Minhas opiniões e publicações, expostas neste espaço, são reflexões acadêmicas de um cidadão-eleitor, publicadas ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão

"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

17 abril, 2006

Medida Provisória X Lei orçamentária


Leio nos jornais de hoje que o operário-meu-patrão “queixou-se do atraso do Congresso na votação do Orçamento deste ano e disse que o governo ‘não pode ficar parado’ diante dessa demora. Por isso, segundo ele, o Executivo precisou editar medidas provisórias para liberar verbas federais. ‘Afinal de contas, tem muita coisa em andamento no Brasil e nós precisamos de dinheiro para poder tocar as obras’, justificou-se.

Lula vem sendo criticado pela oposição por essa liberação de recursos via medida provisória que, até a semana passada, somou cerca de R$ 24 bilhões (para gastos de empresas estatais e ministérios). Depois de vários meses de entrave, a expectativa agora é de que a proposta orçamentária vá para votação nesta terça-feira”
Diário do ABC.

Assiste razão a oposição quanto a inconstitucionalidade das medidas adotadas, não tanto pela discussão de fundo ideológico ou mesmo eleitoral, mas por questões que são imperativas no estado de direito.

Examinando-se sucessivamente os artigos a seguir transcritos, onde tomamos o cuidado de grifar os pontos principais à correta interpretação e aplicação da Lei Maior, verifica-se mais uma vez, que o governo desconhece a vontade do legislador constituinte ou faz questão de ignora-la. O operário-meu-patrão atropela a Constituição, quando através do uso de instrumento impróprio, adotando Medida Provisória em matéria expressamente vedada, configura gritante inconstitucionalidade.

Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
...
III – os orçamentos anuais

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submete-las de imediato ao Congresso Nacional.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I – relativa a:
...
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;

art. 167. ...:
...
§ 3º A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública, observado o art. 62.(quanto à vedações - grifo nosso)

No
estado de direito a lei funciona como limitadora das atividades do governante de plantão, ou seja, o governante não está autorizado a fazer se não quando autorizado por lei, entendendo-se portanto, como estado de direito “aquele no qual a legalidade é critério observado pelo exercício do poder”.

Violar a Constituição federal sob o argumento da governabilidade seria o equivalente a autorizar atividades de grupos de extermínio, como forma de se conter a violência. Justificar a violação da Constituição sob o pretexto da paralisia que estaria sendo imposta à administração pública, é tão grave quanto justificar o fechamento do Congresso Nacional pela ausência de maioria governamental nas casas parlamentares.

Não há possibilidade de gastos governamentais senão através da lei orçamentária, salvo quando a própria constituição assim excepcionar, o que não é o caso em questão, sob pena de responsabilização do governante: “Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: ... VI – a lei orçamentária” (CR/88).

A questão vai longe ainda, ou pelo menos até que se aprove o orçamento desse ano. A questão é política e como tal deveria ser tratada, longe dos tribunais, ilegítimos à discussão apresentada, mas ao que tudo indica e se tem lido, será o Supremo Tribunal Federal quem novamente viabilizará a governabilidade do operário-meu-patrão.

3 comentários:

Alexandre, The Great disse...

Perfeito, Prof. Ozéas. A quebra do estado democrático de direito já está mais do que consubstanciado nestas MPs, como em episódios anteriores que incluem o sigilo do caseiro violado por um Ministro de Estado.

Meus parabéns pela preciosa análise jurídica.

Anônimo disse...

Mestre Ozéas: para que servem as Leis se o próprio governo não as cumpre? :-) Bjs de fã

Luma Rosa disse...

Será que quando da aprovação do orçamento desse ano, o governo terá verbas? (rs*)
Boa semana!! Beijus