Minhas opiniões e publicações, expostas neste espaço, são reflexões acadêmicas de um cidadão-eleitor, publicadas ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão

"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

09 abril, 2012

Uma crônica que ouvi

Cada vez são mais frequentes as manifestações de discórdia da população com as decisões tomadas pelo Poder Judiciário, também, pudera, cada vez mais o Judiciário se afasta do seu dever constitucional de garantir a Justiça, (com “J” maiúsculo mesmo), eximindo-se de ser a última instância de socorro de uma sociedade, combalida pelos desmandos de um ganancioso Executivo e desamparo de um Legislativo de aluguel; cada vez mais a já questionada legitimidade perpétua de seus membros se mostra como temerária aos interesses da sociedade brasileira.

Ouvir da boca de um Ministro do STF, que não se deve julgar ouvindo o clamor das ruas, e assim já o disse Marco Aurélio, embora não deixe de ser de bom tom no que tange a possíveis manipulações de opinião pública, todavia, não pode ser tido como verdade inabalável e inflexível, conforme o bom senso esperado de qualquer homem mediano, há momentos em que o esperado pelo Judiciário é exatamente isso, bom senso comum, e que toda sua subjetividade hermenêutica seja envolvida por padrões éticos e morais mínimos e consensuais da população.

Pois bem, não quero ir longe nessas críticas nem é meu propósito agora, mas registro nesse post minha indignação com a decisão tomada no final do mês passado, pelo STJ, quando absolveu uma pessoa, se assim podemos classifica-lo, acusada pelo estupro de três meninas e 12 anos de idade, sob o pretexto justificador de serem prostitutas, portanto, não havia que se falar em violência contra vulneráveis.

Além de diversas manifestações internas, que compreensivelmente foram abafadas pela grande mídia através de poucas notas, até porque justificadamente temem o que possa ocorrer com seus processos que tramitam por esses mesmos Tribunais, também ocorreram atos de repudia por parte de organismos internacionais, registre-se o efetivado pelo Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) que divulgou nota em que deplora a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ): “É impensável que a vida sexual de uma criança possa ser usada para revogar seus direitos”; “A decisão do STJ abre um precedente perigoso e discrimina as vítimas com base em sua idade e gênero”.

Enfim, a decisão pode ser encontrada na internet por aqueles que se preocuparem ou tiverem tempo e interesse em conhecê-la; confesso que tentei por duas vezes dissertar sobre o tema, porém, o repúdio me era tão claro logo nas linhas iniciais, que preferi poupar o Judiciário de meia dúzia de meus desabafos e injúrias, que certamente não produziriam nenhum efeito maior que mais indignação a quem tivesse o trabalho de ler.

Porém, hoje, novamente o tema voltou a me perseguir e me provocou a registrar essas breves linhas; enquanto estava parado com meu carro em um sinal, tive a oportunidade de ouvir uma breve crônica de Salomão Schvartzman, que a seguir disponibilizo o link para meus leitores; através do experiente jornalista, senti-me de alma lavada pelo desabafo e clareza de seus três minutos de sabedoria consensual, serve, portanto, o presente post para partilha-lo com vocês.

Clique aqui para ouvir: "Homem estupra três meninas. E ele é brasileiro!"

07 abril, 2012

O indispensável consumo para felicidade


O noticiário na Rede me apresenta essa semana uma matéria merecedora de reflexões, que certamente não se esgotará nesse descompromissado post; me refiro ao caso do jovem chinês que vendeu um rim para comprar computadores (Leia a notícia aqui) .
Não sei se me choca, ou se já sabia de alguma forma que essa notícia surgiria um dia, afinal, numa sociedade que tudo tem valor econômico, a vida ou pedaços dela não fugiria a regra; se vender a “alma ao diabo”, numa alusão a trair nossos princípios, já é coisa mais que comum, por que também não vender o corpo à satisfação do consumo?
Quem vende seu corpo e já entregou seu espírito ao consumo, não tem mais o que negociar nessa vida, Ipod I, II, III...; Mac I, II, III...; grife A, B, C... O que nos tornamos afinal, o que permitimos que fizessem conosco?
Inocentes presentes natalinos, de aniversário, do dia das crianças, dos namorados, do pai, da mãe e, ainda amanhã, Páscoa, nos colocaram em uma linha infinita de consumo, que termina na pontuação anual de cada término de calendário, reiniciando imediatamente no primeiro dia seguinte, cada vez com mais datas especificas que devem ser recordadas através do consumo de algo em especial.
A especialíssima comida do Natal, a roupa do Ano Novo, o sapato da ocasião, até a educação tem seu momento de compra de livros escolares no inicio do ano, e muitas outras datas seguem o mesmo caminho; muito bem definida cada ocasião, tudo tem uma data de consumo idealmente elaborada, para que não se sobreponham excessivamente recursos e se divida antropofagicamente o consumo, ameaçando o equilíbrio da roda que gira se parar.
É o que somos, consumidores contumazes, uns um pouco mais, outros menos, todavia, não negamos o nosso destino, não restou muito em nossa sociedade senão o consumo.
Nossa cultura é a do prazer imediato, a música tem pouco mais de três minutos, tempo suficiente para se gravar um refrão; nossos filmes invariavelmente são de duas horas, tempo adaptado às salas de cinema para que haja rodízio de espectadores com razoável previsão do negócio; a internet nos relaciona em lacônicos 140 caracteres, mais que isso seria perder tempos com detalhes desnecessários ao consumo de fragmentos de notícias; somos vorazes consumidores da velocidade, nossa comida é a da entrega expressa, não diferente são nossas relações sentimentais e sexuais, “ficamos” envolvidos pelo tempo suficiente ao surgimento de alguém novo, adquirimos nossos relacionamentos como se já a espera de um modelo de série que sairá da fábrica em um período programado, enfim, reproduzimos nosso consumo do luxo ao lixo, ostentamos e descartamos com o mesmo sentimento desprendido de valores e afetos.
Talvez por isso não me choque tanto o fato de um jovem de 17 anos vender um de seus rins para compra um iPhone e um iPad; já era comum se ouvir na Rede que existe um mercado internacional de tráfico de órgão humanos, muitas vezes desacreditado quanto a sua existência, todavia, nada absurdo ou impossível de viabilidade, entretanto, o que chama a atenção desta feita é o fato do voluntário oferecimento do corpo, ou de um pedaço dele, em troca da satisfação imediata do consumo através de um produto específico, que a propósito, ficará superado tecnologicamente no máximo em um semestre, quando for lançado um novo modelo do produto, com recursos “indispensáveis” para uma vida feliz. Uma pena para o jovem Wang, que não terá outro rim para trocar pelo lançamento, o certamente lhe fará uma pessoa infeliz.