Minhas opiniões e publicações, expostas neste espaço, são reflexões acadêmicas de um cidadão-eleitor, publicadas ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão

"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

28 outubro, 2012

E agora Luiz, a festa acabou... (breves considerações)



Nota: Texto escrito antes de 28 de outubro, dia da realização do segundo turno eleitoral, porém, propositalmente, só publicado em momento posterior.

A onda moralizatória, que até então já vinha se avolumando no país, ganhou força e foi intensamente explorada, principalmente pelos partidos e alianças que enfrentaram candidatos do Partido dos Trabalhadores - PT, nos locais onde ocorreu o segundo turno para o Executivo Municipal.

É fato que os discursos da anticorrupção, da proteção social, do fim do uso da coisa pública em detrimento privado, do combate desmedido a criminalidade e da banalização da criminalização não foram inventados para uso instantâneo, especificamente, para o pleito eleitoral de 2012, basta observar a classe média, espectadora saciada momentaneamente, aplaudindo barbáries policiais nos cinemas (“Tropa de Elite” I e II), ou espetáculos midiáticos em filmagens televisivas de recebimentos de propinas por agentes públicos, ou mesmo, literais linchamentos de criminosos justiçados nas ruas das periferias.

Todavia, com as condenações impostas pelo Supremo Tribunal Federal – STF, aos denominados “mensaleiros”, expressão cunhada na porta de alguma redação de jornal a partir de astuta observação opositora, que bem soube explorar sua subjetividade e sonoridade ainda nos anos de 2005, o Partido dos Trabalhadores (em especial), teve que enfrentar severas críticas e passou a ser a representação daquilo que, quando era oposição, tanto condenava, afinal, os sentenciados não são meros militantes de terceiro ou quarto escalão do partido, bagrinhos despreparados ou ladrões de oportunidade, mas cabeças coroadas e muito próximas de seu maior ícone, Luiz Inácio Lula da Silva. Em metáfora, o PT de pedra virou vidraça, e de toda forma, após cada alvejada que sofre, tenta cobrir com papelão de remendo os estragos causados em sua fachada.

A questão que se coloca é que ao abdicar da autocrítica, o PT prestou um desserviço à causa democrática, isso porque, negando, como ainda faz, com veemência, a existência do esquema de uso de dinheiro público para compra de votos parlamentares, viabilizadores de suas propostas política, também abriu mão de capitanear as necessárias reformas  àquelas práticas corruptas, tão comuns na política nacional. O PT não inventou o “mensalão”, sabe-se disso sem ingenuidades, tal prática sempre permeou as relações executivo/legislativo, ora através da distribuição de cargos públicos; ora pela fruição de vantagens em licitações; ora por via de empréstimos junto aos bancos públicos com juros irrisórios (ou mesmo inexistentes), com prazo a se perder de vista; ora com a distribuição de dinheiro em espécie, propina, como ficou demonstrado no julgamento da Ação Penal 470/STF.

Portanto, a cobrada autocrítica ao Partido dos Trabalhadores, não seria somente bem vinda sob o ponto de vista intrapartidário, mas fundamental para toda sociedade, isso porque, representaria a condenação das práticas espúrias até então instauradas, teria o condão de reconduzir valores éticos ao seio das relações políticas; todavia, o silêncio e anuência do partido, inclusive com desagravos pós-condenação, em nome da “causa maior” revolucionária, igualou no modo de fazer política o PT e seus opositores.

O Partido dos Trabalhadores bem sabe o custo que representa admitir seus erros, ao caminhar pela via utilitária, própria da ética “burguesa”, por isso prefere não se abrir a essa autópsia, receia que o custo seja maior que o benefício final; insiste na negativa à crítica sob a premissa da necessidade de transformações mais profundas na sociedade, repetindo o discurso “que os fins justificam os meios”, ou naquilo que considera a melhor das conclusões: que, por ainda estarmos na fase pré-histórica da sociedade, todos os meios são válidos para se alcançar os objetivos políticos e estes devem ser precipitados, logo, violar a ética burguesa é uma ação revolucionária.

O Partido dos Trabalhadores, com esse comportamento irreflexivo, entretanto, entra em profunda contradição performativa, ou seja, seu discurso permanece o mesmo, porém, sua prática lhe nega legitimidade, tal racionalidade estratégica evidencia que se tornou ontologicamente igual aos que sempre combateu.

