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"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

15 setembro, 2010

Militância envergonhada

Não sou tão velho assim, ainda que em aproximados trinta dias esteja iniciando minha quinta década, tenho flexibilidade e vigor físico para algumas estripulias, mesmo que ainda faça, como agora, o uso da expressão “no meu tempo...”

Pois é, “no meu tempo”, de moço, jovem militante estudantil, ou mais a frente um pouquinho, advogado concorrente nos pleitos da OAB, ainda um pouco mais adiante, dirigindo associação ou auxiliando na fundação do meu sindicato de classe, em suma, “no meu tempo”, afinal e não é tanto assim, carregávamos bandeiras com as cores de nossas idéias e esperanças, empunhávamos cartazes, faixas e desavergonhadamente gritávamos pelas ruas palavras de ordem, buscando atrair quem passasse naquele momento, para justificar nossa escolha e pelas palavras, gestos ou galhardetes de mão, esperávamos simplesmente a adesão.

Permiti-me essa introdução um pouco mais longa, para tão tímido comentário, porque tenho no comportamento descrito, que não era só meu, mas do “meu tempo” e dos outros que igualmente assim procediam, um parâmetro de militância política, ou como digo aos meus alunos, um modesto gabarito que serve de referência para a comparação com as informações que ora nos são passadas.

Sou morador de uma cidade com mais de quinhentos mil habitantes, confesso que não sei exatamente esse número, mas só em ser superior ao apresentado, já me satisfaz aos argumentos pretendidos, essa cidade é Niterói, grande o suficiente para dizer que um dia já foi capital do Estado do Rio de Janeiro, mas pequena por outro lado, por não conseguir eleger além de um deputado federal, próprio da terra, e ter no máximo dois outros deputados estaduais já com mandatos, que indiquem como principal reduto minha cidade.

Ao que pese nesse período eleitoral a súbita aproximação de outros candidatos, que buscam pequenos espaços pulverizados entre os eleitores, para literalmente garimpar alguns punhados de votos, o certo é que a cidade tem seus candidatos preferenciais, conforme é facilmente aferido em eleições passadas (municipais, estaduais ou federais), na verdade, embora poucos sejam os escolhidos do município, muitos são os que se lançam na aventura das urnas buscando o sufrágio popular.

Mas o que vem ao caso agora é a interessante constatação da legitimidade da militância, que surge pelas esquinas e cruzamentos da cidade, buscando o convencimento do eleitorado indeciso ou sem escolha firmada até então. Creio que o perfil que vejo por aqui não deve ser tão diferente do que podemos ver por ali, por lá ou qualquer outro lugar da nação.

Se de um lado podemos observar a massa de desempregados, que surgem empunhando bandeiras e cartazes, não contra sua condição de exército de reserva do sistema, mas a favor dos suados trinta reais diários pela “voluntária” manifestação de apreço e admiração pelo candidato, por outro temos em destaque a militância oficial.

Quanto a essa militância de cabresto em específico, podemos subdividi-la em duas correntes, facções ou condição: de um lado temos os verdadeiramente esperançosos, aqueles que acreditam numa bandeira de progresso, de melhorias, ou de rompimento ou aceitação com o status quo, infelizmente esses são insignificante minoria, quando por vezes não passam de iludidos ou sem esclarecimentos para quem realmente pedem o voto; do outro lado ainda nesse primeiro grupo, temos os que procuram uma oportunidade, de quem sabe, ser aproveitado num gabinete, departamento ou sala de repartição pública pós-eleitoral.

Na outra corrente ou facção, vamos encontrar os militantes convocados, esses na verdade tão subjugados como os que ganham os míseros trinta reais de contratação temporária, são os retirados de suas repartições para ficar nas vias e esquinas principais da cidade fazendo volume de popularidade e adesão à candidatura de “A”, “B”, “C” ou “Z”.

É bem verdade que a imensa maioria dessa militância de gabinete sai das mesas ocupadas no serviço público, esses convocados estão empregados somente em razão da indicação e apadrinhamento político daqueles que agora cobram a contrapartida da “empolgação”. Dirão alguns que o preço não é lá tão caro, afinal três meses de exposição pública vale lá seus quatro anos de salário no bolso e feijão no fogão.

Volto “no meu tempo” para recordar, como era interessante e gratificante convencer uma pessoa que nunca tinha visto na vida, de como era importante sua participação, sua adesão, seu voto. Empunhava bandeiras com orgulho e satisfação.

Passando pelas esquinas de minha cidade há momentos que se tornaram jocosos e hilários. Vejo regularmente, com muita curiosidade, uma jovem, pouco mais de vinte anos, vestidinha com seu jeans básico e um sapatinho “patricinha” cor-de-rosa segurando uma vara de plástico ou de bambu, suporte da bandeira com um nome pintado em perfeito silk screem, coitada da moça, completa sua vergonha escondendo o rosto atrás de um “fashion” óculos que lhe cobre todo o rosto e ainda por cima, vira de costas para rua, na esperança de não ser notada pelos carros que passam em desabalada desatenção.

Não é prerrogativa da diva de saltos rosa, outras e outros encabulados cumprem suas “obrigações partidárias”, militantes que não encaram ou conversam com os passantes e se escondem em rodinhas de intrigantes conversas, de tão próximos que ficam, lhes proporcionam o coletivo anonimato e claro, com as costas voltadas para os quatro cantos da esquina. Pequenos burgueses que se envergonham diante da possibilidade de serem confundidos com os pretos, pobres e desdentados de trinta reais.

No outro dia vi um partidário de obrigação que sequer empunhava a bandeira que lhe tinha sido entregue, ele com olhar perdido, voltado ao céu, braços cruzados, deixava pender sobre o cotovelo um fino mastro com a flâmula arrastando no chão, mais ou menos como se pronto a responder a alguém que subitamente lhe perguntasse o que não gostaria de responder, “nossa, como isso veio parar aqui”!

Para arrepio e termo final nessas linhas que já vão longe, confirmam-se as notícias que os secretários e congêneres das administrações, nos três níveis da federação, determinam a dispensa do trabalho dos agraciados com cargos, para servirem de autênticos “bonecos de posto” nas ruas da cidade. É a verdadeira expressão da popularidade “chapa branca”, da imoralidade administrativa, da coação moral.

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