Minhas opiniões e publicações, expostas neste espaço, são reflexões acadêmicas de um cidadão-eleitor, publicadas ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão

"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

21 setembro, 2010

Habeas corpus

Definida etimologicamente a expressão habeas corpus tem o significado de “que tenhas meu corpo”. Ao que pese ter sido cunhada em referência ao direito de “ir e vir”, modernamente ampliada pela doutrina jurídica indicando também o direito de “ficar e parar”, a abordagem ora pretendida refere-se ao domínio da vontade sobre o corpo, manifestada de maneira livre e consciente diante do processo eleitora em curso.

Passando pelas ruas podemos observar homens e mulheres que empunham bandeiras, galhardetes ou mesmo se tornam mero vigias de placas, tudo por força de uma questionável legislação eleitoral, que se por um lado não permite a fixação das sorridentes fotos candidatas pelos muros, por outro autoriza a divulgação, desde que controladas e ostentadas pelas mãos humanas, aceitando, portanto, "voluntariosos" atos de ostentação ideológica ou programática.

Bem demonstrando como futuramente interpretarão as normas que estarão submetidos ou ajudarão a elaborar, em processo de esplendorosa criatividade, nossos candidatos a parlamentares ou administradores públicos, não de hoje, encontraram um “atalho” no Código Eleitoral para burlar a lei, pagando às massas de desempregados valores, que ao nosso conhecimento, vão de quatrocentos a um mil e duzentos reais mensais, para serem os fieis guardiões de seus letreiros, em notável degradação final da sua condição de “ser livre” e racional eleitor.

Um tanto estranha a legislação, um quanto hipócrita sua interpretação. Na previsão do art. 299 do Código Eleitoral[1], comprar voto é crime, mas a lei silencia em razão da compra da livre manifestações de apreço e engajamento às candidaturas, silência quanto ao uso do ser humano como coisa, como res nullius (coisa de ninguém), sem valor senão o de uso, disponível como poste de rua.

Quem duvida que os batalhões de desdentados e de famintos que ora vagueiam pelas ruas como cartazes e bandeiras, ambulantes sem destino ou com destino traçados como coisa natural, sejam na verdade a representação do autêntico abuso do poder econômico, também previsto, mas não reprimido por uma cega interpretação da legislação eleitoral (art 237 do Código Eleitoral[2])?

Que cada um tenha seu corpo, como creio que tenho o meu; que cada um use livremente seu corpo, como uso o meu; que cada corpo seja a expressão de idéias livres, como expresso com o meu; que a fome e a necessidade não sejam os grilhões modernos para o controle dos corpos e mentes; e que a democracia seja condição de possibilidade da sociedade, não mera formalização ou condição de exercício de poder.



[1] Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

[2] Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidos e punidos.

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