Abra-se parêntese, sob esse paradigma a razão é dominação, não há alternativa senão aquela que tenha o mesmo sentido finalista, qual seja, o poder; ainda que se tente a legitimação, justificada nos propósitos da construção de uma sociedade mais justa, porém, a razão permanece fundada sobre a premissa da vitória de determinado coletivo da sociedade sobre outro, logo, continua sendo a expressão da conquista do poder através da aniquilação do inimigo, destarte, a práxis em nada difere do grupo dominador que se pretende substituir, além do discurso das boas intenções, todavia, de igual modo, representa o interesse de apenas parte da sociedade.

Outra questão que surgiria, em especulativa autocrítica do PT, não menos ligada ao tema inicialmente proposto, seria o enfrentamento de mais uma de suas fragilidades interna: a construção do mito, o culto personalista da figura de Lula, verdadeiro ídolo com pés de barro.

Inobstante a sua trajetória, merecedora de destaque e exemplo militante sob vários aspectos, há que se estabelecer um novo marco no personagem Lula após sua posse como Presidente.

Elevado ao cargo maior do poder nacional, Lula foi gradativamente sendo dirigido, ou por opção própria, já que goza dessa autonomia, para acordos e alianças que descaracterizaram suas iniciais feições políticas. Sem adentrar em pormenores, enfatize-se, porém, que Lula adotou a postura do reconhecimento da identidade dos desiguais na sociedade, tratando diversos de seus aliados e a ele próprio como pessoas acima da lei e do controle coletivo; como exemplo desse outro Lula, que abdicou de um discurso histórico republicano, cite-se, quando proferiu a frase: “Sarney tem história para que não seja tratado como se fosse pessoa comum”.

O que conclui-se da fala lulista é: que nem todos são iguais perante a lei, embora todos os súditos devam ser seguidores das regras gerais, porém, à alguns é permitido seu contorno; ainda que por mera questão estratégica de governabilidade, todavia, essa razão fez-se caminho para a admissão de qualquer irregularidade justificável em nome do “interesse maior”. 

Assim, se retorna a questão inicial, uma moralidade flexível; o que se permitiu, logo em primeira análise é que tudo é possível e permitido no campo ético-político, desde que, quem o faça pertença a determinado estamento (sob uma concepção weberiana); dizendo de outra forma, aos amigos e aliados tudo é permitido.

Enfim, a necessidade da autocrítica petista serve de ensaio para reforça uma posição que venho defendendo, qual seja, que a bandeira da moralidade pública deve ser empunhada pelas forças democráticas e progressistas, antes que segmentos mais atrasados da sociedade, de maneira oportunista assim o façam (como já vem fazendo), comprometendo o estado democrático de direito. 

Pelo exemplo se adquire legitimidade; as  forças comprometidas com a democracia devem a todo tempo se expor, de maneira sincera, cortando na carne quando for preciso, para que obtenha confiança e respeito da coletividade; não basta que o discurso seja diferente, deve-se trilhar um caminho demonstrando que a prática se coaduna com a teoria, a meu ver, o ponto de partida para esse reconhecimento é a autocrítica.

Dessa reflexão, além da reconstrução interna do partido, em resgate de valores dos tempos de sua fundação (e a regra não vale só para o PT), poderão surgir outros frutos. Ao se abandonar a lógica estratégica-instrumental, se afastam as perspectivas meramente negociais, espaço em que cada grupo tenta impor ou preservar o máximo de vantagens e privilégios; no modelo comunicativo que ora proponho e, que parte da inicial reflexão interna de um partido político, abre-se a oportunidade para que cada qual se veja integrante, não só de um partido reconstruído, mas integrante de uma sociedade onde aquele partido, também consegue se ver e pode representar; decorrente, a participação não significará a vitória de somente uma de suas partes, mas fará surgir o sentimento de pertencimento a um todo.

A razão não deve ser usada como ferramenta de dominação, mas como instrumento de libertação. É mister, portanto, abandonar a estreita leitura que apontam há uma só resposta diante de uma tese, entendendo que há possibilidade de se obter à mesma pergunta ou problema várias alternativas. Destarte, acredito que existam outros modos de fazer política, fora dos modelos tradicionais de usos e trocas, aceitos como naturais pelo PT enquanto governo.

