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"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

06 agosto, 2009

Vergonha

Ficamos encabulados, constrangidos, sem graça, envergonhados, quando fazemos alguma coisa que é repreensível, fora do cotidiano, do uso comum, próprio do ser humano médio. Envergonhamos-nos dos atos praticados que bem sabemos, por mais água e sabão que sejam usados, sempre restará uma mancha oculta maculando o que um dia teve a pureza e a ingenuidade inicial.

Ter vergonha de si próprio é normalmente o mais comum, mas nada nos impede de ter vergonha dos outros, o que igualmente nos incomoda e nos constrangem; também é comum, aquele desconforto de “que cheiro é esse?”, ainda que não tenha saído de nossas entranhas, causa não só o encabulo social, também nos enrubesce pelo nojo de estarmos afogados na imundice que sequer produzimos.

Em nossa sociedade com valores cada dia mais estranhos, para mim que nasci em outros tempos, que a bem da verdade também tinha suas vergonhas próprias, cada vez mais se sente constrangimentos por menores coisas, a roupa da festa que não é nova, o carro que não é do tipo e ano do vizinho, as quinquilharias de promoções importadas e de grife. São tantos os pequenos constrangimentos que os grandes descaramentos servem, somente de pano de fundo, para injustificáveis “lá por cima a coisa é bem pior”.

Ainda lembro-me da vergonha de ter perguntado para uma mulher barriguda e descuidada “para quando é o neném?”; trago na memória meu fuxico contra um conhecido, que me pegou em flagrante de maledicências sobre seu mau hálito; guardo os pecados da traição sentimental e do desejo da mulher do próximo, lá no fundo do baú, lá mesmo, onde você que lê essas palavras também guarda os seus, envergonhado; encabulo até hoje por não saber a quase trinta anos passados que prato seria o tal do “carpaccio”, quando fui levado pelo trabalho ao restaurante do Ca'd'Oro, não fazendo por menos pedi a entrada como prato principal, servidos todos, a vontade era pegar a porta de saída ou comer aqueles filetinhos de carne crua com ares de pouca fome.

Pequenas senvergonhices guardamos com alegria e diversão, as mais graves não contamos para mais ninguém, há certas coisas que nem nossos melhores amigos merecem saber que somos capazes, e os filhos então? Deixemos que nossas biografias permaneçam castas pelo menos na imaginação de quem nos ama.

Há vergonhas, vergonhas e vergonhas, a intensidade depende da difusão. Quando a dois sempre nos resta o “isso nunca me aconteceu”, quando a três ou poucos mais, a justificativa que a imaginação puder dar é a solução, quando em publico, em multidão, o melhor remédio é ficar vermelho “botar a viola no saco” e jurar que “nuca mais ponho uma gota de álcool na boca”, promessa que será violada, mas serve de confissão para envergonhados.

A prisão, a delação, a traição do amigo, o mau caratismo, o suborno passivo ou fomentador, o roubo da inocência, a ganância, o assassinato, as perseguições, inumeráveis são os motivos das maiores vergonhas. Acontece que são essas as vergonhas que parecem não incomodar mais.

Iniciei esse texto para falar de uma vergonha em especial, a que senti do
bate-boca Tasso X Renan transmitido em rede nacional. Não tinha palavras iniciais para definir o que via, mas tenho certeza do sentimento que me tomou naquele momento, vergonha. Na verdade esse post pode começar aqui e terminar no parágrafo seguinte.

Vergonha do “dedo sujo” do Renan, do “jatinho” do Tasso ou dos “empreiteiros” de seu rival, tanto faz, afinal o dinheiro dos dois em última análise “e meu, é meu, é meu, é meu”, ou pelo menos era e agora integra o patrimônio do “cangaceiro de terceira”, ou do “coronel de merda”. Faço parte de uma maioria envergonhada, por uma “minoria com complexo” de divindade.

O post vai longe demais, como disse era para ter somente dois parágrafos, um sobre o fato, outro sobre a emoção, não resisti, provoquei as palavras para me banhar na indignação, fiz minha purgação. A propósito, no processo de catarse Aristóteles acreditava que o herói devesse passar da dita para a desdita, ou seja, da graça para a desgraça, não por acaso, mas por um querer que chamava desmedida, quando só então atingiria a purificação.

2 comentários:

Alice disse...

Vergonha , Vergonha , Vergonha !!!
Bjins

Julio Cesar Corrêa disse...

O governo Lula oficializou o que já ocorria por debaixo dos panos, nos recantos mais ordinários e podres do mundo político. Tudo o que está acontecendo é perturbador e me enoja, claro. Mas o que mais me preocupa são os efeitos dessa podridão a longo prazo.
Parece que no futuro nós vamos assistir a brigas em botequins desse tipo:
"Você não passa de um filho de honesto!!!"
"O quê? Repete isso e eu parto a sua cara!!"
Obrigado pela visita e pelo link, desculpe a demora em aparecer, mas estou sofrendo de falta de tempo em estágio terminal.
abração