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"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

03 dezembro, 2005

Ensino superior e oportunidade


O operário-meu-patrão editou a MP 213/04 que criou o “Programa Universidade Para Todos” (ProUni). As instituições particulares que aderiram ao programa em troca de benefícios fiscais, passaram a conceder bolsas de estudos integrais e parciais, aos alunos com renda familiar entre um salário mínimo e meio e três salários. A seleção para o programa é feita com base no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Somadas a outras medidas também especiais, tais como políticas de quotas, financiamentos oficiais (Fies) et coetera, é assim que se pretende uma política de ensino e inclusão.

Essa semana após assisti a uma propaganda oficial
(clique e veja aqui) do governo federal na TV, divulgando o ProUni, onde o jovem protagonista cantava a inesquecível música de Geraldo Vandré, “para não dizer que não falei das flores”, passei a refletir sobre o projeto “universidade para todos”, suas medidas operacionais e especificamente o que representará a continuidade da política de massificação do ensino superior no Brasil.

A abertura do setor privado educacional, promovida na gestão do ministro Paulo Renato no governo FHC, pode ser considerada a “abertura dos portos” no setor, foi um processo sem precedentes, vez que as medidas adotadas facilitaram a criação de novos cursos e extinguiram a obrigatoriedade das instituições serem “sem fins lucrativos”, o que se fez um grande atrativo para os empresários e investidores.

Essa expansão no setor educacional atendeu a uma demanda reprimida de alunos, que sem o acesso as universidades públicas, limitadas pelo oferecimento de vagas, passaram a ter a opção privada como caminho ao nível superior. Por outro lado, a educação superior particular passou a ser um bom negócio, o empresariado investiu cada vez mais em instalações e oferecimentos de cursos, visando atender a procura então bastante significante, porém desordenada, tanto no que se referia aos rumos empresariais do segmento, como também nas necessidades do mercado quanto aos novos formados que surgiram.

A “alta atratividade” do setor educacional, que prometia ao cliente (aluno) a possibilidade de agregar valores, desenvolver potencialidades, acumular conhecimentos e conseguir novos espaços mercados de trabalho, fez com que a procura aos cursos superiores atingissem patamares quase que imprevisíveis. Reflete-se até hoje aquela política de expansão, que ainda não se encerrou por completo, num contexto bastante expressivo, onde algo em torno de meio milhão de estudantes adquirem por ano o grau superior nas universidades brasileiras.

Nossas universidades atualmente graduam vinte vezes mais alunos do que em 1960, sem que entretanto, a oferta de trabalho para contingente tão significativo, tenha crescido na mesma proporção. O retrato do mercado de trabalho para esse exército de graduados é sombrio, apresentando segundo estimativas mais concretas, índices de 50 % de empregados em sua área com vagas de qualidade, ou conforme se olhe, 50% de desempregados ou atendidos por empregos frustrantes e de baixa qualidade.

Quando se consegue romper as barreiras do mercado, ainda assim pesam ponderações. Se por um lado quem emprega reclama da formação dos novos graduados, por outro, quem busca o emprego não se acha preparado para aplicar seus conhecimentos acadêmico, por vezes até bastante satisfatórios, a nova realidade profissional. É a completa dissociação do mundo acadêmico com o mercado de trabalho, potencializando os números informados e gerando frustrações das mais diversas ordens.

A propósito, a questão do desemprego, tema sempre discutido na
Organização Internacional do Trabalho, esta chama a atenção para uma nova realidade que se consolida, aponta a OIT nos seus estudos para uma drástica redução nos níveis de oferta nos anos vindouros, que se confirmam a cada dia, tanto no setor industrial quanto no de serviços.

Dados concretos apontam recuo na oferta de vagas de trabalho no Brasil, que chegaram a atingir 20% de queda na industria na última década, refletindo nos índices gerais acumulados o total de quase 15% de desempregados em todos os níveis e setores profissionais.