Portanto, ainda que inafastáveis, as discussões das questões de moralidade, estas não podem se prestar como instrumento, que desemboque em maior controle da sociedade, restringindo liberdades individuais e coletivas, anulando avanços duramente conquistados no processo de construção do estado democrático de direito, mas sim, deve servir como detonadora, ponto de partida e aprofundamento da sociedade que se almeja, diante da facticidade possível. Não há, portanto, outro campo, senão o democrático para se travar essa discussão, sob o risco do alto preço que se venha pagar, pela negligência ou encabulamento na empunhadura dessa bandeira ética.

Uma vez delimitado o campo democrático, como o espaço para se travar esse debate, se afastam determinadas possibilidades de dominações, como no exemplo norte-americano, frente ao recrudescimento dos direitos fundamentais pós 11 de setembro, que travestido da justificativa de proteção social serviram a ampliação dos mecanismos de vigilância e controle da sociedade; desta forma, de igual maneira, a questão da moralização da coisa pública não pode servir a esses obscuros propósitos.

Encerro: sem uma autocrítica severa, profunda, das forças que compõem o espectro democrático, em especial recorte o PT, destacado no texto, não se estará perdendo somente a oportunidade de avançar, mas também, se alimentará o que há de mais atrasado para a sociedade, o fascismo e suas vertentes maquiadas.

22 outubro, 2012

Juiz penitente (Albert Camus)



Durante muitos anos imaginávamos, que no “futuro” a sociedade de controle seria instaurada caso não resistíssemos, portanto, o combate deveria ser permanente. Os órgãos oficiais de informações eram os vilões da história, bisbilhotando e relatando nossos passos, preferências e relacionamentos, informavam ao Estado, que assim pretendiam controlar seus membros.

De modo, toda e qualquer medida que visasse identificar, cadastrar, ordenar, catalogar ou qualificar os membros sociais deveriam ser veementemente combatidas; resistindo, evitaríamos ao máximo uma sociedade orwelliana, prevista nos molde de “1984” e outras obras de ficção, não menos preocupadas com a dominação do indivíduo pelo Estado.

O inimigo era o Estado e sua ambição de dominação dos seres; em seus bancos de dados não faltavam dossiês, produzidos muitas das vezes com relatos imprecisos ou subjetivismos dos investigantes, ainda que com certa “eficiência” ao que se propunha, porém tais informações ainda deixavam espaços à resistência, eram fragmentárias, desconexas e seus cruzamentos equivaliam a longos e difíceis exercícios de práticas policialescas.

Todavia, com o avanço tecnológico na produção e armazenamento da informação as coisas foram se modificando, os dados, antes registrados em pálidas fichas de papel, passaram a fluir com maior velocidade e organização, através da via cibernética; órgãos que compunham autonomamente o sistema de monitoramento dos cidadãos foram sendo unificados ou aproximados, as trocas de dados foram capilarizadas, ficou mais fácil e rápido a resposta do Estado a qualquer tentativa insurgente.

A preocupação, daqueles que um dia sentiram na pele os efeitos do aparelhamento estatal-policial, conduziu a resistência para a limitada lógica da positivação dos direitos, acreditavam, em tradicional equivoco, que a lei seria instrumento capaz de frear as desmedidas invasões da individualidade; cite-se, por exemplo, a previsão do habeas data na Constituição brasileira de 1988, remédio jurídico, onde se depositou esperanças em manter sobre certo regramento os dados sensíveis dos cidadãos. Travava-se uma guerra, entre o interesse público e a vida privada, entre a soberania do Estado e o indivíduo, de tal maneira, que a questão apresentada indicava como melhor forma de resistência o controle dos controladores, limitando ao máximo a produção, a manipulação, o arquivo e acesso das informações.

Pois bem, em minha avaliação, perdemos essa guerra, ou melhor, nos rendemos aos encantos de habilidosos diplomatas formados na arte da informação e contrainformação, que por recursos transversos nos recrutaram como verdadeiros agentes infiltrados; fomos convertidos sem resistência ou reclamações maiores, tudo nos agrada, desde que seja confortável e lúdico.   

