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"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

28 outubro, 2012

E agora Luiz, a festa acabou... (breves considerações)



Nota: Texto escrito antes de 28 de outubro, dia da realização do segundo turno eleitoral, porém, propositalmente, só publicado em momento posterior.

A onda moralizatória, que até então já vinha se avolumando no país, ganhou força e foi intensamente explorada, principalmente pelos partidos e alianças que enfrentaram candidatos do Partido dos Trabalhadores - PT, nos locais onde ocorreu o segundo turno para o Executivo Municipal.

É fato que os discursos da anticorrupção, da proteção social, do fim do uso da coisa pública em detrimento privado, do combate desmedido a criminalidade e da banalização da criminalização não foram inventados para uso instantâneo, especificamente, para o pleito eleitoral de 2012, basta observar a classe média, espectadora saciada momentaneamente, aplaudindo barbáries policiais nos cinemas (“Tropa de Elite” I e II), ou espetáculos midiáticos em filmagens televisivas de recebimentos de propinas por agentes públicos, ou mesmo, literais linchamentos de criminosos justiçados nas ruas das periferias.

Todavia, com as condenações impostas pelo Supremo Tribunal Federal – STF, aos denominados “mensaleiros”, expressão cunhada na porta de alguma redação de jornal a partir de astuta observação opositora, que bem soube explorar sua subjetividade e sonoridade ainda nos anos de 2005, o Partido dos Trabalhadores (em especial), teve que enfrentar severas críticas e passou a ser a representação daquilo que, quando era oposição, tanto condenava, afinal, os sentenciados não são meros militantes de terceiro ou quarto escalão do partido, bagrinhos despreparados ou ladrões de oportunidade, mas cabeças coroadas e muito próximas de seu maior ícone, Luiz Inácio Lula da Silva. Em metáfora, o PT de pedra virou vidraça, e de toda forma, após cada alvejada que sofre, tenta cobrir com papelão de remendo os estragos causados em sua fachada.

A questão que se coloca é que ao abdicar da autocrítica, o PT prestou um desserviço à causa democrática, isso porque, negando, como ainda faz, com veemência, a existência do esquema de uso de dinheiro público para compra de votos parlamentares, viabilizadores de suas propostas política, também abriu mão de capitanear as necessárias reformas  àquelas práticas corruptas, tão comuns na política nacional. O PT não inventou o “mensalão”, sabe-se disso sem ingenuidades, tal prática sempre permeou as relações executivo/legislativo, ora através da distribuição de cargos públicos; ora pela fruição de vantagens em licitações; ora por via de empréstimos junto aos bancos públicos com juros irrisórios (ou mesmo inexistentes), com prazo a se perder de vista; ora com a distribuição de dinheiro em espécie, propina, como ficou demonstrado no julgamento da Ação Penal 470/STF.

Portanto, a cobrada autocrítica ao Partido dos Trabalhadores, não seria somente bem vinda sob o ponto de vista intrapartidário, mas fundamental para toda sociedade, isso porque, representaria a condenação das práticas espúrias até então instauradas, teria o condão de reconduzir valores éticos ao seio das relações políticas; todavia, o silêncio e anuência do partido, inclusive com desagravos pós-condenação, em nome da “causa maior” revolucionária, igualou no modo de fazer política o PT e seus opositores.

O Partido dos Trabalhadores bem sabe o custo que representa admitir seus erros, ao caminhar pela via utilitária, própria da ética “burguesa”, por isso prefere não se abrir a essa autópsia, receia que o custo seja maior que o benefício final; insiste na negativa à crítica sob a premissa da necessidade de transformações mais profundas na sociedade, repetindo o discurso “que os fins justificam os meios”, ou naquilo que considera a melhor das conclusões: que, por ainda estarmos na fase pré-histórica da sociedade, todos os meios são válidos para se alcançar os objetivos políticos e estes devem ser precipitados, logo, violar a ética burguesa é uma ação revolucionária.

O Partido dos Trabalhadores, com esse comportamento irreflexivo, entretanto, entra em profunda contradição performativa, ou seja, seu discurso permanece o mesmo, porém, sua prática lhe nega legitimidade, tal racionalidade estratégica evidencia que se tornou ontologicamente igual aos que sempre combateu.

Abra-se parêntese, sob esse paradigma a razão é dominação, não há alternativa senão aquela que tenha o mesmo sentido finalista, qual seja, o poder; ainda que se tente a legitimação, justificada nos propósitos da construção de uma sociedade mais justa, porém, a razão permanece fundada sobre a premissa da vitória de determinado coletivo da sociedade sobre outro, logo, continua sendo a expressão da conquista do poder através da aniquilação do inimigo, destarte, a práxis em nada difere do grupo dominador que se pretende substituir, além do discurso das boas intenções, todavia, de igual modo, representa o interesse de apenas parte da sociedade.

