Minhas opiniões e publicações, expostas neste espaço, são reflexões acadêmicas de um cidadão-eleitor, publicadas ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão

"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

24 setembro, 2010

Os apaches estão certos

Não gosto do Gilmar Ferreira Mendes, ainda me sobram muitas dúvidas levantadas à época do Caso Daniel Dantas-Opportunity, mas admiro o Ministro pela sua precisão técnica e suas qualidades acadêmicas, a propósito, tenho seu livro “Curso de Direito Constitucional”, que utilizo na elaboração de minhas aulas.

Não gosto do Marco Aurélio Mello, sua nomeação poderia ser até justa, mas para mim contaminou-se pela origem, o Ministro é primo e foi indicado à época ao STF pelo então Presidente Fernando Collor de Mello, entretanto, suas posições únicas muitas vezes bastante coerentes, me fazem também admira-lo na judicatura suprema.

Não gosto do José Antonio Dias Toffoli, sua nomeação ainda não me desceu goela abaixo, o simples fato de ter sido advogado pessoal do Presidente da República e do PT não lhe credencia para a mais alta corte, além do que, a exigência constitucional de “reputação ilibada” ficou bastante arranhada pela condenação junto a justiça do Amapá sob a acusação de ter participado de licitação ilegal.

Portanto, se tivesse que classificá-los num filme de faroeste, certamente fariam parte de uma tribo incendiária de ranchos e colecionadora de escalpos de mocinhas indefesas, entretanto, longe de me arrogar o cowboy do enredo, encarregado de promover a justiça em terra de ninguém, tenho que admitir,os homens maus dessa vez estão certos.

No caso do julgamento da propalada “Lei da Ficha Limpa”, apesar do gosto ruim que fica na boca, tenho que afirmar que os três “apaches” fizeram uma interpretação coerente e votaram, preservando a autonomia dos Poderes da República e própria democracia.

Ser impopular é muito difícil em época de dominação midiática, entretanto, ter a consciência tranqüila que não se pode apoiar a retroatividade das leis é muito mais digno e louvável.

Preceitua o art. 16 da Constituição Federal: “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência” (grifo nosso).

Em simplória interpretação gramatical, o exegeta deve-se curvar ao comando, ou seja, não se aplica nova lei eleitoral sem que seja respeitado o princípio da temporariedade, ou seja, um ano da data de sua vigência.

A propósito do artigo 16, em interpretação extensiva, este é de tão grande importância às instituições democráticas, que não pode ser suprimido do texto constitucional, constituindo-se “clausula pétrea”, ou seja, conforme o art. 60, § 4º, inciso IV, “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: os direitos e garantias individuais”, que estão abrangidos pelo manto dos direitos fundamentais (art. 5º ao 17 da CR/88).

Por maiores que sejam os propósitos, bem diz o ditado que “o inferno está cheio e boas intenções”, violar o princípio contido no artigo transcrito é muito mais do que aparenta, se flexibilizaria um comando constitucional garantidor do próprio estado democrático de direito.

Explico, imaginemos que hoje, determinado candidato à Presidência da República, liderando a corrida eleitoral com significativa margem indicativa de vitória, tendo maioria absoluta no Congresso Nacional, resolvesse alterar a lei dizendo que: “O candidato a Presidência da República, eleito no pleito deste ano, terá um mandato de 15 anos”.

No exemplo firmado, teríamos a mesma violação ao princípio da temporariedade, ou anuidade às leis eleitorais, ou seja, o que hoje nos parece bom, justo e verdadeiro, poderá se tornar precedente a outros julgamentos pelo mesmo STF justificando a derrocada da democracia.

A verdade é que se o Congresso desejasse tanto a aprovação desse instrumento repressor, deveria ter aprovado a regra antes de outubro de 2009, ou seja, o Congresso inventa e o Judiciário é quem tem que aparar as arestas, entretanto, não cabe Judiciário tomar decisões populares, mas julgar conforme a lei e seus princípios.

Nas palavras do Ministro Marco Aurélio Mello: "A primeira condição da segurança jurídica é a irretroatividade em si da lei. O que tivemos com essa lei que se diz de origem popular – e enquanto não houver uma revolução o povo também se submete à lei – com a lei complementar Lei da Ficha Limpa? Que culpa temos nós de o Congresso Nacional ter editado a lei 135 Lei da Ficha Limpa quando já se avizinhavam as eleições?"

No mesmo tom, Gilmar Ferreira Mendes ao proferir o sexto voto iniciou seu discurso afirmando, que o fato de a Lei da Ficha Limpa ser de iniciativa popular não a tornava inquestionável: “Muitas vezes tem de se contrariar aquilo que a opinião pública entende como salvação, muitas vezes para salvar a própria opinião pública”. “Se a iniciativa popular tornar inútil a nossa atividade, melhor fechar esse tribunal”.

Esse é o espírito da coisa, dói, fede, revolta, mas não podemos deixar a flexibilização e a opinião pública midiatizada, derrubar as colunas principais de sustentação de todo o sistema jurídico. A lei não pode retroagir, os princípios não podem ser violados, o casuísmo e o utilitarismo não pode ser referência para as decisões do Judiciário.

A propósito dos princípios constitucionais, um deles afirma que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII da CR/88), sob a égide desse princípio, foi dada a vitaliciedade ao Ministro José Antonio Dias Toffoli, quando da sua sabatina pelo Senado Federal.

Um comentário:

Anônimo disse...

Certo da figura garantista enaltecida pelo nobre professor, penso que o STF está na consciência de cada eleitor, diante desta situação midática que certamente no dia 3 de outubro julgará pela procedência, improcedência ou retroatividade da lei da ficha limpa. Por fim é costume dos índios interromper a vida quando apresentam algum tipo de problema mental ou que possuem doença que ainda não foi identificada pela tribo, entretanto, o Roriz na iminência de cessar seu último fôlego, antecipado, preferiu o suicídio a ver sua tribo de “apaches” o enterrar antes do dia marcado.

Leandro Gonçalves
Bacharelando em Direito