Na atualidade, damos vistas às nossas intimidades voluntariamente, não opomos a menor resistência a qualquer controle, pelo contrário, facilitamos nossos vigilantes ao máximo, quando, desde ingênuos cadastros em contas de e-mail a sites de compras ou instituições financeiras (bancos, cartões de crédito, pague fácil etc.), passamos todos os nossos dados ao mercado, também, quando confeccionamos algum documento num órgão público (identidade, passaporte, habilitação etc.), isso sem contar a imensa quantidade de particularidades deixadas ao rastreio pelas redes sociais, com direito a nossas fotos, de amigos e familiares, chegando a ponto de expor o que comemos, bebemos, nossos secretos fetiches e até nosso exato pontos de localização (check-in), naquele instante, no mesmo diapasão, a permanente vigilância panóptica por câmeras (“sorria, você está sendo filmado”), comumente aplaudidas, em nome de nossa “segurança e controle”, além dos registros de vistos de estada, dados de embarques e por ai vai; inexoráveis dados vitais a quem tenha acesso e pretenda cruzá-los, na busca de nossas individualidades ou liberdades.

O controle e domínio de nossos atos são tamanhos, que chegam ao ponto de dar saudades das cartomantes, quiromantes, astrólogos e adivinhos em geral, que se valiam da mera intuição divinatória, ou exercícios psicológicos, dizendo nosso “passado, presente e futuro”, para no final nos confortar a alma, carentes incansáveis que somos na busca por uma vida melhor. 

Nesse paradoxo, perdemos a própria ingenuidade de acreditar que somos livres, para mudar com facilidade o que queremos, se é que ainda percebemos querer mudar alguma coisa diante desse estado de hipnose; é complexo o processo de emancipação, são estreitos os caminhos e difícil a passagem para a autodeterminação, cada vez mais somos transformados, não transformadores.

12 outubro, 2012

Os equívocos da neutralidade



Lembro em certa feita, ainda acadêmico de Direito da UFF, lá pelo 5º período, que um colega, Rogério Vilar Lira, munido de uma filmadora 8mm e correndo o chapéu para comprar fitas, resolveu produzir um filme sobre a Faculdade de Niterói; todo empolgado, afinal, acabara de ler o livro Roteiro, de Doc Comparato, e na sua animada juventude transformadora, desejava registrar o Curso, “como ele é” (palavras do próprio).

Foi nessa ocasião que outro colega e amigo, inclusive hoje no Face, Lícius Coelho, lhe fez uma singela indagação, ainda que em tom de deboche: “mas qual será a ideologia do filme?” Plausível questionamento, afinal, por trás de das lentes haveria uma pessoa, que transmitiria o seu olhar, a sua interpretação sobre o que resolvesse filmar, selecionando ou afastando imagens, escolhendo conforme critérios pessoais o que seria mostrado e o que não atendesse suas expectativas de verdade.

Recordo bem, a ingênua resposta de nosso aprendiz de cineasta: “o filme não terá nenhuma ideologia, será neutro”; não pude resistir à gozação que se seguiu com o comentário afirmativo do Lícius: “então você vai soltar a câmera no saguão e ela flutuará pela faculdade aleatoriamente, decidindo o que ficará registrado”, confesso que sorrindo também entrei no sério deboche que seguiu. Creio que o Lícius sequer se lembre dessa passagem (ele dirá), mas para mim, iniciante na arte política, o fato ficou marcado como uma espécie de “parábola da neutralidade”.

Dessa singela gozação, guardei uma grande lição: não há neutralidade, todo olhar humano, toda ação, qualquer movimento que se faça é provido de subjetiva ideologia. Ainda que digamos que nos posicionamos no campo da neutralidade, essa postura já é ideologizada, se faz comportamento e compromisso político, portanto, sujeito a elementar lei de causas e efeitos.

Veja-se, por exemplo, a questão da igreja católica durante a Segunda Guerra Mundial, comportamento a propósito já reconhecido pelo próprio Vaticano; a aparente neutralidade dos sacerdotes e do Papa no período custou muitas vidas e destruição; de igual maneira, na história mais recente, a America do Sul viveu entre as décadas de 1960 e 1980 períodos de chumbo, também durante as ditaduras militares implantadas no Cone Sul, era comum se ver padres e bispos abençoando obras e ações dos usurpadores. Enfim, não faltariam exemplos do custo que representam as formais neutralidades.

Insisto na tese política proposta, dizer-se neutro é como se esconder no armário durante a discussão do casal, ainda que você tenha tudo a ver com o desentendimento, aguarda quieto e em silêncio, imperceptível, esperando o momento mais apropriado para voltar à cama que já ocupou, ou sair correndo com as calças nas mãos por ruas desertas. Afinal, proclamar que “não tem nada com isso” é hipocrisia, pois quando a cama está quente e as condições objetivas permitem, é lá que deita nosso herói oculto, em outras palavras, quando termina o momento da responsabilidade volta, içada à condição de “oposição imaculada”, resurge na semana seguinte, para continuar formulando e propondo, porém, sem compromissos verdadeiramente assumidos, senão com as palavras, vive de atribuir responsabilidade aos outros.

