencioso num leito, moribundo, dificultando a natureza no cumprimento de seu papel? O que é ser natural no final das contas, quando medidas e parâmetros da vida foram alterados por fórmulas químicas, componentes da robótica ou máquinas ressuscitadoras? Qual a idade que Deus nos deu e desobedecemos de aceitar? Todavia, em oracular moral humanoide, insistimos em dizer que não temos o direito de abreviar o que artificialmente prorrogamos desde as primeiras vacinas, ainda no colo de nossas mães. Afinal, quem tem o direito de decidir, sobre o princípio, o meio e o fim de nossas vidas?

Hoje, 23 de agosto, lembrei de Ramon Sampedro, homem com singular coragem, justificada em suas próprias palavras, “el individuo es siempre él y su circunstâncias”, que enfrentou a dor pelo único caminho que enxergava e não se arrependeu, até o último gole de água misturado com cianureto, afinal, há escolhas que só nós podemos fazer. 

20 agosto, 2015

“Arroz, feijão, saúde, educação!”




Em ressaca das manifestações ocorridas no último final de semana, como quem “não fui”, achei oportuno registrar algumas notas que surgiram, observando um evento político de cunho e patrocínio notadamente liberal.

Ao que pese aventuras pedindo “Intervenção Militar” em nome da democracia, “Volta Sarney” e “Porquê não mataram todos em 1964”, entretanto, em confesso tom de ironia, pretendo comentar outras contradições pontuais, despercebidas no meio de tanta confusão, que me chamaram a atenção conforme faixas e cartazes empunhados.

Acho intrigante que um autentico liberal se aventure a reclamar da rede pública de saúde, afinal, como alguém que prega a intervenção mínima do Estado pode pretender assistência comum?

Um convicto liberal – pelo menos na cartilha –, acredita que socorro médico de qualidade é coisa para quem pode pagar, se muito, um bom plano cobrindo do Barra D’Or ao Sírio Libanês, se pouco, uma modesta enfermaria em específica cadeia credenciada, se nada, restam os obséquios dos bem feitores, as instituições religiosas, a rede pública ou então um hospital universitário para prática de seus alunos. Assim sendo, liberal reclamando de saúde pública me parece pura contradição.

Coisa interessante também é ver um liberal de carteirinha se queixando dos lucros bancários, da ausência de regras mais rígidas para gerência de preços, do não controle do dólar e das importações.

Incoerente, afinal, conforme todo liberal sabe, quem deve regular o mercado é a lei de oferta e procura, portanto, tudo que pretende é pouco Estado e que os negócios se ajustem por conta própria, ou seja, “deixando que as abóboras se acomodem conforme o andar da carroça”.

Facecioso é admirar um autêntico liberal reclamando do sistema público escolar.  Educação e saúde para um genuíno defensor da livre iniciativa, seguem as mesmas regras do abecedário geral, ou seja, se a qualidade não é de graça, tão pouco o colégio deve ser um “produto” para todos, portanto, é a “mão invisível do mercado” que deve regular a quantidade e qualidade dos serviços prestados.

Ainda sobre educação, para mim é paradoxal que um pai liberal – do tipo que diz que FIES e Prouni é coisa de comunista –, pague caro por escolas e cursinhos cobiçando que seus filhos ingressem em universidades públicas e, mais disparatado ainda, pretendendo como objetivo vê-los concursados e aprovados em carreiras públicas, em nome de uma estabilidade que só o Estado proporciona, longe da “selvagem” competição do mundo privado.

Liberal reclamando de pensões é outra caçoada. Sendo coerente, Liberal com “L” maiúsculo não deveria sequer pensar em se aposentar pelo INSS, mas tão somente com poupança de previdência privada e rendimentos de fundos de ações disputados no mercado. Contudo, nunca vi um fidedigno liberal pedindo leis que substituam as contribuições do INSS, por investimentos na Bolsa de Valores ou em favor de algum título de capitalização.

Enfim, parando por aqui, antes que o deboche me cause mais inimigos, todavia, confiro que nossos liberais no final das contas, além de não gostarem muito de viver conforme os mandamentos de seus á-bê-cês, bem que se aninham carentes de um Estado protetor.

12 agosto, 2015

Mudança de rumos



Conforme a pauta do Supremo Tribunal Federal, nesta quinta-feira – 13/08 –, através do Recurso Extraordinário nº 635.659, será discutida a constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/06, trocando em miúdos, o que está em jogo neste julgamento é a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. 

A tese defensista expõe que o comando da Lei de Drogas viola o princípio constitucional da “intimidade e vida privada” – art. 5º, X da CF/88 –, ou seja, espera a defesa que os Ministros do STF testifiquem que determinada conduta só pode ser considerada criminosa quando lesiona bens jurídicos alheios, portanto, como no porte para uso pessoal a ação permanece tão somente na esfera do autor, não há que se falar em alteridade e lesividade.

A propósito do tema, algumas considerações há muito me convenceram que o caminho que estamos percorrendo para enfrentar o problema das drogas não poderia ser pior. A “guerra às drogas”, assim nominado o combate sistemático ao comércio e uso de substâncias entorpecentes não autorizadas por lei, tem juntado vultosas derrotas à sociedade, num triste enredo de desperdícios de vidas, dinheiro e dependências.

De expressiva significância também é a aplicação de uma política criminal pautada por paradigmas bélicos, traduzida pela expressão “guerra às drogas”, que de per si, demonstra um processo de eleição interna de inimigos; sem outra interpretação possível, se há uma guerra deflagrada é porque existem polos antagônicos inconciliáveis por outras vias, portanto, o embate só se resolve através da destruição do outro. Em suma, vivemos uma guerra civil não declarada, que tem como pano de fundo justificativas políticas-jurídicas-penais seletivas.  

