Minhas opiniões e publicações, expostas neste espaço, são reflexões acadêmicas de um cidadão-eleitor, publicadas ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão

"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

22 fevereiro, 2012

Esfriando os tamborins


Terminada nossa dose anual de desatino, guardamos a fantasia no armário, vestimos novamente nossos uniformes operários e voltamos para o trabalho.


Voltamos melhores que fomos ou sequer saímos do lugar? Entorpecemos-nos de alegria ou só fizemos uma parada para resistir o resto da caminhada? Saltamos os dias em prazerosa inconsequência ou teremos que compensar o tempo usurpado? Comemoramos nossas felicidades ou alienamos temporariamente nossos dissabores num mitológico momento momesco?


E se não bastasse somente nossa consciência, ficam esses versos iniciais do Drummond martelando na cabeça:

E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu,

a noite esfriou,

e agora, José?

e agora, Você?

17 fevereiro, 2012

No meio da festa, me permito ficar lúcido

Sinto-me como que escalado para ser o “motorista da rodada”, ainda que ninguém tenha me pedido para tal, ou sequer uma opinião, porém, me deixem brincar de “grilo falante”, a questão é breve:

A aprovação da “ficha limpa” me reanima sob o ponto de vista moral, o país ainda não está totalmente perdido, todavia, apreensivo sob o aspecto jurídico; é um precedente perigoso do STF num país em que juízes não costumam sequer respeitar as leis, não fosse assim, os recursos não prosperariam; por essa lógica, podemos afirmar que de agora em diante, todos são culpados até que se prove o contrário, invertemos uma lógica garantista, rompemos com postulados seculares em nome da proteção social, ou seja, qualquer coisa justifica o “interesse público”, porém, não fico tão animado, em nome de Deus e da proteção social já se praticou as maiores barbáries pela historia.

Esse julgamento terá desdobramentos, a história nos mostrará.

Voltemos para o carnaval.





12 fevereiro, 2012

Resta-me pouco tempo

Retorno de uma consulta médica esta semana com um triste diagnóstico, meu estado é grave, terminal, tenho pouco mais de 40 anos de vida pela frente, no máximo 50 se me cuidar.

Após a surpresa da notícia, como meu tempo é curto, ponderei quais providências urgentes devo tomar, quais serão minhas prioridades de agora em diante, até que o anunciado momento se apresente, então, resolvi enumerá-las:

Primeiro, resolvi dar destino melhor ao meu patrimônio, de agora em diante andarei mais de motocicleta e desprezarei com afinco o automóvel, prefiro o vento no rosto desprotegido, que a artificialidade do ar em segurança; da mesma forma, dormirei mais de janelas abertas e me preocuparei menos em trancar as portas, afinal, não há nada que possam levar que o tempo já não leve.

Assim, também, seguindo a mesma lógica, deixarei me envolver um pouco mais por sorrisos fáceis e desconfiarei um pouco menos das pessoas; com tão escasso tempo pela frente, qual a importância tem a diferença entre ser querido ou amado por meus convivas.

Preferência na fila só para os amigos; mulher, filhas, mãe e familiares devem entender, o pouco que me resta não pode ser gasto com tricas e futricas domésticas, porém, há uma única ressalva nesse ponto, todos ganham prioridade quando o assunto versar sobre amor, alegria ou gerar boas gargalhadas.

Prosseguindo em minhas últimas medidas, como prioridade, contratarei uma empresa especializada em atendimento a reclamações, este call centre será responsável por solucionar os pequenos pleitos do dia a dia, assim, deixarei de perder tempo discutindo lâmpadas queimadas, seguros, contas indevidamente cobradas ou qualquer outra relação conflituosa que atrapalhem o amor, a alegria e as boas gargalhadas.

Resolvi também, que devo deixar alguma marca de passagem pela vida, portanto, trabalharei e estudarei cada vez mais nesses últimos tempos, todavia, não admitirei nenhuma atividade que entre em conflito com todas as outras decisões.

Simples medidas serão importantes para mim: brindarei, falarei e comerei mais e melhor, sempre com alguém que esteja disposto a repartir emoções e experiências de sua vida; também já está decidido, não perderei tempo com qualquer tipo de preparação física, afinal, se me resta tão pouco, porque perder tanto tempo endurecendo um corpo para que seja consumido pela terra.