Aplicando na prática: o PSOL tenta se afastar da “orgia política” (a expressão no caso é minha) de Niterói, acredita que conseguirá manter essa condição paladina e guardiã da moral e dos bons costumes políticos, algo assim com um dia foi a Tradição Família e Propriedade – TFP, só que de esquerda; tal posição não me surpreende tanto, na verdade era até certo ponto esperado, posto, como um dia já afirmado, “os extremos na prática se encontram”.

O problema é que ao eximir-se da responsabilidade, atirando-se na neutralidade, coloca em prática a “solução final”, ou seja, equivale a jogar-se nos fornos de Auschwitz mais uma centenas de judeus, porém mantendo-se com a consciência tranquila de não ter negociado com nenhum oficial da Gestapo.

Nesse ponto recomendo aos amigos puros e imaculados do PSOL, o filme “A Lista de Schindler”, lá no filme, história real, o empresário Oscar Schindler participava com suas atividades empresariais do regime nazista, todavia, seus esforços internos eram no sentido de alimentar, proteger e guardar vidas, chegando ao ponto final de comprar, literalmente, com todos os seus recursos, o máximo que pode de homens, mulheres e crianças, cujos destinos traçados por seus algozes certamente não seriam outros, senão em algum forno de extermínio. Schindler fez política no momento mais difícil e da forma menos improvável, todavia, os resultados ficaram na história, os mais de mil judeus comprados se multiplicaram em novas gerações e hoje contam essa história, de como fazer política com princípios e estratégia.

Fazer política é assim, entender que existe uma ética que não devemos abandonar, porém, a omissão participativa significa que os espaços da ética e dos princípios que acreditamos serão ocupados por outro, não tão éticos, se não o fizermos.

Não vou voltar à discussão do voto útil ou da diferença entre os competidores do segundo turno eleitoral em Niterói, disso já falei no último post do Blog (Farinha do mesmo saco ou dane-se a população), acho que ali abordei bem alguns argumentos; neste texto, só pretendia discorrer um pouco sobre a infantilidade de práticas políticas, que acreditam na pureza da neutralidade sem consequências. Para mim, entretanto, a posição do PSOL em Niterói está bem clara: é um partido que nasceu para ser de oposição, não tem experiência administrativa porque nunca administrou (“Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais”), não faz política porque não há interlocutores à sua altura, portanto, jamais saberá enfrentar os desafios políticos fora de uma perspectiva de “pátria ou morte”.



10 outubro, 2012

Farinha do mesmo saco ou dane-se a população



Devo ter sido uma das primeiras pessoas a elogiar a campanha do Flávio Serafini, fiz isso publicamente, durante todo o processo, e imediatamente ao término das apurações, na própria rede social do Faceboock. Ainda que partidário da candidatura pedetista do Felipe Peixoto, reconheço, falei e agora confirmo, Flávio pautou-se no primeiro turno eleitoral da cidade de Niterói/RJ em proposta concretas, ainda que muitas vezes, em minha opinião, inexequíveis  mas com o devido espirito democrático, ouvimos, avaliamos e respeitamos; outra característica da campanha do Flávio foi sua retidão de comportamento, pelo que pude acompanhar, o então candidato a prefeito agiu de maneira ética e concentrou seus esforços na divulgação de sua plataforma. Enfim, Flávio foi o que esperávamos de um candidato durante a eleição: um agente político, partidário, divulgador de compromissos, assumidos publicamente à sua realização.

Passado o primeiro turno, Niterói se vê diante da obrigação constitucional de alcançar maioria dos votos validos entre os dois primeiro colocados, no caso, Rodrigo Neves (PT) e Felipe Peixoto (PDT), ambos estarão no dia 28 de outubro cumprindo essa proposta, de buscar a máxima representação entre os cidadãos, a guisa da maior legitimidade possível, conforme as regras vigentes.

Logo que foi encerrada a apuração, imediatamente, se verificou que o terceiro colocado no pleito, Flávio Serafini (18,40%) e o quarto colocado, Sérgio Zveiter (8,80%), se tornaram com seus percentuais, peças fundamentais e estratégicas à maioria que se pretende obter na próxima etapa.

