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"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

12 outubro, 2012

Os equívocos da neutralidade



Lembro em certa feita, ainda acadêmico de Direito da UFF, lá pelo 5º período, que um colega, Rogério Vilar Lira, munido de uma filmadora 8mm e correndo o chapéu para comprar fitas, resolveu produzir um filme sobre a Faculdade de Niterói; todo empolgado, afinal, acabara de ler o livro Roteiro, de Doc Comparato, e na sua animada juventude transformadora, desejava registrar o Curso, “como ele é” (palavras do próprio).

Foi nessa ocasião que outro colega e amigo, inclusive hoje no Face, Lícius Coelho, lhe fez uma singela indagação, ainda que em tom de deboche: “mas qual será a ideologia do filme?” Plausível questionamento, afinal, por trás de das lentes haveria uma pessoa, que transmitiria o seu olhar, a sua interpretação sobre o que resolvesse filmar, selecionando ou afastando imagens, escolhendo conforme critérios pessoais o que seria mostrado e o que não atendesse suas expectativas de verdade.

Recordo bem, a ingênua resposta de nosso aprendiz de cineasta: “o filme não terá nenhuma ideologia, será neutro”; não pude resistir à gozação que se seguiu com o comentário afirmativo do Lícius: “então você vai soltar a câmera no saguão e ela flutuará pela faculdade aleatoriamente, decidindo o que ficará registrado”, confesso que sorrindo também entrei no sério deboche que seguiu. Creio que o Lícius sequer se lembre dessa passagem (ele dirá), mas para mim, iniciante na arte política, o fato ficou marcado como uma espécie de “parábola da neutralidade”.

Dessa singela gozação, guardei uma grande lição: não há neutralidade, todo olhar humano, toda ação, qualquer movimento que se faça é provido de subjetiva ideologia. Ainda que digamos que nos posicionamos no campo da neutralidade, essa postura já é ideologizada, se faz comportamento e compromisso político, portanto, sujeito a elementar lei de causas e efeitos.

Veja-se, por exemplo, a questão da igreja católica durante a Segunda Guerra Mundial, comportamento a propósito já reconhecido pelo próprio Vaticano; a aparente neutralidade dos sacerdotes e do Papa no período custou muitas vidas e destruição; de igual maneira, na história mais recente, a America do Sul viveu entre as décadas de 1960 e 1980 períodos de chumbo, também durante as ditaduras militares implantadas no Cone Sul, era comum se ver padres e bispos abençoando obras e ações dos usurpadores. Enfim, não faltariam exemplos do custo que representam as formais neutralidades.

Insisto na tese política proposta, dizer-se neutro é como se esconder no armário durante a discussão do casal, ainda que você tenha tudo a ver com o desentendimento, aguarda quieto e em silêncio, imperceptível, esperando o momento mais apropriado para voltar à cama que já ocupou, ou sair correndo com as calças nas mãos por ruas desertas. Afinal, proclamar que “não tem nada com isso” é hipocrisia, pois quando a cama está quente e as condições objetivas permitem, é lá que deita nosso herói oculto, em outras palavras, quando termina o momento da responsabilidade volta, içada à condição de “oposição imaculada”, resurge na semana seguinte, para continuar formulando e propondo, porém, sem compromissos verdadeiramente assumidos, senão com as palavras, vive de atribuir responsabilidade aos outros.

Aplicando na prática: o PSOL tenta se afastar da “orgia política” (a expressão no caso é minha) de Niterói, acredita que conseguirá manter essa condição paladina e guardiã da moral e dos bons costumes políticos, algo assim com um dia foi a Tradição Família e Propriedade – TFP, só que de esquerda; tal posição não me surpreende tanto, na verdade era até certo ponto esperado, posto, como um dia já afirmado, “os extremos na prática se encontram”.

O problema é que ao eximir-se da responsabilidade, atirando-se na neutralidade, coloca em prática a “solução final”, ou seja, equivale a jogar-se nos fornos de Auschwitz mais uma centenas de judeus, porém mantendo-se com a consciência tranquila de não ter negociado com nenhum oficial da Gestapo.

Nesse ponto recomendo aos amigos puros e imaculados do PSOL, o filme “A Lista de Schindler”, lá no filme, história real, o empresário Oscar Schindler participava com suas atividades empresariais do regime nazista, todavia, seus esforços internos eram no sentido de alimentar, proteger e guardar vidas, chegando ao ponto final de comprar, literalmente, com todos os seus recursos, o máximo que pode de homens, mulheres e crianças, cujos destinos traçados por seus algozes certamente não seriam outros, senão em algum forno de extermínio. Schindler fez política no momento mais difícil e da forma menos improvável, todavia, os resultados ficaram na história, os mais de mil judeus comprados se multiplicaram em novas gerações e hoje contam essa história, de como fazer política com princípios e estratégia.

Fazer política é assim, entender que existe uma ética que não devemos abandonar, porém, a omissão participativa significa que os espaços da ética e dos princípios que acreditamos serão ocupados por outro, não tão éticos, se não o fizermos.

Não vou voltar à discussão do voto útil ou da diferença entre os competidores do segundo turno eleitoral em Niterói, disso já falei no último post do Blog (Farinha do mesmo saco ou dane-se a população), acho que ali abordei bem alguns argumentos; neste texto, só pretendia discorrer um pouco sobre a infantilidade de práticas políticas, que acreditam na pureza da neutralidade sem consequências. Para mim, entretanto, a posição do PSOL em Niterói está bem clara: é um partido que nasceu para ser de oposição, não tem experiência administrativa porque nunca administrou (“Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais”), não faz política porque não há interlocutores à sua altura, portanto, jamais saberá enfrentar os desafios políticos fora de uma perspectiva de “pátria ou morte”.



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