Serei fiel a uma só ambição: toda alegria do mundo deverá ser conquistada e consumida, não guardarei nem um pouco para depois, não serei surpreendido pelo ocaso com nenhum patrimônio emocional escondido na gaveta de carnês e prestações.

Por fim, nada de textos longos ou complicados, darei preferência as frases e intervenções diretas, claras e sem dupla interpretação ou sentido, não tenho mais tempo a perder, afinal, resta-me pouco tempo, no máximo 40, com sorte 50 anos pela frente.



10 fevereiro, 2012

Carta a “D. Estela”

Permita-me ser um intrujão nessa conversa de gente especializada, entretanto, para ser fiel aos meus princípios, que larga o sarrafo no Alquimim quando invade a Cracolândia como quem ocupasse a Linha Maginot francesa; ou que acusa de homicídio qualificado as “brincadeiras” de tiro ao alvo (sniper) do BOPE durante operações nas favelas do Rio de Janeiro; também não poderia deixar de aportar o meu dedo em sua direção.


“D. Estela”, a senhora bem sabe que toda forma de protesto implica em certa desarrumação da casa, dito de maneira mais formal, tirar o poder da sua zona de conforto para obrigá-lo a tomar decisões, de certo não convenientes, senão, já teriam sido consideradas e procedidas de antemão, assim, sempre há um viés de trauma que dificilmente não é atingido em qualquer agir reivindicatório; desse modo é que se manifesta todo movimento grevista, de certa forma traumático, desconfortável e desarrumador do status quo, principalmente quando deflagrada no seio do poder público, porém, muitas vezes necessário para se atingir negociações relevadas e relegadas para um dia seguinte, que por vias burocráticas não costuma chegar.


Imaginar uma greve sem causar o mínimo de transtorno e prejuízo ou é ingenuidade ou com o perdão da palavra, burrice mesmo, coisa que a senhora não é em nenhuma das duas situações adjetivadas, até porque, com sua formação militante, como poucas conhece o poder da “paralisação dos meios de produção” como instrumento de pressão para a conquista de reivindicações oriundas das relações de trabalho.


Por outra ótica, enveredar pelo discurso fácil e demagógico de que existem setores, serviços e funções, que por serem “essenciais” não podem paralisar suas atividades, também não lhe cairia bem; essa fala remete a algumas reflexões sobre essencialidade do trabalho, ou seja, tirando os artesãos do centro da cidade, camelôs, flanelinhas, aposentados e outros poucos mais, de atividade não tão “necessárias”, fica a pergunta: quem ou o que não é essencial numa sociedade complexa?


É certo, que ao contrário do Corpo de Bombeiros, os policiais civis e militares não gozam lá de grande carinho e admiração por boa parte da população; diversas vezes extorquida e desamparada por essas forças públicas, a sociedade vê-se nessas horas diante da “cruz e da caveirinha”: apoiar reivindicações justas e necessárias, ou aproveitar dessa deslegitimidade para depurar ressentimentos; mesmo aqui vai um comentário leniente: quem nunca ouviu falar de médicos que vendem prótese sem necessidade, de advogados que negociam o direito de seus clientes, de dentistas que obturam o mesmo dente várias vezes sem necessidade, engenheiros que constroem prédios com areia de praia e assim vai, longa é a lista, todavia, não podemos prescindir dos bons, ainda que sejam poucos, também não merecem o desrespeito pelo negativo legado de seus pares de profissão.


Enfim, causa espanto cotejar sua biografia política, sua prática e fala atual diante da greve dos Policiais Militares da Bahia (e de outras que parecem surgir), reproduzo pontualmente, algumas frases, que se for o caso, aceito a crítica de uma descontextualização, porém, vindo da boca da senhora tornam-se estranhas e contraditórias face sua formação militante: 1) "Se anistiar, aí vira um país sem regra"; 2) "Não concordo em alguns casos, de maneira alguma, com processo de anistia que parece sancionar qualquer ferimento da legalidade, não concordo e não vou concordar"; 3) "Não considero que aumento de homicídios na rua, queima de ônibus, entrada em ônibus encapuzados, sejam uma forma correta de conduzir o movimento"; e 4) "Há outros interesses envolvendo toda essa paralisação".


