O puritanismo religioso impulsionado
na Inglaterra, no século XVI, a partir das ideias pós-reformistas protestante,
cujo bastião se encontra nas confissões calvinistas à purificação da Igreja
Anglicana, nos deixou alguns legados.
Colonizado com umbilicais ligações
puritanas, os Estados Unidos da América, traçou o perfil de seu povo através da
via da salvação da alma, estabelecendo um estilo de vida contrario ao
mundanismo e vadiagem, afinal, o discurso de Calvino, bem se adequava a
construção da nova terra, que necessitava de “rédeas curtas” ao seu
desenvolvimento, já adequado desde seu início ao ideal capitalista, conforme
nos fala Max Weber em ”A Ética Protestante e o Espírito Capitalista”; conforme
o autor, as práticas de salvação da alma, através da racionalização dos
comportamentos sociais, estavam relacionadas ao próprio modelo de trabalho
desejado, ou seja, uma massa trabalhadora temente a Deus, ordeira e cumpridora
de suas obrigações, o que ensejava em última análise em acumulo de riqueza no
moderno modelo que se apresentava.
Em nome de Deus, sempre em nome
Dele, as religiões vêm manipulando a vida social pela história, de forma a
conduzir seus fieis a comportamentos que sejam úteis na construção e manutenção
de determinado status quo; se alguém
ainda não percebeu isso, não será através de um Blog dominical que a “verdade” será
revelada, portanto, dessas linhas vou poupar o pobre leitor, que a essa altura
já pergunta, onde quero chegar.
O fato é, partindo dessa
premissa, a história das religiões e suas vitórias dentro das sociedades, têm
conduzido o ser por um processo de
dominação utilitarista, adequando-o a modelos comportamentais mais passivos e
obedientes, o que facilita o controle e a dominação. Na docilidade da alma
reside o cabresto que freia o comportamento e o impulso individual, tão
perigoso para os que pretendem manter o controle produtivo em níveis seguros.
Michel Foucault, em “Microfísica
do Poder”, também denuncia esse comportamento de rebanho, forjado pelas
pequenas práticas cotidianas, na escola, no trabalho, na saúde, nas cadeias,
nos exército, enfim, nas instituições que compõe a sociedade; recomendo a
leitura dos clássicos, compreender a sociedade moderna através das lentes desses
autores traz luzes a algumas questões, que por vezes nos são propositalmente
despercebidas.
Dito isso, volto ao título do post, eu fumo, bebo e jogo, sonora manifestação
de pecado e subversão diante de um modelo de comportamento posto, que espera o
bomocismo como meta.
Jogo, porque é divertido, é lúdico
e me torna competitivo; aguça minha criatividade de superar através do
raciocínio, não só as armadilhas que a sorte prega, como também o próprio opositor;
joga-se futebol, vôlei, bilhar, baralho, boliche, joga-se tudo, por influências
do prazer e outros tantos mais fatores.
Bebo, porque também me dá prazer,
e pelas mesmas razões existências que fazem o ser ao longo da história abstrair-se de suas jornadas diárias de
sofrimento; não bebo só, bebo com a humanidade, que usa de vários outros expedientes
e subterfúgios, para tornar seu fardo mais leve, desconectando-se por algumas
horas da complicada tarefa que é viver; bebo, bebemos, porque é prazeroso,
divertido e socialmente nos aproxima.
Fumo, porque gosto. Assim como o açúcar,
o café, as gorduras, ou qualquer outro alimento desnecessário a nossa existência,
todavia, deles fazemos uso por mero prazer. Abro parênteses, sei que mata,
fecho, mas todos os prazeres matam de modo geral, cada qual com sua dor e
sofrimento, entretanto, nem por isso vemos “patrulheiros” pelos supermercados,
apontando dedos incriminadores e banindo consumidores pela porta da frente,
como se fossem portadores de moléstias infectantes.
Mas afinal, o que pretende esse
malfadado texto?
Vamos aos fatos, ontem resolvi
tomar um chopp com torresmo, lá na “Mineira” de Icaraí, a propósito, outro parênteses,
que torresmo fantástico tem lá! Pois bem, como bom fumante e educado, resolvi
sentar em uma das mesas do lado externo do bar; tudo aberto arejado, bem no
meio da calçada, a única coisa que me separava do ambiente público, dos passantes,
era uma pequena cerca de aproximado um metro do chão.
Chegando ao pequeno espaço, que
comportaria nada além que dois copos e minha porção (que torresmo!), tive a desagradável
surpresa de ver devidamente plastificado sobre a mesa um cartaz de proibição do
fumo no local.
Indaguei do garçom se aquilo era
sério, já que estava em um ambiente completamente arejado e que certamente, a minha
maldita “chupetinha do diabo” não faria tanta fumaça quanto às centenas de
carros e ônibus que passavam pelo local, despejando monóxido de carbono sem nenhuma
proibição ou proteção aos passivos e indefesos respirantes mais próximos.
Era sério a determinação, naquele
local passou a ser proibido fumar, mesmo no espaço aberto, e ainda tive que
ouvi a seguinte sugestão: que meu vizinho de mesa, também fumante, levantava-se
e contornava todo o interior do bar/restaurante ficando junto a mesa (pelo lado
de fora); como se a fumaça obedecesse a rígida cerca de um metro de altura e
não adentrasse no asséptico estabelecimento, hipocrisia ou burrice, quem sabe
os dois.
Levantei e mudei e botequim, para
outro de semelhante serviço, porém mais tolerante com meu prazer, todavia,
fiquei censurado do delicioso torresmo. Assim é a lei.
Refleti um pouco sobre o que está
por trás dessa postura intransigente, que dentro de uma microfísica de dominação
se faz presente cada vez mais e passivamente vamos aceitando como natural, em
nome do bem estar coletivo.
A equação fechou em minha cabeça
com transparente enunciado; ora, ao se proibir o fumo nos bares, por via
transversa também está se evitando o uso do álcool, bingo! Mais uma conquista
puritana, camuflada pelo discurso da saúde e bem estar geral; mas aqui pra nós,
se a coisa toda tivesse realmente propósitos salutares, até mesmo os deliciosos
torresmos deveriam ser proibidos; o cerco se fecha através de mínimas e imperceptíveis
incisões aparentemente corretas, que até podem lá ter suas razões, mas o que
está em jogo é mais um motivo de não frequência aos ambientes propensos ao “pecado”,
não é por menos, que os bares estão cada vez mais se transformando em “polos
gastronômicos” e perdendo sua essência de botecos.
A onda conservadora (que possui
bancadas organizadas nas casas legislativas), vem conquistando espaços nas
nossas vidas; não se apresenta mais como na Idade Média, queimando pecadores em
praça pública, é sorrateira, se infiltra como água por frestas mal vedadas, em
outra alegoria, se apresenta como o abraço da sucuri, que não mata por
esmagamento, mas por sufocação, cada vez que sua presa solta o ar, impedindo
uma inspiração mais profunda, até que a vítima sufocada esteja pronta para ser
devorada.
Fiquei sem torresmo, mas resisti,
bebi meu chopp, fumei meu cigarro e tive que me contentar com um tira-gosto “meia
bomba”, tudo testemunhado por meia dúzia de crianças barulhentas que gritavam estridentemente
numa mesa ao lado, afinal, já não se faz mais botequins como antes, agora frequentamos
“polos gastronômicos”, que toleram o álcool como acompanhamento.
Um comentário:
bebo, fumo e já brinquei de jogar. Adoraria ter escrito isso. Parabéns pelo blog.
ab
santinha
Postar um comentário