Muito se fala em ser moderno,
afinal, a expressão transmite uma ideia de se estar à frente do tempo, ou pelo
menos ser colocando numa perspectiva de atualidade.
Socialmente, se apresentar como moderno
equivale dizer que se está ligado ao novo, não importando para tantos o que
essa novidade represente; por outro lado, psicologicamente, o ser humano tende
a confundir e crer que “se é novo é melhor”, desta forma, se é melhor é moderno.
Exemplos de novidades que se
confundem com modernidade não faltam: a pílula da felicidade (Prozac, Viagra,
Sibutramina...); objetos dos sonhos (Mac, Ferrari, Rolex...); a extravagância
dos gostos (Prada, Primeira Classe, Cristal Brut...); tudo é novo, porém nem
sempre moderno. Mas então, o que é ser moderno afinal?
Para alguns a modernidade é algo
que se vive a partir do século XVII, incorporando as pessoas o modo de vida ou
organização social europeu daqueles anos; para outros a modernidade
está ligada a racionalidade econômica política e cultural, significando um
aumento de eficácia desses fatores, em evidente conceito funcional, ou seja, a
sociedade moderna seria aquela que funciona melhor que as antigas sociedades tradicionais,
que precederam a renascença.
Porém, cremos que a modernidade
está ligada a um fator específico, qual seja, a autonomia do indivíduo, ou
seja, uma sociedade moderna não é apenas aquela onde seus sistemas funcionam
com eficiência tecno-racional, mas sim, quando seus indivíduos possuem maior
campo de expressão e autonomia subjetiva.
Desse modo, ser moderno é
acreditar que sob o ponto de vista econômico, o indivíduo possa ter acesso ao
trabalho, aos bens e serviços que necessite, sem que isso represente explorações
ou injustiças, onde uns se sobreponham aos outros em dominação; de modo que a
autonomia de uns não signifique a escravidão de seu semelhante; onde o planeta
não arque com a conta do consumo desenfreado e a acumulação desnecessária, resultante
do esgotamento de seus recursos.
Já sob a ótica política, ser
moderno representa o exercício de uma cidadania ativa, num estado democrático
de direito e consagrado pelo respeito aos direitos fundamentais do ser humano.
Por fim, ser culturalmente
moderno é acreditar no livre uso da razão, crendo que o indivíduo não necessita
de tutores que lhes diga o que pode ou não ser imaginado ou criado, tendo
direito a produção e acesso a todas as formas de manifestação cultural.
Desta forma, ser moderno é também
acreditar que “as barreiras imaginárias que separam os povos” devem ser
rompidas; universalizar-se econômica, política e culturalmente é atravessar os
limites que inviabilizam uma sociedade cosmopolita, esta capaz de ver no outro
a si próprio, comungar de ideais de liberdade, igualdade e fraternidade,
conceitos que valeram a reconfiguração das sociedades contemporâneas;
universalizar valores humanos é um conceito que vai além de globalizar os
negócios, a produção e as redes de comunicação.
Fazer política num primeiro momento,
portanto, é um processo de busca da realização da modernidade, esta não
totalmente acabada, conforme os ideais preconizados em sua fundação; destarte,
é papel do representante político perseguir o caminho da emancipação do ser,
fora dessa perspectiva, o que resta são caprichos pessoais, manifestações
privadas e seu distanciamento da representação que lhe é dada.
Em momentos de globalização, onde
o tempo e espaço se confundem, onde as diversas expressões se apresentam em visível
intensidade, o papel do representante político é de agenciar o direito às
diversas manifestações, portanto, de mover-se no sentido de uma política que
garanta as mais distintas manifestações e seus espaços de interlocução.
O respeito às identidades,
independente de gênero, raça, posição social ou cultural deve ser o norte
perseguido, sem que, contudo, essas identidades sirvam como instrumento de
afastamento de uma unidade desejável; cabe ao agente político atuar na garantia
à coexistência das maiorias com as minorias, vendo no outro, independente de valores religiosos ou morais, uma
pluralidade social; esse é o papel do agente político moderno, mediar o diálogo
entre os falantes e, através da elaboração das leis expressar um denominador
comum entre eles, ou seja, realizar como valor comum os ideais de consenso de
determinada comunidade.
