Minhas opiniões e publicações, expostas neste espaço, são reflexões acadêmicas de um cidadão-eleitor, publicadas ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão

"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

18 julho, 2006

Epitáfio?

Através de uma carta dirigida aos seus eleitores, Wellington Moreira Franco, justifica porque desistiu de concorrer à reeleição no próximo pleito. Moreira Franco que foi governador do Rio de Janeiro, prefeito de Niterói e deputado federal por três mandatos, abriu mão de sua vaga no PMDB, deixando assim de participar como candidato a Deputado Federal nas próximas eleições.

Na carta de Moreira Franco são apontados dois motivos para sua desistência: sua constatação de que a Câmara está afundada no descrédito e na inoperância, tornando-se incapaz de articular qualquer processo de reforma política e moral; e o oportunismo do PMDB, que não lançou candidatura própria à Presidência com objetivo facilitador de negociações, diante da necessidade de sustentação política do próximo presidente no Congresso.

Em tom indignado Moreira Franco afirma que: "A legislatura que se encerra me obrigou a conviver com os piores momentos da vida parlamentar brasileira" e que, “O Legislativo tornou-se um apêndice do Executivo”.

Em outro momento da carta Moreira co-responsabilizou o Parlamento dizendo que: "Pouco se realizou e quase nada se avançou nas reformas que poderiam criar condições para a geração de mais empregos e renda".

É com surpresa e desconfiança que leio a notícia da desistência, até porque atitudes tão nobres nunca foram o forte do Deputado.

No passado, ainda sob o regime militar, Moreira trocou o PMDB pelo PDS, apoiando abertamente o status quo. Recordo-me bem daquela época, momento que se lutava pela redemocratização do país, quando Moreira levou pessoalmente o Gen. João Batista Figueiredo ao seu palanque na Quinta da Boa Vista, onde receberam a maior vaia que se tem notícia na história política do Rio de Janeiro. Registram-se assim os acontecimentos do dia no "Os 35 anos do Jornal Nacional - Pllogdopaulohenrique":

“Depois de freqüentes chamadas na TV Globo, que burlam a legislação eleitoral, o presidente João Figueiredo é o astro principal da Festa da Abertura, no domingo, 14 de novembro, em um parque próximo ao Maracanã, na Quinta da Boa Vista. Reparte o palco com Alcione, The Fevers, a bateria da Portela, a Orquestra Sinfônica Brasileira e muita queima de fogos.
.
É o encerramento da campanha do PDS disfarçada. Dona Dulce, a primeira-dama, é apresentada pelo por Sérgio Mallandro, como uma tremenda gatinha. É vaiada no palco, às seis e meia da tarde. Figueiredo discursa, ganha alguns aplausos, mas interrompe a fala quando a multidão começa a gritar Brizola, Brizola!. Ele não consegue retomar a palavra e Moreira Franco assume o microfone, diante de vaias ensurdecedoras. De lá, Figueiredo segue para a Gávea Pequena com seus ministros, com os quais comenta 'Foi fogo'
. (Em Veja de 17/11/1982, O choque da vaia na festa do Rio de Janeiro)".

A questão é que o povo já não aceitava o regime militar e que estava lá para ouvir música, tocada pela Orquestra Sinfônica Brasileira, regida por Isaac Karabtchevsky ou para dançar ao som de seus artistas mais conhecidos. Foi um daqueles casos de oportunismo que não dão certo.

Em novo deslize na mesma eleição, Moreira Franco se envolveu em outro escândalo político, esse de proporções internacionais. O caso “Proconsult” , como ficou conhecido, puxou Moreira para dentro do caldeirão da fraude eleitoral, quando ele candidato tentou, ou pelo menos aceitou, que fossem modificados os resultados na escolha do então governador Leonel Brizola em 1982 em seu favor, uma vergonhosa armação que terminou por desqualifica-lo política e moralmente. Ainda lembro do episódio com muita clareza, apesar de na ocasião apoiar o candidato do PMDB ao governo estadual, Miro Teixeira, que a propósito, com suas declarações públicas, afirmando a vitória de Brizola, contribuiu para a garantia daquelas eleições.
(sobre o Proconsult leia mais aqui)

Brizola precede Moreira que precede Brizola. De 1987 a 1991 Moreira Franco foi governador do Rio de Janeiro, desta vez como candidato pelo PMDB, Moreira sucedeu a Leonel Brizola, que teve como principal alvo de críticas na sua gestão a segurança pública. Moreira Franco durante a campanha explorou como poucos a questão da violência urbana, prometendo “acabar com a violência em seis meses”. A violência não acabou, muito pelo contrário, os índices de final de governo indicaram um crescimento significativo e, conseqüentemente, Moreira não fez seu sucessor. Com a derrota política de Moreira Franco, voltou a residir no Palácio das Laranjeiras Leonel Brizola, eleito governador do Estado do Rio de Janeiro pela segunda vez.

Na minha cidade, Moreira Franco foi Prefeito no ano de 1977/1981, ainda pelo então MDB, onde deixou sua marca pessoal com inaugurações de obras já construídas e de outras de qualidade questionável. Junto com essas obras Niterói ganhou sua primeira dívida municipal externa, que é paga até hoje e se constitui no maior vazadouro de recursos públicos da cidade.

