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"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

08 março, 2015

Construção da defesa, cunilinguis e valores morais


§ - Em dezembro de 1988, Bill Clinton, presidente norte-americano, respondeu a um processo por perjúrio, tudo porque negou que tivera uma aventura sexual com uma estagiária da Casa Branca, Monica Lewinsky.

“Eu não mantive relações sexuais com aquela mulher, a srta. Lewinsky. Nunca mandei que ninguém mantivesse, nunca. Essas acusações são falsas. E eu preciso voltar a trabalhar para o povo norte-americano”.

Ao que parece, Clinton estava convicto ou convencido que não mantivera relações sexuais com a estagiária da Casa Branca, todavia, conforme Monica admitiria mais tarde, teria praticado com seu presidente atos diversos, por parte dele com um charuto e dela pela via oral enquanto o mandatário falava ao telefone com dois congressistas, todavia, sem que o então presidente tivesse chegado ao orgasmo.

Enfim, na lógica de Clinton ele não faltara com a verdade, sexo oral não era traição a sua esposa Hillary, desde que parasse antes de chegar ao orgasmo.


§ § - Divulgada a lista dos políticos envolvidos na “Operação Lava Jato”, nessa primeira etapa, figuram 47 políticos que serão submetidos a inquérito policial conforme autorização do Ministro Teori Zavascki, deste modo, o Supremo Tribunal Federal autorizou que as investigações avançassem além das indicações feitas por delatores premiados no processo originário, permitindo um aprofundamento que poderá gerar consequentes ações penais.

As primeiras reações dos citados seguiram um mesmo diapasão, embora alguns tenham preferido o silêncio inicial, enquanto outros tenham “cagado e andado” para as imputações, basicamente, quase todos negaram qualquer envolvimento com o recebimento de valores desviados da Petrobras.

Nesta leva de primeiras explicações, enquanto há quem se afirme indignado, outros querem dar “explicações à luz do dia” sobre sua inocência, enfim, diante da presunção de inocência, vale a máxima: ninguém é culpado até que seja provado num devido processo sua conduta ilícita.

Em linhas gerais, todavia, já se esboçam argumentos que parecem ser a tônica defensista da maioria dos investigados, qual seja, ainda que venha a ser provado o recebimento de dinheiro para financiamento pessoal ou de campanha, desviados da Petrobras através de manobras contratuais criminosas, seus recebedores alegarão desconhecimento de suas procedências espúrias, assim, caso a negativa da autoria não vingue como tese, esperam o benefício do desconhecimento do ilícito, ou seja, em “juridiquês”, pretendem afastar o dolo por erro sobre elemento constitutivo do tipo.


§ § § - Lindbergh Farias, senador petista pelo Rio de Janeiro, apontado na “Operação Lava Jato” como um dos recebedores do dinheiro da Petrobras resolveu dar algumas explicações públicas.

Hoje (08.03.15), a Folha de São Paulo trás as declarações do senador “cara-pintada” (1992),  daquilo que seria a justificativa do recebimento de dinheiro oriundo da intermediação de Paulo Roberto Costa em 2010, quando este era diretor da estatal.

Justifica o senador na matéria, que para ele o dinheiro (R$ 2 milhões) foi doado legalmente pela empreiteira Andrade Gutierrez; que, quanto a Paulo Roberto Costa, “eu sabia que ele era uma pessoa muito bem relacionada na Petrobras e perguntei se ele conhecia alguma empresa que pudesse me receber. Ele ligou para alguém na Andrade Gutierrez e pediu para me receber”; e, quanto ao dinheiro recebido, afirma: “Você acha que alguém disse: ‘Olha esse dinheiro aqui que eu vou te ajudar é uma propina?’ Isso não existe”, e conclui, “Como eu poderia saber que o dinheiro de uma empresa grande estava saindo para minha campanha de um processo como esse? Eu não sabia. Ninguém sabia disso”.

Portanto, o senador caçador do “caçador de marajás”, reconhece que esteve na sede da Petrobras para pedir doações, interpretando tal como um Bill Clinton sua conduta: “De fato, você pode até dizer que é impróprio. Só que não ilegal”.


§ § § § - Sem dúvida, que o recebimento de valores de um empreiteira para financiamento de campanha não fere o aspecto legal; da mesma forma, face a presunção de inocência, não se pode imputar de forma definitiva que o senador ou outros agentes políticos envolvidos na “Operação Lava Jato” tenham agido com consciência de tratar-se de dinheiro obtido na sua fonte de maneira criminosa; legalmente, portanto, as imputações estão cobertas de dúvidas, que se espera sejam aclaradas no aprofundamento das investigações.

Todavia, em que mundo de ingenuidade vive o senador Lindbergh ou quer que as pessoas acredite que ele vive? Quantas pessoas possuem trâmite junto a uma diretoria de estatal, para que possa pedir dinheiro destinado ao financiamento de seus projetos políticos? De onde imaginou que brotaram os valores que foram doados?

“Essas empreiteiras ligadas à Lava Jato fizeram mais de 60% das doações nas últimas campanhas. Se eu recebo dinheiro de uma grande empresa, nunca passou pela minha cabeça saber se era ilícito ou não era”.

As justificativas embora aparentemente não ilegais, extrapolam o que pretende reduzir a “impróprio”, o paradoxo que revela parece ser grave, ainda mais quando se pretende a construção de valores sociais, destarte quando praticado por agentes políticos: a legitimidade da ação defendida emerge exclusivamente da legalidade, ou seja, qualquer prática é válida quando não encontra barreira legal. Afinal, o importante é que não seja crime.

Desta forma, a malandragem de “furar” uma fila de idosos ou receber dinheiro criminoso sem indagar sua procedência, são condutas aceitas e impassíveis de reprimenda. Nesse vale tudo, desideratos morais são abdicados em nome da legalidade, não há compromissos individuais ou republicanos, senão com a certeza moral da lei, substituta de valores pessoais, ou com sua distorcida interpretação. Portanto, em prestigio a esta lógica autodestrutiva, resta somente uma pergunta a ser respondida pelo senador e demais envolvidos: foi sexo ou apenas um boquete?

Um comentário:

Unknown disse...

Ótimo!!!