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"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

14 novembro, 2012

Os mistérios de Gabriel




É interessante como somos perseguidos pelo destino, como gira a roda da fortuna, como há sincronicidades latentes entre pessoas, ou entre pessoas e objetos, na expressão usada por Saulo Ramos, verdadeiros “códigos da vida”. Para mim a prova cabal desse “místico” envolvimento, pessoas e coisas, está presente no romance “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Marquez.

Talvez não tenha lido algo mais instigante que a história dos Buendías, de todos os Josés e Aurelianos que se repetem ao longo do enredo. Já nem recordo mais quantas vezes citei a obra que tornou o autor um de meus prediletos, me compelindo a partir dos Cem Anos, ao “Amor nos tempos do cólera”, a “Crônica de uma morte anunciada” e ao “Memórias de minhas putas tristes”; embora minhas escolhas tenham sido de qualidade, lamento ter lido tão pouco de Marquez, ainda lerei mais, o colombiano disputa meu tempo com o peruano Mário Vargas Llosa, nessa grande literalidade concorrente sul-americana.

“Cem Anos de Solidão" é belíssimo, rico em detalhes, duro como uma poesia de combate e suave como a imaginação infantil; pelo livro pude passear por Macondo – vilarejo onde se desenvolve a trama centenária – com suas borboletas amarelas, delatoras dos apaixonados; conheci o cigano Melquíades e a descoberta do gelo por um dos Josés, que ingenuamente o chamou de “maior diamante do mundo”; imaginei a “doença da memória” narrada pelo autor, que obrigava aos moradores do povoado a pendurar etiquetas nos objetos, para que seus nomes não fossem esquecidos, que por óbvio desenvolvimento da moléstia, restou que também acabassem por esquecer como se faz a leitura das letras, palavras... enfim, impossível descrever todas as sensações que me acolheram ao ler o livro.

A obra é de tamanha envergadura que se estilizou pelo continente, até aqui em terras brasileiras, foi recordada em sua essência imaginária; Dias Gomes em razoável adaptação – nunca assumida como tal – escreveu “Saramandaia”, novela televisiva que se desenvolve num realismo fantástico, próprio de Garcia Marquez e seu livro maior, porém, incomparável sob qualquer parâmetro que se utilize.

Não importando todas as sensações que o livro me deu, hoje sou surpreendido com uma matéria bastante interessante disponível na internet, outro sinal sincrônico de minha aguçada imaginação, descubro que o livro em comento foi classificado pelos italianos como uma das “dez obras literárias que os leitores não conseguiram acabar de ler”, na pesquisa feita “através do jornal Corriere della Sera, do Facebook e do Twitter, os italianos se mostraram divididos” quanto aos livros mais impossíveis de serem terminados. (para ler a matéria, clique aqui)

Não sei se fico envaidecido ou indignado com a notícia. Se por um lado, quase me sinto dotado de poderes de compreensão extrassensoriais, além da suposta média italiana, por ter conseguido ler não uma, mas duas vezes o romance e pasme, gostado; por outro, sinto certa indignação com o que considero evidente mediocridade no antigo continente, me parece ser essa a melhor das duas opções. Mas isso na verdade não importa, não é o objetivo do texto, que pretende flanar pelos “mistérios” das coincidências e acasos da vida.

Livro e autor me acompanham, só nesta semana por pelo menos três vezes fiz sua indicação, inclusive em uma dela tive a confirmação da compra como presente para terceiros; novamente, hoje em minha caixa de e-mails está lá outro texto de Garcia Marquez; agora, abro o noticiário e me vem de soslaio a pesquisa italiana.

Macondo realmente me persegue, a fantasia de Marquez se materializa constantemente aos meus olhos. Essa relação poderia se dar com Jorge Amado, Antonio Callado, Eduardo Galeano, Ferreira Gullar, ou mesmo como citado o próprio Llosa, com quem tenho maior intimidade numérica de texto, entretanto, é Gabriel Garcia Marquez quem habita meu cotidiano, já na simples identificação pessoal com seus títulos; Marquez aparece de onde menos espero e faz o giro da roda da vida parecer ser mais emocionante e misterioso.

De qualquer forma, não tenho porque reclamar dessas relações coincidentes e repetidas em várias ocasiões, até porque quando ocorrem estou em boa companhia; minha decepção fica por conta dos italianos, me surpreenderam com tamanha falta de imaginação.

2 comentários:

CADIN DE TUDO disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
CADIN DE TUDO disse...

Mestre, a ambiguidade de sentimentos é própria dos sábios, assim que nem precisas escolher, podes ficar merecidamente envaidecido e indignado.

Fiquei impressionada com a reportagem também mas não surpresa. Milão é a sede mundial da moda... outras prioridades talvez .. Penso que se fosse em Pisa, onde o "tempo" é outro e como Dante Alighieri diria "onde é possível encontrar o povo mais amigável da Itália", onde você é chamado a sentar a mesa, tomar um vinho e conversar... e falar da história, da literatura, das loucuras do amor... com recém conhecidos como se fossem velhos amigos...acredito que o resultado seria outro.

Suas palavras dedicadas a Garcia Marquez, de quem ainda nada li, apenas umas poucas e admiráveis citações, e uma agradável lembrança do filme "O carteiro e o poeta", aguçou a vontade de lê-lo, ainda mais considerando a comparação com Saramandaia de Dias Gomes. Já entrou para a minha lista.

Mas,em tempos de "fast food", alimentar a alma devorando cada letrinha va-ga-ro-sa-men-te, parece privilégio de poucos. Conto os dias para a aposentadoria e assim voltar ao prazer da juventude, quando lia calmamente uns 50 livros por ano, onde ora viajava no universo feminista de Marilyn French, ora para a França do século XVII na saga de Jean Valjean e suas lutas com a moral e a ética. É, deu saudade dos bons tempos do "ócio criativo".

Para concluir, entre as boas coincidências da vida, hoje é o dia da alfabetização, e em algum lugar, sua professorinha está muito feliz e orgulhosa de ti.

Sua ex-aluna Liliana, esposa de Maurício.