Moreira Franco parecia não desistir fácil de Niterói, tanto é que nas últimas eleições municipais voltou a concorrer a Prefeito, tendo chegado ao segundo turno das eleições, mas desistiu de concorrer na segunda etapa, proclamando a vitória de Godofredo Pinto, candidato do PT que tinha 48% dos votos. Com o abandono de Moreira, foi chamado o terceiro colocado para ser devidamente surrado nas urnas.

Agora Moreira Franco desiste de ser candidato novamente, desta feita deixa de concorrer à vaga na Câmara dos Deputados. Nas suas palavras finais diz que: "Tem sido só um sentimento de orgulho pessoal não ter o nome envolvido nos escândalos já que o plenário da Casa, ignorando evidências, deu cobertura e justificativa política aos desvios de comportamento investigados".

Poderia concluir o post acreditando que as razões indicadas por Moreira Franco são as reais e aceitar toda sua indignação como aval de sua atitude, mas infelizmente, como não acredito em Papai Noel, nem no Coelhinho da Páscoa, não posso acreditar em espasmos morais de última hora.

Pessoalmente acredito muito mais num sufocamento eleitoral, produzido pelo casal Garotinho em acordo com Sérgio Cabral, que poderia deixar Moreira Franco em delicada situação dentro do PMDB caso viesse a perder as eleições. É do interesse do casal bem como do Sérgio Cabral a destruição da liderança “moreirista” no interior do Rio de Janeiro, que ainda detém a herança política do Senador Amaral Peixoto, seu sogro e padrinho político.

Desconfio dessas tomadas súbitas de consciência, desconfio da moral pasteurizada e embalada para presente, até porque na carta de desistência, consta lá uma frase, que para mim tem jeito de ato falho detectado: “Os desvios de conduta ultrapassaram em muito os limites de tolerância”. Aqui para nós Deputado, diante dos desvios de conduta, não há “limites” de tolerância a serem ultrapassados, mas somente um limite.

8 comentários:

Jorge Sobesta disse...

Ozéas,
político em época de eleição é assim mesmo, vê que o mar não está para peixe (o dele) e vai saindo com ar de moralista indignado.Quando ele disse “O Legislativo tornou-se um apêndice do Executivo”, deve ter completado mentalmente "E eu tenho medo que esse apêndice inflame"

Obrigado pela visita e elogio.
abraços

Santa disse...

Ozéas
Desculpa se não estou comentando no blog como gostaria. O fisioterapeuta disse pra maneirar com a mão.

Moreira Franco? Perfeito diagnóstico da raposa.

Serjão disse...

Grande Ozeas. Que ótima retrospectiva, Vc deve gosra muito do Moreira para escrever tanto sobre ele. Também não o suporto. Creio que ele e Brizola são duas pragas bíblicas que nos artoemtaram. Quanto á segurança. om Brizola afrouxou demais e o Moreira apertou demais. Ainda vou escrever sobre isso. Mas temm uma coisa que devemos ao Moreira que foramas ovadas que o sarney levou na Praça XV, lembra. Até hoje o Marimbondo não perdoa. Se quiser saber mais : http://www.pdt.org.br/personalidades/cruza2.asp

Um abraço

Ricardo Rayol disse...

Meu bom amigo Ozeas ... O motivo dele não se candidatar é que aquela cara de chorão não convence nem o Papa....

Anônimo disse...

Eu nunca entendi porque o Rio elegia esse cara.De longe eu o ouvia falar coisa sem coisa, nunca entendi onde queria chegar.Essa fidelidade aos poderosos a comecar por ser gento de cacique da velha republica! Tomara que tenha sido aposentadoria e nao acordo para ocupar algum cargo devido ao apoio do PMDB ao molusco.

Elaine disse...

Nossa Ozéas, tu foi buscar as histórias do Moreira no fundo do Baú. Não me lembrava do fato narrado do Fiqueiredo. Acho que era porque tinha pouca idade. Sabe como é né, vc é bem mais véio que eu.
Falando sério: Também não acredito nele, aliais nunca acreditei.
Beijinhos...Elaine

Saramar disse...

Ozéas, boa noite.

Eu li o excelente texto duas vezes e fiquei pensando que a maior prova da pobreza de uma sociedade é a falta de homens conscientes do seu dever pra com ela.
A trajetória desse político que você mostrou tão perfeitamente é mais um exemplo da inversão de valores que assistimos na sociedade brasileira, ou seja, a prática política que deveria ser um dever do cidadão, transformada em carreira, em meio de ganhar a vida (muito bem, por sinal), ou como diria minha avó, em osso que cachorro faminto não larga.
É vergonhoso ver esses indivíduos se vendendo a vida toda sem sequer lembrar para o que foram eleitos e ainda mais, vê-los se fingir de honestos. É um acinte, porque além de nos tolher a cidadania, ainda julgam que somos idiotas.

Beijos

Anônimo disse...

Muito bom vc ter escrito tudo isso!
Moreira Franco é um tremendo presepeiro mesmo!

Sds niteroienses!