“Universalizar não significa
abolir diferenças, e sim lidar com as diferenças de modo compatível com valores
universalistas” (Rouanet), portanto, identificando cada qual seus valores, porém,
fazendo com que esses componham um mosaico plural, assim como é a sociedade.
A política não pode ser voltada
somente às maiorias, como também, não pode ser dirigida para atendimento exclusivo
das minorias, sob o risco de se jogar em guetos de segmentos sociais determinados
comportamentos, ideias e práticas. A política deve ser a expressão do coletivo,
dos diversos subjetivismos, que agregados por valores comuns maiores, formam um
todo significativo da realidade que existe, o consenso.
O consenso desejável, não surge
da concordância estratégica, subimissão ou mera afinidade, é fruto do inicial
dissenso, porém, debatido e apreciado sob as luzes dos argumentos racionais; desta
forma, o consenso é fruto do dissenso amadurecido, pela troca de expectativas,
desejos e interesses, construído através de um diálogo sincero e horizontal
entre os membros da sociedade.
Nessa perspectiva mediadora, conforme
o modelo brasileiro, em âmbito municipal, não só os cidadãos, mas também e
principalmente com poderes instituídos, surge a figura do vereador, votado e
escolhido pelos membros da sociedade local, portanto, dotado de legitimidade, torna-se
encarregado e representante dos compromissos assumidos com sua comunidade.
A Câmara, fonte originária das
leis municipais, deve ser a caixa de retorno das vozes populares, expressando
com transparência o cumprimento dos compromissos firmados durante a campanha
eleitoral. A vereança não deve só honrar suas propostas, como também, após o
processo eleitoral manter aberto os canais de comunicação com os cidadãos; mais
que isso, deve ampliar com práticas pró-ativas a capilarização desses caminhos e
o debate permanente.
Ser vereador é ouvir mais pelas
ruas que ser ouvido na tribuna da Câmara, muitas vezes em discursos enfadonhos
ou elogiosos, cínicos e estratégicos; cabe ao representante municipal voltar-se
sempre aos apelos da sua comunidade, não importando se essas vozes venham de
lugares que porventura não se seja seu reduto eleitoral.
Uma vez eleito, o vereador embora
mantenha vínculos com seu eleitorado privado, todavia, torna-se representante
de toda a comunidade, desta forma, saúde, educação, moradia, trabalho, assistência
social, segurança, ordenamento e ocupação dos espaços públicos e tantos outros
temas, deixam de ser propostas para ganhar a rubrica de realização comum e,
pelos próximos quatro anos que virão, não pode haver outras preocupações senão
estas.
Após eleitos os vereadores passam
a ter um compromisso de servir ao povo, com denodo, responsabilidade e transparência;
contudo, e acima de tudo, com a disposição de sempre mediar as necessidades, expectativas
e interesses da população, entre agentes públicos e/ou privados, além de
garantir o espaço de permanente expressão popular na casa legislativa municipal.
Desta forma, a escolha dos
representantes à Câmara Municipal ganha significância e significado e se
afastam de propostas vazias, que não vão além de slogans que pouco ou nada
expressam: “o amigo de sempre”, “o melhor”, “o novo”, “o moderno”, “a mudança”.
A modernidade trouxe um novo conceito
de poder, cunhado sobre a plataforma do contrato social, afastando as predeterminações
cósmicas e divinas, o que viabiliza o apossamento pelo cidadão dos rumos que pretenda
dar ao seu destino, oportunidade inabdicável, penalizada com o abandonar da
própria cidadania.
Votar num vereador compromissado
com a modernidade possibilita avançar na construção da democracia real; ainda
que audaciosa a proposta, se considerada em termos meramente locais, entretanto,
os valores ora apresentados se aplicam de forma global e devem ser defendidos em
todas as instâncias (município, estados e país); construir uma sociedade
universal não é algo que se realize a partir de paradigmas internacionais, mas
de microtransformações locais, que difundidas, se alastram e contaminam como vírus
as demais esferas de poder.
Globalizar e universalizar a
democracia são processos que demandam envolvimento e atividade participativa,
não importando o nível de poder que se pretenda discutir; desta forma, a
escolha de um vereador se torna tão ou mais importante que a escolha do
prefeito, do governador ou do presidente, afinal, o que está em jogo não é o
grau do poder, sob um ponto de vista hierárquico, mas sob a ótica da construção
da democracia, a participação do cidadão na escolha do seu destino.
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