Outra questão que surgiria, em especulativa autocrítica do PT, não menos ligada ao tema inicialmente proposto, seria o enfrentamento de mais uma de suas fragilidades interna: a construção do mito, o culto personalista da figura de Lula, verdadeiro ídolo com pés de barro.

Inobstante a sua trajetória, merecedora de destaque e exemplo militante sob vários aspectos, há que se estabelecer um novo marco no personagem Lula após sua posse como Presidente.

Elevado ao cargo maior do poder nacional, Lula foi gradativamente sendo dirigido, ou por opção própria, já que goza dessa autonomia, para acordos e alianças que descaracterizaram suas iniciais feições políticas. Sem adentrar em pormenores, enfatize-se, porém, que Lula adotou a postura do reconhecimento da identidade dos desiguais na sociedade, tratando diversos de seus aliados e a ele próprio como pessoas acima da lei e do controle coletivo; como exemplo desse outro Lula, que abdicou de um discurso histórico republicano, cite-se, quando proferiu a frase: “Sarney tem história para que não seja tratado como se fosse pessoa comum”.

O que conclui-se da fala lulista é: que nem todos são iguais perante a lei, embora todos os súditos devam ser seguidores das regras gerais, porém, à alguns é permitido seu contorno; ainda que por mera questão estratégica de governabilidade, todavia, essa razão fez-se caminho para a admissão de qualquer irregularidade justificável em nome do “interesse maior”. 

Assim, se retorna a questão inicial, uma moralidade flexível; o que se permitiu, logo em primeira análise é que tudo é possível e permitido no campo ético-político, desde que, quem o faça pertença a determinado estamento (sob uma concepção weberiana); dizendo de outra forma, aos amigos e aliados tudo é permitido.

Enfim, a necessidade da autocrítica petista serve de ensaio para reforça uma posição que venho defendendo, qual seja, que a bandeira da moralidade pública deve ser empunhada pelas forças democráticas e progressistas, antes que segmentos mais atrasados da sociedade, de maneira oportunista assim o façam (como já vem fazendo), comprometendo o estado democrático de direito. 

Pelo exemplo se adquire legitimidade; as  forças comprometidas com a democracia devem a todo tempo se expor, de maneira sincera, cortando na carne quando for preciso, para que obtenha confiança e respeito da coletividade; não basta que o discurso seja diferente, deve-se trilhar um caminho demonstrando que a prática se coaduna com a teoria, a meu ver, o ponto de partida para esse reconhecimento é a autocrítica.

Dessa reflexão, além da reconstrução interna do partido, em resgate de valores dos tempos de sua fundação (e a regra não vale só para o PT), poderão surgir outros frutos. Ao se abandonar a lógica estratégica-instrumental, se afastam as perspectivas meramente negociais, espaço em que cada grupo tenta impor ou preservar o máximo de vantagens e privilégios; no modelo comunicativo que ora proponho e, que parte da inicial reflexão interna de um partido político, abre-se a oportunidade para que cada qual se veja integrante, não só de um partido reconstruído, mas integrante de uma sociedade onde aquele partido, também consegue se ver e pode representar; decorrente, a participação não significará a vitória de somente uma de suas partes, mas fará surgir o sentimento de pertencimento a um todo.

A razão não deve ser usada como ferramenta de dominação, mas como instrumento de libertação. É mister, portanto, abandonar a estreita leitura que apontam há uma só resposta diante de uma tese, entendendo que há possibilidade de se obter à mesma pergunta ou problema várias alternativas. Destarte, acredito que existam outros modos de fazer política, fora dos modelos tradicionais de usos e trocas, aceitos como naturais pelo PT enquanto governo.

Portanto, ainda que inafastáveis, as discussões das questões de moralidade, estas não podem se prestar como instrumento, que desemboque em maior controle da sociedade, restringindo liberdades individuais e coletivas, anulando avanços duramente conquistados no processo de construção do estado democrático de direito, mas sim, deve servir como detonadora, ponto de partida e aprofundamento da sociedade que se almeja, diante da facticidade possível. Não há, portanto, outro campo, senão o democrático para se travar essa discussão, sob o risco do alto preço que se venha pagar, pela negligência ou encabulamento na empunhadura dessa bandeira ética.

Uma vez delimitado o campo democrático, como o espaço para se travar esse debate, se afastam determinadas possibilidades de dominações, como no exemplo norte-americano, frente ao recrudescimento dos direitos fundamentais pós 11 de setembro, que travestido da justificativa de proteção social serviram a ampliação dos mecanismos de vigilância e controle da sociedade; desta forma, de igual maneira, a questão da moralização da coisa pública não pode servir a esses obscuros propósitos.

Encerro: sem uma autocrítica severa, profunda, das forças que compõem o espectro democrático, em especial recorte o PT, destacado no texto, não se estará perdendo somente a oportunidade de avançar, mas também, se alimentará o que há de mais atrasado para a sociedade, o fascismo e suas vertentes maquiadas.

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