Durante muitos anos imaginávamos, que no “futuro” a sociedade de controle seria instaurada caso não resistíssemos,
portanto, o combate deveria ser permanente. Os órgãos oficiais de informações
eram os vilões da história, bisbilhotando e relatando nossos passos,
preferências e relacionamentos, informavam ao Estado, que assim pretendiam
controlar seus membros.
De modo, toda e qualquer medida que
visasse identificar, cadastrar, ordenar, catalogar ou qualificar os membros sociais
deveriam ser veementemente combatidas; resistindo, evitaríamos ao máximo uma
sociedade orwelliana, prevista nos molde de “1984” e outras obras de ficção,
não menos preocupadas com a dominação do indivíduo pelo Estado.
O inimigo era o Estado e sua
ambição de dominação dos seres; em seus bancos de dados não faltavam dossiês, produzidos
muitas das vezes com relatos imprecisos ou subjetivismos dos investigantes,
ainda que com certa “eficiência” ao que se propunha, porém tais informações
ainda deixavam espaços à resistência, eram fragmentárias, desconexas e seus
cruzamentos equivaliam a longos e difíceis exercícios de práticas policialescas.
Todavia, com o avanço tecnológico
na produção e armazenamento da informação as coisas foram se modificando, os
dados, antes registrados em pálidas fichas de papel, passaram a fluir com maior
velocidade e organização, através da via cibernética; órgãos que compunham
autonomamente o sistema de monitoramento dos cidadãos foram sendo unificados ou
aproximados, as trocas de dados foram capilarizadas, ficou mais fácil e rápido
a resposta do Estado a qualquer tentativa insurgente.
A preocupação, daqueles que um
dia sentiram na pele os efeitos do aparelhamento estatal-policial, conduziu a
resistência para a limitada lógica da positivação dos direitos, acreditavam, em
tradicional equivoco, que a lei seria instrumento capaz de frear as desmedidas
invasões da individualidade; cite-se, por exemplo, a previsão do habeas data na Constituição brasileira
de 1988, remédio jurídico, onde se depositou esperanças em manter sobre certo
regramento os dados sensíveis dos cidadãos. Travava-se uma guerra, entre o
interesse público e a vida privada, entre a soberania do Estado e o indivíduo, de
tal maneira, que a questão apresentada indicava como melhor forma de
resistência o controle dos controladores, limitando ao máximo a produção, a
manipulação, o arquivo e acesso das informações.
Pois bem, em minha avaliação,
perdemos essa guerra, ou melhor, nos rendemos aos encantos de habilidosos
diplomatas formados na arte da informação e contrainformação, que por recursos
transversos nos recrutaram como verdadeiros agentes infiltrados; fomos
convertidos sem resistência ou reclamações maiores, tudo nos agrada, desde que
seja confortável e lúdico.
Na atualidade, damos vistas às
nossas intimidades voluntariamente, não opomos a menor resistência a qualquer
controle, pelo contrário, facilitamos nossos vigilantes ao máximo, quando, desde
ingênuos cadastros em contas de e-mail a sites de compras ou instituições
financeiras (bancos, cartões de crédito, pague fácil etc.), passamos todos os nossos
dados ao mercado, também, quando confeccionamos algum documento num órgão público
(identidade, passaporte, habilitação etc.), isso sem contar a imensa quantidade
de particularidades deixadas ao rastreio pelas redes sociais, com direito a nossas
fotos, de amigos e familiares, chegando a ponto de expor o que comemos, bebemos,
nossos secretos fetiches e até nosso exato pontos de localização (check-in), naquele instante, no mesmo diapasão, a permanente vigilância panóptica por câmeras (“sorria, você está sendo filmado”),
comumente aplaudidas, em nome de nossa “segurança e controle”, além dos
registros de vistos de estada, dados de embarques e por ai vai; inexoráveis dados
vitais a quem tenha acesso e pretenda cruzá-los, na busca de nossas
individualidades ou liberdades.
O controle e domínio de nossos
atos são tamanhos, que chegam ao ponto de dar saudades das cartomantes, quiromantes,
astrólogos e adivinhos em geral, que se valiam da mera intuição divinatória, ou
exercícios psicológicos, dizendo nosso “passado, presente e futuro”, para no
final nos confortar a alma, carentes incansáveis que somos na busca por uma
vida melhor.
Nesse paradoxo, perdemos a própria ingenuidade de acreditar que
somos livres, para mudar com facilidade o que queremos, se é que ainda percebemos
querer mudar alguma coisa diante desse estado de hipnose; é complexo o processo de emancipação, são estreitos os caminhos e difícil a
passagem para a autodeterminação, cada vez mais somos transformados, não transformadores.
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