Lembro em certa feita, ainda
acadêmico de Direito da UFF, lá pelo 5º período, que um colega, Rogério Vilar Lira,
munido de uma filmadora 8mm e correndo o chapéu para comprar fitas, resolveu
produzir um filme sobre a Faculdade de Niterói; todo empolgado, afinal, acabara
de ler o livro Roteiro, de Doc
Comparato, e na sua animada juventude transformadora, desejava registrar o
Curso, “como ele é” (palavras do próprio).
Foi nessa ocasião que outro
colega e amigo, inclusive hoje no Face, Lícius Coelho, lhe fez uma singela
indagação, ainda que em tom de deboche: “mas qual será a ideologia do filme?”
Plausível questionamento, afinal, por trás de das lentes haveria uma pessoa,
que transmitiria o seu olhar, a sua interpretação sobre o que resolvesse
filmar, selecionando ou afastando imagens, escolhendo conforme critérios
pessoais o que seria mostrado e o que não atendesse suas expectativas de verdade.
Recordo bem, a ingênua resposta
de nosso aprendiz de cineasta: “o filme não terá nenhuma ideologia, será neutro”; não pude resistir à gozação que se seguiu com o comentário afirmativo do
Lícius: “então você vai soltar a câmera no saguão e ela flutuará pela faculdade
aleatoriamente, decidindo o que ficará registrado”, confesso que sorrindo
também entrei no sério deboche que seguiu. Creio que o Lícius sequer se lembre
dessa passagem (ele dirá), mas para mim, iniciante na arte política, o fato ficou
marcado como uma espécie de “parábola da neutralidade”.
Dessa singela gozação, guardei
uma grande lição: não há neutralidade, todo olhar humano, toda ação, qualquer
movimento que se faça é provido de subjetiva ideologia. Ainda que digamos que nos
posicionamos no campo da neutralidade,
essa postura já é ideologizada, se faz comportamento e compromisso político,
portanto, sujeito a elementar lei de causas e efeitos.
Veja-se, por exemplo, a questão
da igreja católica durante a Segunda Guerra Mundial, comportamento a propósito
já reconhecido pelo próprio Vaticano; a aparente neutralidade dos sacerdotes e
do Papa no período custou muitas vidas e destruição; de igual maneira, na
história mais recente, a America do Sul viveu entre as décadas de 1960 e 1980 períodos
de chumbo, também durante as ditaduras militares implantadas no Cone Sul, era
comum se ver padres e bispos abençoando obras e ações dos usurpadores. Enfim,
não faltariam exemplos do custo que representam as formais neutralidades.
Insisto na tese política proposta,
dizer-se neutro é como se esconder no armário durante a discussão do casal,
ainda que você tenha tudo a ver com o desentendimento, aguarda quieto e em
silêncio, imperceptível, esperando o momento mais apropriado para
voltar à cama que já ocupou, ou sair correndo com as calças nas mãos por ruas desertas.
Afinal, proclamar que “não tem nada com isso” é hipocrisia, pois quando a cama
está quente e as condições objetivas permitem, é lá que deita nosso herói
oculto, em outras palavras, quando termina o momento da responsabilidade volta,
içada à condição de “oposição imaculada”, resurge na semana seguinte, para
continuar formulando e propondo, porém, sem compromissos verdadeiramente
assumidos, senão com as palavras, vive de atribuir responsabilidade aos outros.
Aplicando na prática: o PSOL
tenta se afastar da “orgia política” (a expressão no caso é minha) de Niterói,
acredita que conseguirá manter essa condição paladina e guardiã da moral e dos
bons costumes políticos, algo assim com um dia foi a Tradição Família e
Propriedade – TFP, só que de esquerda; tal posição não me surpreende tanto, na
verdade era até certo ponto esperado, posto, como um dia já afirmado, “os
extremos na prática se encontram”.
O problema é que ao eximir-se da
responsabilidade, atirando-se na neutralidade, coloca em prática a “solução final”, ou seja, equivale a jogar-se nos fornos
de Auschwitz mais uma centenas de judeus, porém mantendo-se com a consciência
tranquila de não ter negociado com nenhum oficial da Gestapo.
Nesse ponto recomendo aos amigos
puros e imaculados do PSOL, o filme “A Lista de Schindler”, lá no filme,
história real, o empresário Oscar Schindler participava com suas atividades
empresariais do regime nazista, todavia, seus esforços internos eram no sentido
de alimentar, proteger e guardar vidas, chegando ao ponto final de comprar,
literalmente, com todos os seus recursos, o máximo que pode de homens, mulheres
e crianças, cujos destinos traçados por seus algozes certamente não seriam outros, senão
em algum forno de extermínio. Schindler fez política no momento mais difícil e
da forma menos improvável, todavia, os resultados ficaram na história, os mais
de mil judeus comprados se multiplicaram em novas gerações e hoje contam essa
história, de como fazer política com princípios e estratégia.
Fazer política é assim, entender
que existe uma ética que não devemos abandonar, porém, a omissão participativa
significa que os espaços da ética e dos princípios que acreditamos serão ocupados
por outro, não tão éticos, se não o fizermos.
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