Minhas opiniões e publicações, expostas neste espaço, são reflexões acadêmicas de um cidadão-eleitor, publicadas ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão

"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

16 outubro, 2015


Notadamente temos muitas violências em nossa sociedade, que se manifestam de várias maneiras, ora são físicas ou simbólicas, reais ou percebidas, individuais e coletivas, do Estado, do particular, nas ruas, em nossas casas, em todos os lugares, no entanto nem todas são vistas ou reclamadas, algumas parecem pouco importar.


11 setembro, 2015

11 de setembro, tempo de reflexão


Em 11 de setembro de 1973, o presidente eleito do Chile, Salvador Allende, foi deposto por um golpe militar comandado pelo general Augusto Pinochet.

O golpe foi articulado por oficias das forças armadas e grupos neofascistas, sendo apoiado pela CIA, encarregada de dar total apoio militar e financeiro em nome dos EUA.

A ditadura chilena marca uma das mais sombrias páginas da historia da América Latina, estimando-se em seus 17 anos, oficialmente, tenham ocorrido mais de 40.000 mortes, embora, extraoficialmente se fale em mais de 100.000 pessoas, isso sem se considerar outras incontáveis violações aos direitos humanos (torturas, estupros, saques, mutilações, desaparecimentos...).

Hoje é 11 de setembro e, daquelas infelizes coincidências, 28 anos depois do golpe patrocinado pelos EUA, também foi nesta data que as torres gêmeas do WTC em Nova Iorque foram atingidas por dois aviões tripulados por terroristas da al-Qaeda, quando morreram 2.996.

Longe de qualquer sabor de vingança, embora imperfeito, não consigo nutrir ódio mesmo se alguém me odiar, todavia, é impossível não se estabelecer parâmetros comparativos entre os dois atentados. Igualmente irracionais e desumanos, porém, o golpe chileno quase passa despercebido quando comparado ao colorido, televisivo e pirotécnico terrorismo de Manhattan.  

Talvez 11 de setembro seja uma boa data para reflexões sobre o que se planta como opção e o que se cole por obrigação; nesta data que podemos recordar semelhança e diferenças que se completam, por um lado, quando uma nação é agredida por outra mais forte e se ajoelha à seus interesses, por outro, quando essa mesma potência se vê batida e de joelho pelo muito que semeou.   


27 agosto, 2015

Escolhas que só nós podemos fazer



Escrevo esta coluna domingo, 23 de agosto, exatos 47 anos passados do acidente de Ramon Sampedro Cameán, sujeito que conheci num domingo de 1998 enquanto assistia o “Fantástico, o show da vida” – era assim que o programa se apresentava.

Ramon apareceu na telinha, com completos 55 anos, literalmente ancorado num leito, tetraplégico, sem poder mexer mais que os músculos do pescoço e da face, narrando em tom semisolene o fim da sua vida na terra; foram as últimas palavras daquele homem, decidido bebeu de um copo uma mistura venenosa, encerrando sua história.

De então, resolvi penetrar na saga de Ramon, um espanhol da Galícia, a partir de seu livro, “Cartas Desde el Infierno” – editora planeta –, onde o autor-protagonista conta como tudo se desenvolveu após seu acidente numa praia, quando aos 25 anos, num simples mergulho bateu com a cabeça num banco de areia, fraturando a sétima vértebra cervical, o que lhe colocou numa condição autodescrita de “cabeza viva y un cuerpo muerto, espíritu parlante de un muerto”.

Ramon, desenganado quanto a qualquer possibilidade de voltar a viver além do limites de sua cabeça, perseguiu pela via judicial a autorização para “ser su proprio maestro”, pretendia terminar com seu cárcere carnal através da eutanásia, todavia, o pleito lhe foi negado em todas as instâncias do judiciário espanhol; inconformado por não ter a chance de ser tratado como um animal, “si hubieste sido un animal, habría recebido un trato acorde com los sentimentos humanos más nobles”, perseguiu seus propósitos libertários apelando para o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em Estrasburgo, que também não lhe autorizou livrar-se daquilo que considerava sua tortura, sofrimento, dor e perpétua prisão.

Desde então a história de Ramon Sampedro tem me servido à reflexão, sobre os limites da liberdade e autogestão de nossas vidas. Pode o Estado pretender nos proteger a tal ponto, nos retirando a opção de darmos fim aos nossos destinos, ainda que este seja um castigo? Por outro lado, muitas vezes, literalmente, sobrevivemos ou insistimos na vida vegetativa de quem amamos às custas da moderna tecnologia, em outros tempos – 50 anos já são suficientes aos argumentos –, várias técnicas médicas e aparelhos não existiam, portanto, muitos daqueles que hoje insistimos vivos não resistiriam em outras épocas.

No mesmo esteio reflexivo, qual o propósito de viver como ciborgue terminal, insensível e silencioso num leito, moribundo, dificultando a natureza no cumprimento de seu papel? O que é ser natural no final das contas, quando medidas e parâmetros da vida foram alterados por fórmulas químicas, componentes da robótica ou máquinas ressuscitadoras? Qual a idade que Deus nos deu e desobedecemos de aceitar? Todavia, em oracular moral humanoide, insistimos em dizer que não temos o direito de abreviar o que artificialmente prorrogamos desde as primeiras vacinas, ainda no colo de nossas mães. Afinal, quem tem o direito de decidir, sobre o princípio, o meio e o fim de nossas vidas?

Hoje, 23 de agosto, lembrei de Ramon Sampedro, homem com singular coragem, justificada em suas próprias palavras, “el individuo es siempre él y su circunstâncias”, que enfrentou a dor pelo único caminho que enxergava e não se arrependeu, até o último gole de água misturado com cianureto, afinal, há escolhas que só nós podemos fazer.