“D. Estela”, ombreio-me as suas palavras, também não acoberto a extorsão como instrumento de pressão, todavia, diferentemente da senhora não acredito em tudo que passa pela grande mídia nacional, até porque, a senhora bem sabe, que boa parte do que se apresenta por lá costuma passar primeiro pelos gabinetes de seus aliados antes da divulgação, que dão o tom necessário para cada ocasião.


Prezada “D. Estela”, creio que já balizei o caminho que pretendia percorrer, falar mais seria chover no molhado, a interpretação, portanto, é livre e fica a seu cargo, entretanto, gostaria de encerrar essas mal traçadas linhas com a lapidar conclusão de Mikhail Bakuniun: "Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana."

05 fevereiro, 2012

Inabilidade diplomática


Por vezes insistimos em determinadas críticas, a tal ponto que em reflexão passamos a questionar nossas próprias convicções; será que realmente nossa fala está coerente, é verdadeira, está sendo inteligível?


Por honestidade e sinceridade, nossas análises, devem sempre estar sujeitas a questionamentos, isso porque não raramente podem estar contaminadas de subjetividades, que mais se afinam a posicionamentos ideológicos, o que leva ao risco de se transformar em meros discursos panfletários.


Todavia, quando lemos um artigo de outra pessoa, de quilate reconhecidamente respeitável, voltamos a ter um pouco mais de tranquilidade por sabermos que no mínimo não estamos sós, muito menos mal acompanhados.


A análise técnica de um diplomata de carreira como Marcos Azanbuja, que comunga daquilo que em relações internacionais se chama de "realismo", sempre é bem vinda e desmonta as antíteses de nossos posicionamentos, posto estar construída em valores que ultrapassam nossas meras especulações subjetivas; é a análise técnica de um profissional experiente em relações internacionais.


Um aparte: deixo bem claro para todos em tudo que escrevo sobre o tema, que embora reconheça grandes vitórias, meu respeito pela Revolução Cubana há muito tempo se foi, para mim esta perdeu sua legitimidade quando passou a comportar práticas idênticas as daqueles que são condenados pelo proselitismo da família Castro em praça pública, em intermináveis discursos vazios de validade e carregados de uma ética que só serve para os outros, ou seja, o mundo inteiro está errado, devem fazer o que dizem, porém, deixam de dar o exemplo com ações internas.


Não aceito que uma pessoa seja impedida em seu direito de pensar e se expressar, tentar convencer e dar seus argumentos, ir e vir quando bem quiser e que por essas simples vontades inalienáveis, tenha que pagar com sua liberdade o preço do convencimento oficial. Nesse ponto faço uso das palavras de Yoani Sánchez, que sente na pele as quase duas dezenas de negativas de sair de seu país para debater com o mundo o que por lá acontece: “Me siento como el rehen secuestrado por alguien que no escucha, ni da explicaciones. Un gobierno con pasamontanas y pistola al cinto”.


Pois bem, mas não é esse o propósito do post, não pretendo me alongar em discutir aqui as várias criticas que faço sobre o regime da família Castro, em outro momento volto a levantar a antiga bandeira que um dia já expressou uma vontade popular “Cuba Libre”, por agora, o propósito é simplesmente apresentar um texto que li e gostei e reparto com os amigos.


"Teria sido melhor se a presidente da República não tivesse ido agora a Cuba. Criou-se, para ela, uma situação para a qual mesmo a mais atenta diplomacia não encontraria uma solução satisfatória.


Como chefe de uma das grandes democracias mundiais, Dilma Rousseff fala e age com a legitimidade de quem chegou ao poder pela vontade do povo e com prazos definidos - medida sua vitória com a exatidão e a transparência dos votos bem contados -, e seu compromisso com a defesa dos direitos humanos tem sido reafirmado, com clareza, em diversas ocasiões.


Por outro lado, as etapas iniciais de sua trajetória política e as alianças que foram tecidas em sua volta por seus correligionários e aliados a colocam em uma posição em que uma medida de fidelidade, ou pelo menos de ampla tolerância, com o regime cubano é incontornável.


Não era possível, assim, que chegasse ao aeroporto José Martí, em Havana, e ali fizesse declarações que representassem uma censura pública às práticas do governo local no terreno dos direitos humanos e à vocação desse regime para eternizar-se no poder, o que já acontece há 52 anos. Não seria realista esperar que isso pudesse acontecer.


