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"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

23 junho, 2006

“A doce vingança”

O texto a seguir data de 5 de junho, mas como só ontem tive a oportunidade de ver a seleção brasileira entrar em campo (de verdade), acho que é mais tempestivo do que nunca.

Agradeço a colaboração do “amigo-mestre” pelo seu envio e passo a repartir com os amigos do Blog.


A doce vingança

Finalmente está chegando a hora. Em poucos dias, vai começar a Copa do Mundo. Nós, os amantes do futebol, que nos desesperamos o ano inteiro, nos campeonatos estaduais, nas batalhas para subir à Primeira Divisão do Campeonato Brasileiro (e por lá ficar uns bons anos); nós que arrancamos os cabelos em um jogo contra o Centro Limoeirense, na reta final do primeiro turno (em Limoeiro); nós, que saímos caçando um boteco que transmita um jogo do nosso time numa quarta-feira chuvosa, um tal de Malutron, pela Copa do Brasil; nós, que somos acusados de loucos, obcecados, dependentes, viciados em futebol; enfim, nós que escutamos comentários do tipo "não sei pra que sofrer tanto por causa de um time" ou "não sei qual a graça que vocês vêem no futebol", e coisas do tipo.
Aqui vai uma confissão: para nós, amantes do futebol de janeiro a dezembro, nós que passamos pelo céu e inferno com nosso clube de coração, a Copa do Mundo é a nossa redenção.
Ah, que maravilha ver aquela tia ranzinza, que não vê graça nenhuma em "ver um bocado de homens correndo atrás de uma bola", vestida de Brasil, dos pés à cabeça, segurando a mão da filha, com o coração na boca.
Ah, que felicidade do sujeito casado, que escuta gracinhas do tipo "parece que morreu um parente teu", quando o time perde um campeonato, ver a esposa ajoelhada, na hora da cobrança dos pênaltis, fazendo promessas a São Expedito, São Apolinário, São Tomé, e outros santos que desconheço a origem e identidade, pedindo que pelo amor de Deus "essa bola tem que entrar, que o Brasil precisa muito deste título..."
Ah, que gozo supremo, ver aquele Phd em Sociologia e Antropologia, que já ponderou diversas vezes sobre a alienação e mercantilização do futebol, fumando um cigarro atrás do outro, já na hora em que os jogadores ainda estão cantando o hino nacional, fazendo mandingas as mais diversas, alertando para começarmos "dando uma pressão total".
Ah, que alegria, amigos, que alegria vê-los inebriados, absortos, obcecados por cada jogo da Seleção Brasileira.
E nesta hora, surge do fundo da alma, de nós apaixonados por futebol, de nós, estádio-dependentes, uma espécie de benevolência. Nossa vingança é quase um ato de emancipação afetiva. Devolvemos com alegria o que nos foi dado em forma de frases contundentes, comentários ácidos, afirmativas dolorosas, quando mais precisávamos de apoio. A cada quatro anos, na Copa do Mundo, nós caneleiros, nós, da segunda divisão da vida, que comemos espetinho à beira dos estádios, que sofremos com os cambistas, que viramos dependentes de uma transmissão pelo rádio de pilha, devolvemos aos nossos detratores uma espécie de cordialidade mística.
Durante os jogos, explicamos vagarosamente o que é um volante. Fazemos verdadeiros tratados filosóficos, com exemplos desenhados na lousa, sobre o impedimento; dissertamos exaustivamente sobre a primeira fase da Copa, avisando que depois vai começar o mata-mata; tentamos, em vão, fundamentar sobre a importância histórica e mística do Zagalo no banco de reservas, ao lado do Parreira; explicamos, com uma ponta de rancor, por que o nosso zagueiro não subiu no cruzamento; relatamos, didaticamente, que Mineiro não é um jogador que veio de Minas...
A Copa do Mundo dá aos amantes cotidianos do futebol, como eu, um raro e estranho sabor de vingança. Diria que se trata de uma doce vingança. Durante um mês, nos sentimos os mais normais dos seres. Estranhamos aquela velha tia, caladona, quase uma santa, soltar uma coleção de palavrões, numa falta perigosa contra o Brasil. Descobrimos que ela sabe mais palavrões que a nossa torcida inteira. Ficamos meio sem jeito quando o moralista da família toma todas e começa a sambar, defronte à TV, ao som de "Voa, canarinho voa", uma música que é da Copa de 82...
Sentimos um orgasmo espiritual quando aquele vizinho rabugento, incapaz de um "bom dia", entra correndo pelo nosso portão, e pula em cima da nossa família, que se abraça entre lágrimas...
Ou seja: tudo o que fazemos, durante quatro anos, eles fazem em um mês. Então, perdoemos os exageros e admitamos, bem secretamente: a Copa é a nossa doce vingança.
Samarone Lima

2 comentários:

Santa disse...

Ozéas querido,

Verdadeira crônica futebolística e de quebra o mata-mata das nações.

Bjs

Serjão disse...

OZEAS, sabe que é uma redenção mesmo. para mim é como seu estivesse de férias, Claro que torço muito pelo Brasil. mas não fico nem de brincadeira mais nervoso do que quando o meu time joga. Aláis, A copa para mim é depois desta quanto vai começar a final da Copa de Brasil. Um abraço