Em
tempos de seca nos reservatórios de águas, a expressão “volume morto” ganhou
fluência e já faz parte do vocabulário cotidiano. Representando a reserva de
água mais profunda armazenada abaixo do nível de captação, esta não pode ser
coletada somente por ação da gravidade, necessita de bombeamento para extração,
é nosso estoque de emergência obtido com um pouco mais de dedicação.
Similarmente,
necessitando de especial atenção, o sistema carcerário vive a crise da superlotação,
a população presa no país atingiu a conta aproximada de 610 mil pessoas, em
agravo, ainda trabalha com um déficit de 231 mil vagas no sistema. Não sendo
motivo de orgulho, hoje o Brasil possui a terceira maior massa carcerária do
planeta, portanto, o diagnóstico que é alarmante exige respostas equilibradas,
fora do lugar comum.
Entre
as obviedades que se oferecem está construir mais e mais presídios, sem
embargos, não podemos nos dar ao luxo de trocar vagas de escolas, casas
populares ou hospitais, por celas.
Outra
evidência que se oferece como solução é a proposta privatista dos presídios,
que no final das contas não resolve o problema, embora num primeiro instante
entoe a canção das sereias, contudo, além de ser sempre dispendiosa tende a agravar
a patologia do sistema, que com o passar do tempo se torna enfurecido e ávido por
aumentar sua “clientela”, com custo final irremediavelmente pago pela
sociedade.
Embora
como solução a prisão seja sempre a pior opção, entretanto, abusando da metáfora,
creio que podemos pensar no “volume morto” que existe no sistema prisional, ou
seja, antes de partir para novos e elevados gastos com construções, ou pensar
em atender a ganância do mercado com a privatização da miséria social, confio
que se possa “bombear” grande percentual de vagas indevidamente ocupadas nas
cadeias, de modo a pelo menos desafogar a superlotação intramuros
penitenciários.
E
onde está esse volume a ser captado? Segundo o Ministério da Justiça, aproximados
40% da população carcerária é constituída por presos provisórios, ou seja, não
possuem condenação, mesmo assim, aguardam julgamentos sob custódia do Estado.
Por
outro lado, aproximadas 158 mil prisões (26%) decorrem dos crimes de drogas,
enquanto 46% por crimes patrimoniais e 12% por homicídios.
Destarte,
em rápido cotejamento parece que duas frentes devem ser atacadas para que
surjam soluções significativas sem novas despesas: por um lado, efetivamente os
Juízes devem priorizar a substituição das prisões provisórias pela aplicação de
medidas cautelares diversas, conforme determina o Código de Processo Penal,
além de zelar pela necessária celeridade nos procedimentos processuais, visando
rápidas decisões e julgamentos – é o quinhão judiciário.
Embora
estas providências possuam o condão de proporcionar relevante desafogo
carcerário, conquanto, tal caminho está atrelado a subjetividades processuais
que não vinculam prazos rígidos, assim como ao livre convencimento motivado do
julgador, portanto, embora tenhamos boas chances nessa seara, isoladamente não
são suficiente para o desafio proposto.
Por
outro lado, contribuindo de maneira mais ousada, porém, não menos estratégica, a
descriminalização e regulamentação do uso e comércio de drogas além de
representar duro golpe contra o tráfico ilícito, também seria medida que implicaria
em imediato esvaziamento carcerário com números significativos, isso induz que tal
enfrentamento requer racional coragem, inclusive de acarar morais privadas.
A
articulação de ambos argumentos não eliminam outras sugestões, ao contrário nossas
propostas são apenas componentes motivadores ao debate. O que dizemos é que
existe um “volume morto” do sistema carcerário, todavia, para que seja utilizado
é necessário especial esforço dialógico na sua busca. No entanto, o certo é que
o problema carcerário brasileiro não é de engenharia ou mercado, mas de modelo
social, de como pretendemos enfrentá-lo, assim, ou discutimos porquê se prende
no Brasil ou estamos fadados a cumprir o trágico destino de fabricantes de
cadeias.
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