A questão posta é como atender ao mercado e garantir emprego àqueles que passaram quatro ou cinco anos se preparando para sua saída dos muros acadêmicos. A massificação do ensino talvez não seja a solução desejada e necessária para o atendimento do jovem profissional e do país. Também a democratização em todos os níveis do ensino não pode recuar dos patamares atingidos. Questões étnicas e sociais não podem ser instrumentos discriminadores ou supressores de oportunidades, embora ainda incomodem, as medidas relativas a democratização do ensino são irreversíveis e não poderão ser alteradas ou utilizadas como reguladores de demanda. O que fazer?

Só “para não dizer que não falei de flores”, "na quarta-feira, dia 30 de novembro, o comando nacional de greve da Federação dos Sindicatos de Trabalhadores das Universidades Brasileiras (Fasubra) avaliou o resultado das assembléias realizadas no início da semana. Das 26 universidades de sua base, 16 optaram pela volta ao trabalho".
(fonte - MEC)

7 comentários:

Anônimo disse...

Relato de jovem universitário (segundo ano de Adm. de Empresas):

Caracas, é tao estranho não ter nada, e ao mesmo tempo ter tanto medo de perder alguma coisa, q jogo loco é essa vida, e fico tentando controla-la, mas é impossivel, é cansativo, massacrante, e o jeito, o jeito mesmo, é nao se preocupar, é deixar fluir, mas o dificil é parar de pensar, O QUE VOU FAZER AGORA!?

Anônimo disse...

Caro Ozeas:

Só de usar esta musica que é cantada em tudo que é funeral de Petista, já podemos antever or esultado, será como o fome zero e o primeiro emprego???

Abçs

Marcos

O Fantasma de Bastiat disse...

Rapaz, eu tô meio lerdo. Eu li seu post abaixo há algum tempo, mas eu pensei que fosse uma metáfora (deve ser influência destes tempos lullistas). Agora é que eu percebi que você teve mesmo um cálculo renal. Vai aqui a solidariedade de alguém que já passou pelo mesmo "drama". O treco dói prá burro!
Espero que você esteja bem agora.

Aproveitando a ocasião, obrigado mais uma vez pelo gentil comentário no Resistência. A opinião é recíproca, amigo.
Um grande abraço.

Serjão disse...

Ozéas, que assunto mais pesado para um final de semana. Deve ter sido a pedra. (rsrs)
Vc disse tudo. O que adianta a massificação se o mercado rejeita depois? Tenho um amigo cujo irmão é diretor de RH de uma multinacional. Dependendo da Faculdade ele nem lê o currículo. O que fazer então se o curso superior já não diferencia? Investir em pós graduação o que segmenta a profissão. É ótimo para as Faculdades pois é mais uma fonte de recursos. Não sei na sua área mas na minha tem aluno fazendo curso de extensão e atualização ainda durante a graduação o que na minha opinião é um absurdo. Quantos às cotas é mais uma maneira do estado mostrar sua irresponsabilidade e incompetência. Já que não pode prover uma educação fundamental e média de qualidade, dá uma canetada. É tão mais fácil.

Santa disse...

Ozéas, só agora percebo que vc teve com crise renal.Espero que tenha se recuperado totalmente.

A questão do post, não consigo nem ao menos comentar: vivo dentro desse hospício chamado universidade brasileira.


Bom domingo!

Walter Carrilho disse...

Conheço um dentista que é professor da área. E diz que é de chorar o que estão fazendo com os próximos "profissinais". Os professores não se interessam em dar aulas e os alunos seinteressam menos ainda em assistí-las. Na clínica odontológica onde os dele alunos atendem pessoas para exercer a prática, os alunos não querem nem saber de atender o povo. Nem sequer uma obturação lhes interessa...Tô com medo de ir no dentista agora...

Walter Carrilho disse...

PS:

Coloquei (finalmente) um link pro teu blog lá no meu. Cê tá merecendo mesmo...Tô de olho aqui nos teus textos!
abs