Gliese, se
pronuncia como lê, é um planeta habitado, localizado na constelação de Libra,
há 20,3 anos luz da Terra, que atingiu grau de desenvolvimento tecnológico
suficientes para passear pelo nosso Sistema Solar e, conforme iniciais
mensagens encaminhadas, pretende nos visitar no final de dezembro. Em
deferência especial ao Brasil, sua comitiva de governantes quer ver de perto a
queima de fogos em Copacabana.
Como parte das
primeiras tratativas aproximadoras foram trocadas informações de hábitos e
culturas, terráqueas e glieseanas, o que gerou curiosidade recíproca,
especialmente para nós quanto a organização social alienígena.
No Brasil,
ponto de visita agendado, ao tomarmos conhecimento sobre o planeta, achamos “pitoresco”
que existam gliesianos de três cores: vermelhos, azuis e uma massa populacional
em diversos tons da cor violeta, fruto da miscigenação dos dois primeiros; nos
surpreendeu saber que por lá jorram leis anunciativas de igualdade dos seus
habitantes multicoloridos, todavia, quando olhadas amiúde o que se observa é a
primazia dos vermelhos sobre os violetas e principalmente sobre os azuis.
Assim, no país
da integração e igualdade, do sincretismo e camaradagem, das mulatas, do samba
e do futebol, causou desconfiança que a população carcerária em Gliese seja
notadamente não-vermelhas, na ordem de 62%; espanto, que na educação glieseanas
dois terços dos estudantes universitários são vermelhos, enquanto o número de
analfabetos, azuis, representam o dobro daqueles; inacreditáveis, são os dados
sobre a segurança, os azuis significam 70% das vítimas por assassinato, com 2,6
vezes mais chances de serem mortos que os vermelhos, decorrendo, a expectativa
de vida é menor para os primeiros em pelo menos 20,7 meses.
Naquela sociedade
interestelar, a concentração de riqueza também não favorece aos azuis, levando
em conta 1% dos mais ricos somente 12% deles tem essa cor, por outro lado, entre
os 10% mais pobres pelo menos de 70% são azuis; os índices salariais mostram
uma desigualdade assustadora, os azuis ganham 57,4% menos que os vermelhos,
ainda que exerçam as mesmas atividades; e, apesar serem a maioria da população
economicamente ativa no planeta, somente 4% dos quadros da administração
pública são azuis, todavia, como população desempregada ultrapassam 50% do
total.
Questionados
sobre esse verdadeiro apartheid astronômico,
seus representantes responderam: “em Gliese não temos racismo, isso é coisa de
alguns azuis recalcados, eles que são racistas, as oportunidades em nosso planeta
são iguais para todos, tudo é uma questão de escolha, cada um segue seu caminho
conforme índole e dedicação, basta se esforçar, inclusive, todo vermelho sabe
indicar algum azul bem sucedido que serve como prova dessa igualdade.”
Por outro lado,
aterrissando a ficção em solo pátrio, embora incomodado com minha ilegítima
branquitude defensista, muito embora crítica com a notória facticidade, acolho
as palavra com Abdias do Nascimento (1914 - 2011), que questionava não práticas
interplanetárias, mas as nossas do dia a dia: “O racismo no Brasil se
caracteriza pela covardia. Ele não se assume e, por isso, não tem culpa nem
autocrítica. Costumam descrevê-lo como sutil, mas isto é um equívoco. Ele não é
nada sutil, pelo contrário, para quem não quer se iludir ele fica escancarado
ao olhar mais casual e superficial.”
O certo é que nossa
igualdade está mais para formal que real, portanto, só poderemos falar em paridade
quando as oportunidades forem distribuídas de maneira uniforme; em conquistas meritórias,
quando forem afastados antagonismos sociais, negados permanentemente num
discurso recheado de preconceitos, artimanhas e inverdades; e, embora as
pesquisas indiquem que 87% da população admita que há racismo no Brasil, somente
4% dela se considera como tal, desta forma, parece evidente que falar de
preconceito racial por aqui, para muita gente é mito ou coisa de outro mundo.
http://www.ofluminense.com.br/pt-br/cidades/coisa-de-outro-mundo
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