Expandindo a compreensão do problema colacionamos alguns números:  entre os anos de 2009 e 2013 essa “batalha” matou mais de 230 mil pessoas no planeta, dimensionando o confronto, comparativamente, entre os anos de 2003 e 2011, na guerra de ocupação do Iraque pelos EUA, morreram 62 mil pessoas, considerando todos os envolvidos no conflito – civis e militares.

Quanto a gastos, no ano de 2013 o Brasil consignou à segurança pública R$ 61,1 bilhões, como é manifesto que o estado brasileiro faz a eleição de seu inimigo na figura do combate às drogas ilícitas, pode-se imaginar quanto da polpuda quantia não foi lançada nessa direção.

Em parâmetro global, estima o Fundo Monetário Internacional - FMI, que a lavagem de dinheiro movimenta anualmente um valor entre US$ 800 bilhões a US$ 2 trilhões de dólares, o que representa de 3%  à  5% do Produto Interno Bruto mundial, sendo que desta quantia,  80% são provenientes do tráfico de drogas. Refletidos esses valores como potencial para manutenção e desenvolvimento do “negócio” ilícito é quase impossível imaginar o quanto, proporcionalmente, deveria ser exigido para combatê-lo em patamares semelhantes através do enfrentamento militar.

Destarte a importância deste julgamento pelo STF, que pode ter o condão de enfraquecer a tese beligerante ora dominante no país, afinal, no mesmo momento que o mundo se curva diante da facticidade imperiosa de estar lutando numa guerra perdida, assumindo legítimas formas de combate ao vício através da legalização, controle, profilaxia e cuidados, no Brasil a militarização do problema continua sendo a principal forma de enfrentar essa mazela.

Enfim, oxalá esteja a Corte Constitucional inspirada nesta quinta-feira para enfrentar o tema, longe de preconceitos, razões privadas e morais oblíquas, que insistem em afastar o tema do debate legislativo nacional, fazendo que em ativismo o Poder Judiciário acabe por deslindar matéria que deveria ser da conta e decisão de toda sociedade.

06 agosto, 2015

Perdulários ou gananciosos


Pegando carona nos XVII Jogos Pan-Americanos, realizados no mês julho em Toronto, Canadá, acho que podemos fazer uma boa reflexão sobre as importância desse tipo de acontecimento para um país, especialmente, quanto ao que fica para a sociedade como legado do evento.

Inobstante a visibilidade internacional durante as competições, forjada ao custo de US$ 2,5 bilhões – edição mais cara dos jogos Pan-Americanos –, é certo que esse investimento ainda representará para o país ganhos futuros no turismo, na indústria e no comércio internacional, assim como um legado, aquilo que foi deixado no final da festa para que sua população usufrua além dos quinze dias do torneio olímpico.

Especialmente, um exemplo dessa herança esportiva me chamou a atenção ainda durante as competições, foi o caso do estádio onde foram realizadas as provas de atletismo. Tendo que construir acomodações para abrigar essas modalidades, os canadenses optaram por reformar e ampliar as instalações da Universidade de York.

De igual maneira, construíram um centro aquático para as competições de natação, saltos ornamentais e nado sincronizado, desta feita a instituição de ensino superior contemplada foi a Universidade de Toronto Scarborough – campus satélite da Universidade de Toronto.

Os canadense mostraram que é possível otimizar as despesas dos jogos através de um legado social de fato, deixando como patrimônio para aquelas universidades as instalações construídas com dinheiro público. O exemplo sugerido afirma que com criatividade e boa vontade, o pós-jogos pode significar muito mais que ganhos auferidos com as sempre suspeitas privatizações de fim de função.

Em tempos de vacas magras – e bota magras nisso! –, enquanto a Autoridade Pública Olímpica – Rio 2016 – anuncia gastos na ordem de R$ 38 bilhões como custo total dos jogos, o governo estadual está cortando R$ 550 milhões da educação, assim como a administração federal tesoura R$ 1 bilhão na mesma rubrica, fico pensando por que no momento oportuno não seguimos o modelo canadense, ampliando, reformando e construindo nossas sedes olímpicas nas universidades do Rio de Janeiro.

Os jogos de Toronto – Pan e Parapan –, receberam aproximados 7.000 atletas de 41 nações, portanto, foram construídas instalações de moradia para todos. Ora, que herança bendita seria que após a devolução das chaves de moradia dos 10.500 atletas olímpicos e 4.350 paralímpicos visitantes no Rio de Janeiro em 2016, pelo menos parte da vila olímpica fosse destinada como residência estudantil, este, um simples exemplo de tudo que seria possível fazer.

Crio este exemplo – mas poderiam ser outros, muitos outros –, porque em penúria as universidades públicas no Rio de Janeiro mal têm dinheiro para pagar suas despesas correntes, falta para luz, gasolina ou papel higiênico, as manifestações das suas comunidades acadêmicas há muito deixaram de ser precipuamente por melhores salários, hoje lutam para continuar funcionando com mínimas condições, investimentos em obras de reforma, ampliação ou construção quando muito só em caráter emergencial, fora disso é coisa impensável.

Enquanto isso, o que se vê é o soerguimento de uma cidade olímpica na capital fluminense, bela, moderna e suntuosa, porém, inconsequentemente esbanjadora para os padrões de carência que temos. Mais uma vez perdemos a oportunidade de com uma só despesa fazer as Olimpíadas e usufruir ao máximo o legado dos jogos – assim como no Pan 2007 e na Copa 2014.