Minhas opiniões e publicações, expostas neste espaço, são reflexões acadêmicas de um cidadão-eleitor, publicadas ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão

"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

26 outubro, 2010

Concentração do poder

Quem vota na Dilma te lá suas razões, deve-se aceitar e respeitar esse voto e a recíproca, pelo menos, deveria ser verdadeira para quem escolhe a oposição, afinal a democracia moderna sustenta-se sobre os pilares da tolerância e diversidade.

Entretanto, não pode passar sem registro a ameaça real que representa à democracia a eleição da candidata governista, considerando o aspecto referente a concentração do poder político em uma só direção, ou seja, “nunca antes na história desse país” republicano, existiu a possibilidade de tanto poder concentrado em uma só direção, sob o manto de uma legalidade/legitimidade questionável.

Observando-se os números do recém-eleito Congresso Nacional, pode-se constatar um significativo aumento da base governista.

Segundo informa a impressa, recepcionados os números sem outros questionamentos, até porque qualquer oscilação não significaria profundas alterações na tese desenvolvida, 470 dos 513 deputados federais e 57 dos 81 senadores que comporão o próximo parlamento, estariam alinhados ao atual governo.

Conforme preceitua o texto constitucional no seu artigo 60, § , quanto à tramitação e aprovação de uma Emenda Constitucional, “A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.”

Assim, observados os congressistas eleitos, em ambas as Casas (Câmara e Senado) o atual governo e, na hipótese, a sua sucessora teria confortável maioria qualificada de 3/5 alcançada, para a aprovação de qualquer projeto de alteração da Carta Constituinte.

Poder-se-ia retrucar, ao argumento que alguns temas estariam “blindados” pelo princípio das cláusulas pétreas previstas no mesmo artigo em parágrafo subseqüente[1], ou seja, conforme a própria Constituição de 1988, algumas questões estariam imunes a tentativa de alteração através de Emendas, visando à garantia e estabilidade da sociedade democrática.

Em réplica, conforme o artigo 102 da Constituição, qualquer ação direta ou declaratória de constitucionalidade, bem como, em última instância, o questionamento da inconstitucionalidade de uma Lei ou Emenda num caso concreto, através de Recurso Extraordinário, será sempre julgado pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, a última palavra sobre qualquer modificação no texto constitucional recai sobre 11 Ministros do STF.

Portanto, é lícito ponderar que embora não seja a princípio o caso, entretanto, em tese, o atual órgão encarregado de julgamento das questões constitucionais, STF, não seria o paradigma de segurança numa análise isenta e descompromissada, frente a qualquer alteração violadora da Carta Magna, considerando que o próximo governo, eleito em 31 de outubro, terá como herança do atual 9 de 11 Ministros do Supremo, indicados nos dois últimos mandatos pelo atual presidente.

Considerando-se, ainda que por hipótese, que a candidatura da Dilma representa mais que um projeto de governo, mas verdadeiramente um projeto de poder, os referenciais de qualquer argumentação mudam e, não se poderia descartar a possibilidade de que a própria Corte Constitucional do país, já há algum tempo venha sendo constituída para os fins agora evidenciados.

Finalizando, são valida duas reflexões produzidas por Giorgio Agamben em sua obra “Estado de Exceção”:

"Isso significa que o princípio democrático da divisão dos poderes hoje está caduco e que o poder executivo absorveu de fato, ao menos em parte, o poder legislativo. O Parlamento não é mais o órgão soberano a quem compete o poder exclusivo de obrigar os cidadãos pela lei: ele se limita a ratificar os decretos emanados do poder executivo. Em sentido técnico, a República não é mais parlamentar e, sim, governamental."

"Uma das características essenciais do estado de exceção - abolição provisória da distinção entre poder legislativo, executivo e judiciário - mostra, aqui, sua tendência a transformar-se em prática duradoura de governo."



[1] § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

Um comentário:

Camarada Arcanjo disse...

Ozeas,
O STF não é a última instância, é a única instância. Quando um governo que governa, legisla e pune produz leis inconstitucionais de modo consciente, o risco de implosão do sistema é real.
O STF está sendo testado diariamente, o governo cioso produz estresse entre os ministros para dividir, enfraquecer. Este é um processo "bem arquitetado" para relativizar as decisões da corte.
O STF também é o ultimo entrave para uma "revisão" profunda da Constituição afim de viabilizar a ditadura do proletariado, ou seja lá o nome que quiserem dar a este movimento em curso.

As ditas "Cláusulas Pétreas" poderão ser relativizadas ou simplesmente removidas na revisão da Constituição. Não afirme que isto é impossível, já vimos várias vezes isto acontecer na América Latina. Além disso este governo já relativizou com sucesso coisas antes consideradas inimagináveis.