Não me parece impróprio que enviemos, com a frequência que se fizer necessária, missões de alto nível a Cuba. Identifico ali importantes interesses econômicos e comerciais brasileiros e não é difícil ver as oportunidades que se oferecem para que algumas de nossas grandes empresas consolidem e ampliem sua presença na ilha. Ajudá-las é um objetivo que se justifica com naturalidade e que faz parte das regras aceitas do jogo internacional.


Teria sido apropriado, no entanto, não colocar Cuba agora no circuito da nossa diplomacia presidencial, atividade em que os nossos três governantes mais recentes atuaram quase sempre com propriedade e sucesso. Para promover interesses econômicos temos, dentro da nossa frondosa orquestra ministerial, vários titulares de pastas que sem qualquer problema podem ser mobilizados para agir na promoção de nossos interesses setoriais e específicos.


O objetivo deveria ser o de preservar nossos governantes, hoje cercados de grande prestígio e visibilidade internacionais, de visitas e encontros com interlocutores que pretenderiam aproveitar o momento de sua presença para obter uma visibilidade e uma credibilidade que normalmente estariam fora de seu alcance. Na sua mais recente visita à America Latina, Ahmadinejad já não colocou Brasília em seu roteiro, e essa exclusão foi interpretada internacionalmente como um sinal de que a presidente do Brasil pretende manter umas distância mais prudente do líder iraniano.


Houve tempo - e isso faz pouco tempo - em que nossos governantes viajavam para buscar empréstimos. Hoje, em vários casos, somos nós que fazemos empréstimos financeiros e, em uma outra dimensão da palavra, são os nossos mandatários que emprestam seu prestígio a governos e governantes desacreditados.


A visita a Cuba poderia ter sido realizada sem a presença da presidente Dilma Rousseff, que ficou inibida de dizer aquilo em que acredita e que corresponde à nossa adesão, não questionada, a valores universais que são desrespeitados pelo regime cubano.


Fez, ao contrário, e sem hesitação, uma condenação veemente da infâmia que tem sido a prisão de supostos terroristas na base de Guantánamo, enjaulados há vários anos, em muitos casos sem qualquer julgamento, o que constitui uma violação flagrante de seus direitos e uma mancha na reputação dos Estados Unidos.


A crítica ao que acontece em Guantánamo teria tido mais repercussão e seria mais equilibrada se fosse acompanhada de uma condenação não menos veemente a um governo autoritário e de um só partido, como é o cubano, e que controla, entre outras coisas, a liberdade de ir e vir de seus cidadãos.


O início ao mesmo o tempo romântico e heróico da revolução cubana deixou no Brasil uma reserva de afeição e uma imagem libertária que mais de meio século de uso abusivo do poder e a correspondente supressão das liberdades civis não conseguiram completamente erodir.


Sem a legitimidade que só a governança democrática confere e com uma longa história de desacertos na gestão da economia, o que o governo cubano soube cultivar foi a idéia de que sua legitimidade vem da resistência tenaz às ameaças políticas e ao bloqueio econômico dos Estados Unidos. Não existiria, assim, uma Cuba vista em si mesma, mas sim e essencialmente o imaginado baluarte contra os Estados Unidos. Não se é, a rigor, pró-cubano, mas sim e furiosamente antiamericano.


Talvez isso fique mais claro ao nos darmos conta de que não há entre nós e de maneira expressiva um culto à antiga União Soviética nem à China maoísta, matrizes da Cuba atual, mas o apoio ao esclerosado regime cubano perdura intacto e sempre na medida, que é essencialmente um símbolo da hostilidade a Washington.


A lição a aprender é que, em diplomacia, muitas vezes a escolha de um itinerário errado determina, mesmo antes de uma viagem, o que provavelmente vai acontecer. Não se vai a Teerã impunemente. Prestigiar Chaves em Caracas tem seus riscos. Uma visita a Cuba tem seu preço. Nesses como em outros casos trata-se de países à espreita de visitantes qualificados para fazer pagar, direta ou indiretamente, um tributo às políticas falidas que representam."


Marcos Azambuja é embaixador, ex-chefe da delegação do Brasil para assuntos de desarmamento e atual vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais
(Publicado em 05/02/2012 - http://www.estadao.com.br/noticias/geral,dilemas-da-diplomacia,831517,0.htm)