Como esperado, a adesão de Sérgio Zveiter ao candidato do Partido dos Trabalhadores - PT, Rodrigo Neves, foi instantânea; afinidades, compromissos e mesmo participação em grossas fatias do poder estadual e federal, aproximou o que naturalmente já se confunde na prática, Rodrigo e Zveiter, embora não sejam iguais, são muito semelhantes e possuem os mesmos aliados em outras empreitadas .

Por sua vez, Felipe Peixoto, ligado ao atual prefeito Jorge Roberto Silveira através de sua sigla partidária, o Partido Democrático Trabalhista – PDT, buscou o flerte político com Flávio Serafini, não tanto pelas mesmas razões da dobradinha Rodrigo/Zveiter, porém, pelo compromisso de renovação e transparência administrativa, através de uma gestão social-democrática, que se confirmada a aproximação ao PSOL, mais estreitaria os vínculos e compromissos sociais e evolucionistas da sociedade niteroiense.

Todavia, acompanhando o noticiário, verifico que Flávio Serafini, ou o PSOL, esse detalhe não faz diferença, nega as flores de aproximação do Felipe-PDT, típicas de um namoro, que poderia selar uma aliança socialmente comprometida com a melhoria das condições de vida dos cidadãos de Niterói.

Ao que parece, assim leio no noticiário, Flávio não quer a aproximação, para ele todos são iguais, nada diferencia Felipe de Rodrigo, chegando ao ponto de inicialmente pregar o voto nulo no segundo turno, recuando, porém, diante da radical e evidente estreiteza de sua posição, passando para o discurso da “liberação” de seus eleitores, algo como se lavasse as mão do processo político que virá.

Um tanto quanto arrogante a postura do PSOL, ou do Flávio, pouco importa, que faz ares de última bolacha do pacote (palavras de minha filha), ou do cara mais bonitão da cidade, cujo às meninas só restam duas opções diante de uma solteirice inevitável: “ou eu ou ninguém”.

Política se faz com avanços, ora mais rápidos e profundos, ora mais rasos e lentos, porém, jamais se pode conspirar ou aceitar recuos. Ao optar pela “neutralidade”, Flávio-PSOL abandona seus 18,40% de eleitores a sorte do “Deus dará”, ou seja, com ou sem a participação do Flávio-PSOL, haverá um prefeito eleito após 28 de outubro, isso é certo, todavia, visando não se “contaminar”, o ex-candidato usa do discurso da equivalência dos remanescentes como se eles fossem iguais.

Querido Flávio, diz a sabedoria, que nem os dedos das nossas mãos são iguais, da mesma forma, incluo gêmeos univitelinos, ou qualquer objeto, ainda que produzidos numa mesma prensa ou fundição. Se todas as coisas no mundo possuem a essência da unidade, principalmente, assim são as pessoas.

Retirar essa característica, a unidade, é desprezar o que torna cada coisa especial, é considerar toda farinha de um mesmo saco como igual, ainda que nesse mesmo caso, cada grão tenha sua microscópica identidade. 

Entre o branco e o preto, há uma infinidade de tons de cinza; Felipe não é Rodrigo, Rodrigo não é Felipe, disso nenhum de nós tem dúvida, ainda que, oportunisticamente, se possa usar desse chavão.

A omissão do PSOL terá um preço a pagar, cuja fatura será debitada não ao partido, mas à população; a estratégia lógica-instumental de se eximir a escolher quem apoiar no segundo turno em Niterói, visando unicamente garantir a imagem de “integridade”  partidária é muito cara e dolorida, principalmente para os mais necessitados e combalidos.

A mim, mais me parece, que é a mensagem transmitida é algo como: “bem feito pra vocês, que não escolheram o melhor”; o “danem-se” político não é justo com o povo, seja Felipe ou Rodrigo, o Flávio-PSOL tem o compromisso público de indicar um dos dois, o candidato-partido não se representa mais sozinho, é detentor de 18,40% da população eleitoral, sua aparente neutralidade é mais comprometedora do que possa parecer.

Coragem Flávio, assuma a responsabilidade que seus eleitores depositaram em você; coragem PSOL, não tenha vergonha de ultrapassar a capa turva que cobre a água, por baixo dela pode fluir água limpa e cristalina, que vocês podem estar ajudando a resgatar.