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"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

09 julho, 2015

Coisa de outro mundo...




Gliese, se pronuncia como lê, é um planeta habitado, localizado na constelação de Libra, há 20,3 anos luz da Terra, que atingiu grau de desenvolvimento tecnológico suficientes para passear pelo nosso Sistema Solar e, conforme iniciais mensagens encaminhadas, pretende nos visitar no final de dezembro. Em deferência especial ao Brasil, sua comitiva de governantes quer ver de perto a queima de fogos em Copacabana.

Como parte das primeiras tratativas aproximadoras foram trocadas informações de hábitos e culturas, terráqueas e glieseanas, o que gerou curiosidade recíproca, especialmente para nós quanto a organização social alienígena.

No Brasil, ponto de visita agendado, ao tomarmos conhecimento sobre o planeta, achamos “pitoresco” que existam gliesianos de três cores: vermelhos, azuis e uma massa populacional em diversos tons da cor violeta, fruto da miscigenação dos dois primeiros; nos surpreendeu saber que por lá jorram leis anunciativas de igualdade dos seus habitantes multicoloridos, todavia, quando olhadas amiúde o que se observa é a primazia dos vermelhos sobre os violetas e principalmente sobre os azuis.

Assim, no país da integração e igualdade, do sincretismo e camaradagem, das mulatas, do samba e do futebol, causou desconfiança que a população carcerária em Gliese seja notadamente não-vermelhas, na ordem de 62%; espanto, que na educação glieseanas dois terços dos estudantes universitários são vermelhos, enquanto o número de analfabetos, azuis, representam o dobro daqueles; inacreditáveis, são os dados sobre a segurança, os azuis significam 70% das vítimas por assassinato, com 2,6 vezes mais chances de serem mortos que os vermelhos, decorrendo, a expectativa de vida é menor para os primeiros em pelo menos 20,7 meses.

Naquela sociedade interestelar, a concentração de riqueza também não favorece aos azuis, levando em conta 1% dos mais ricos somente 12% deles tem essa cor, por outro lado, entre os 10% mais pobres pelo menos de 70% são azuis; os índices salariais mostram uma desigualdade assustadora, os azuis ganham 57,4% menos que os vermelhos, ainda que exerçam as mesmas atividades; e, apesar serem a maioria da população economicamente ativa no planeta, somente 4% dos quadros da administração pública são azuis, todavia, como população desempregada ultrapassam 50% do total.

Questionados sobre esse verdadeiro apartheid astronômico, seus representantes responderam: “em Gliese não temos racismo, isso é coisa de alguns azuis recalcados, eles que são racistas, as oportunidades em nosso planeta são iguais para todos, tudo é uma questão de escolha, cada um segue seu caminho conforme índole e dedicação, basta se esforçar, inclusive, todo vermelho sabe indicar algum azul bem sucedido que serve como prova dessa igualdade.”

Por outro lado, aterrissando a ficção em solo pátrio, embora incomodado com minha ilegítima branquitude defensista, muito embora crítica com a notória facticidade, acolho as palavra com Abdias do Nascimento (1914 - 2011), que questionava não práticas interplanetárias, mas as nossas do dia a dia: “O racismo no Brasil se caracteriza pela covardia. Ele não se assume e, por isso, não tem culpa nem autocrítica. Costumam descrevê-lo como sutil, mas isto é um equívoco. Ele não é nada sutil, pelo contrário, para quem não quer se iludir ele fica escancarado ao olhar mais casual e superficial.”


O certo é que nossa igualdade está mais para formal que real, portanto, só poderemos falar em paridade quando as oportunidades forem distribuídas de maneira uniforme; em conquistas meritórias, quando forem afastados antagonismos sociais, negados permanentemente num discurso recheado de preconceitos, artimanhas e inverdades; e, embora as pesquisas indiquem que 87% da população admita que há racismo no Brasil, somente 4% dela se considera como tal, desta forma, parece evidente que falar de preconceito racial por aqui, para muita gente é mito ou coisa de outro mundo.

http://www.ofluminense.com.br/pt-br/cidades/coisa-de-outro-mundo

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