Algumas pessoas costumam projetar
suas ambições, expectativas, desejos e interesses para um momento bem próximo,
o logo a seguir; é claro que questões mais simples, onde o que está em jogo são
vontades singulares, desprovidas de maior complexidade, bem se resolvem com
poucos movimentos e resistência, porém, aquelas mais complexas, formadas por
variantes e forças antagônicas, onde há também “do outro lado” ambições, expectativas,
desejos e interesses, essas se fazem mais difíceis de solução em curto prazo.
É comum se ignorar que o processo
histórico se dê através de uma linha ainda não escrita, que será contada pelo
próprio protagonista, portanto, não há caminhos de certezas, ou movimentos que
garantam que saindo de um ponto “A”, em linha reta, invariavelmente, se chegará
a um ponto “B”, não há lógica na física ou matemática, que apresente equações
tão precisas para o comportamento social; as variantes são infinitas, um gesto
bem ou mal dito pode desandar toda a receita, um dia de chuva ou sol, pode
mobilizar ou desmobilizar toda uma prévia estratégia, enfim, qualquer coisa é
fato a ser considerado, onde a única garantia que temos é que os objetivos
poderão ou não ser alcançados.
A propósito, sempre é bom lembrar,
que a história não se realiza por saltos, sua construção é diária; não fizemos aproximados
seis bilhões de anos caminhar em sete dias, como se fossemos um criador
celestial; nossos ancestrais répteis, para alongar suas caudas e impulsionarem-se
para terra firme, não tomaram essa decisão numa sexta-feira e na segunda estavam
lá evoluídos como espécie; não se sai da Grécia antiga, passando pelo apogeu
romano, com uma breve parada na medievalidade, dando um salto para a revolução
industrial e, logo a seguir, colocando o homem na lua e globalizando as
relações comerciais num passe de mágica, é impossível resumir esses fatos em
dois ou três parágrafos, capítulos, livros, ou bibliotecas; é da história da
humanidade em construção que estamos falando.
Nesse contexto, nos inserimos
como indivíduos, pedreiros e construtores, quando no amanhecer de cada dia nos
dirigimos ao campo de trabalho para nossas tarefas, lá tiramos do papel nossos
planos e erguemos edifícios, que ficarão perpetuados para outras gerações; escrevemos
em registro novas ideias, para que o progresso da história permaneça em
constante evolução; enfim, a história se faz todos os dias, realizamos hoje o
imaginado ontem, imaginamos o amanhã enquanto laboramos na véspera.
Algumas atividades são de vital importância,
que não podemos deixar para outras gerações suas realizações, por exemplo, cavamos
poços artesianos para suprir as necessidades de água, da sede, que
invariavelmente temos e deve ser aplacada, destarte,
cada qual tem sua tarefa para que o mundo não pare, todos somos responsáveis
com nossas ações para que a espécie sobreviva na manhã seguinte e prossiga sua
jornada.
Desta forma, quando cavamos um
poço, por vezes não estamos buscando suprimento para nossas próprias
necessidades, nosso trabalho é no sentido coletivo de todos poderem matar sua sede,
embora muitas vezes o trabalho seja tão longo e complexo, que nós mesmos sequer
beberemos daquela água que buscamos, ou mesmo a próxima geração, todavia, fazemos
a nossa parte, para que um dia alguém tenha água para beber. Não cavamos poços somente
para nós, trabalhamos em nome coletivo, na esperança que alguém possa usufruir
de nossas obras, assim como hoje usufruímos de um legado deixado
por outros obreiros.
Nas conquistas sociais não é
diferente o raciocínio, por exemplo, no Brasil, a democracia que temos não é
fruto de uma vontade surgida em 1988 e, certamente, não será a mesma nos anos
que virão; as garantias trabalhistas também não foram inventadas nas últimas
décadas, é fruto de lutas e conquistas, vitórias e derrotas, é resultado de
transformações que se operaram na construção da história dos trabalhadores; hoje,
algumas comemorações de vitórias se devem ao sacrifício de muito trabalho e
vidas, que em algum momento foram necessárias para que hoje possamos beber
desse poço que sacia nossa sede de justiça social. Mas a obra nunca está
completa, como diz o poeta, “amanhã vai ser outro dia”.
Entretanto, há quem aposte todas
as fichas desse jogo em uma só mão de cartas, ignorando todo o processo de
construção histórica, acreditando que por possuírem um full hand de mão, não
possam ser atropelados por um inimaginável royal street flash do adversário;
perdidas todas a fichas em uma só jogada, como participar da próxima rodada,
como continuar sentado à mesa de jogo e tentar recuperar o passivo apostado? O preço
de um novo cacife para novamente se sentar a mesa pode ser muito alto, representa
perdas que levam anos de novas lutas a se recuperar. Voltar ao jogo, perdido
por um ato de insensatez, significa se desfazer de um patrimônio de conquistas deixado por aqueles que labutaram no passado, na esperança de nossa
continuidade.
A ingenuidade e precipitação da
jogada mal feita, também tem um viés psicológico trágico, gera nas pessoas vencidas
a sensação de frustração e desencanto, por vezes sentimentos insuperáveis pelo
resto da vida, tornando-as, antes empolgadas e audazes, em cabisbaixos e
abatidos perdedores que encerram suas vidas resmungonas e infelizes, na busca
de apontar algum culpado que justifique sua inabilidade e despreparo.
Ao se entrar na luta por avanços
e conquistas, devemos imaginar que o revés é uma das possibilidades de solução do
conflito, portanto, cada ação deve ser racionalmente ponderada, o emocional
controlado, de modo que não se perca a empolgação, mas também não se deixe
guiar pelos impulsos da paixão; todavia, se mesmo assim, ainda que a conquista
do almejado não seja atingida, não se pode perder a perspectiva de que se cavou
um pouco mais o buraco do poço, e que um dia dali brotará água para matar a
sede de outros que virão. É a consciência do dever bem feito que restará, do melhor
que se pode fazer diante das condições objetivas que se apresentavam; não há
derrotas absolutas, como também a vitória total não se conquista de uma só vez.
Nas lutas, os sonhos não se
constroem em uma só rodada, não estão resumidas a uma mão de cartas, as lutas e
conquistas são obras que passam por gerações; a água que bebemos nem sempre é
fruto do poço que furamos, os poços que cavamos nem sempre matarão nossa cede,
mas certamente alguém virá depois de nós e beberá de uma fonte que ajudamos a
construir.
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