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"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

05 agosto, 2012

Modernidade, democracia, universalidade e as eleições municipais


Muito se fala em ser moderno, afinal, a expressão transmite uma ideia de se estar à frente do tempo, ou pelo menos ser colocando numa perspectiva de atualidade.

Socialmente, se apresentar como moderno equivale dizer que se está ligado ao novo, não importando para tantos o que essa novidade represente; por outro lado, psicologicamente, o ser humano tende a confundir e crer que “se é novo é melhor”, desta forma, se é melhor é moderno.

Exemplos de novidades que se confundem com modernidade não faltam: a pílula da felicidade (Prozac, Viagra, Sibutramina...); objetos dos sonhos (Mac, Ferrari, Rolex...); a extravagância dos gostos (Prada, Primeira Classe, Cristal Brut...); tudo é novo, porém nem sempre moderno. Mas então, o que é ser moderno afinal?

Para alguns a modernidade é algo que se vive a partir do século XVII, incorporando as pessoas o modo de vida ou organização social europeu daqueles anos; para outros a modernidade está ligada a racionalidade econômica política e cultural, significando um aumento de eficácia desses fatores, em evidente conceito funcional, ou seja, a sociedade moderna seria aquela que funciona melhor que as antigas sociedades tradicionais, que precederam a renascença.

Porém, cremos que a modernidade está ligada a um fator específico, qual seja, a autonomia do indivíduo, ou seja, uma sociedade moderna não é apenas aquela onde seus sistemas funcionam com eficiência tecno-racional, mas sim, quando seus indivíduos possuem maior campo de expressão e autonomia subjetiva.

Desse modo, ser moderno é acreditar que sob o ponto de vista econômico, o indivíduo possa ter acesso ao trabalho, aos bens e serviços que necessite, sem que isso represente explorações ou injustiças, onde uns se sobreponham aos outros em dominação; de modo que a autonomia de uns não signifique a escravidão de seu semelhante; onde o planeta não arque com a conta do consumo desenfreado e a acumulação desnecessária, resultante do esgotamento de seus recursos.

Já sob a ótica política, ser moderno representa o exercício de uma cidadania ativa, num estado democrático de direito e consagrado pelo respeito aos direitos fundamentais do ser humano.

Por fim, ser culturalmente moderno é acreditar no livre uso da razão, crendo que o indivíduo não necessita de tutores que lhes diga o que pode ou não ser imaginado ou criado, tendo direito a produção e acesso a todas as formas de manifestação cultural.

Desta forma, ser moderno é também acreditar que “as barreiras imaginárias que separam os povos” devem ser rompidas; universalizar-se econômica, política e culturalmente é atravessar os limites que inviabilizam uma sociedade cosmopolita, esta capaz de ver no outro a si próprio, comungar de ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, conceitos que valeram a reconfiguração das sociedades contemporâneas; universalizar valores humanos é um conceito que vai além de globalizar os negócios, a produção e as redes de comunicação.

Fazer política num primeiro momento, portanto, é um processo de busca da realização da modernidade, esta não totalmente acabada, conforme os ideais preconizados em sua fundação; destarte, é papel do representante político perseguir o caminho da emancipação do ser, fora dessa perspectiva, o que resta são caprichos pessoais, manifestações privadas e seu distanciamento da representação que lhe é dada.

Em momentos de globalização, onde o tempo e espaço se confundem, onde as diversas expressões se apresentam em visível intensidade, o papel do representante político é de agenciar o direito às diversas manifestações, portanto, de mover-se no sentido de uma política que garanta as mais distintas manifestações e seus espaços de interlocução.

O respeito às identidades, independente de gênero, raça, posição social ou cultural deve ser o norte perseguido, sem que, contudo, essas identidades sirvam como instrumento de afastamento de uma unidade desejável; cabe ao agente político atuar na garantia à coexistência das maiorias com as minorias, vendo no outro, independente de valores religiosos ou morais, uma pluralidade social; esse é o papel do agente político moderno, mediar o diálogo entre os falantes e, através da elaboração das leis expressar um denominador comum entre eles, ou seja, realizar como valor comum os ideais de consenso de determinada comunidade.

“Universalizar não significa abolir diferenças, e sim lidar com as diferenças de modo compatível com valores universalistas” (Rouanet), portanto, identificando cada qual seus valores, porém, fazendo com que esses componham um mosaico plural, assim como é a sociedade.

A política não pode ser voltada somente às maiorias, como também, não pode ser dirigida para atendimento exclusivo das minorias, sob o risco de se jogar em guetos de segmentos sociais determinados comportamentos, ideias e práticas. A política deve ser a expressão do coletivo, dos diversos subjetivismos, que agregados por valores comuns maiores, formam um todo significativo da realidade que existe, o consenso.

O consenso desejável, não surge da concordância estratégica, subimissão ou mera afinidade, é fruto do inicial dissenso, porém, debatido e apreciado sob as luzes dos argumentos racionais; desta forma, o consenso é fruto do dissenso amadurecido, pela troca de expectativas, desejos e interesses, construído através de um diálogo sincero e horizontal entre os membros da sociedade.

Nessa perspectiva mediadora, conforme o modelo brasileiro, em âmbito municipal, não só os cidadãos, mas também e principalmente com poderes instituídos, surge a figura do vereador, votado e escolhido pelos membros da sociedade local, portanto, dotado de legitimidade, torna-se encarregado e representante dos compromissos assumidos com sua comunidade.

A Câmara, fonte originária das leis municipais, deve ser a caixa de retorno das vozes populares, expressando com transparência o cumprimento dos compromissos firmados durante a campanha eleitoral. A vereança não deve só honrar suas propostas, como também, após o processo eleitoral manter aberto os canais de comunicação com os cidadãos; mais que isso, deve ampliar com práticas pró-ativas a capilarização desses caminhos e o debate permanente.

Ser vereador é ouvir mais pelas ruas que ser ouvido na tribuna da Câmara, muitas vezes em discursos enfadonhos ou elogiosos, cínicos e estratégicos; cabe ao representante municipal voltar-se sempre aos apelos da sua comunidade, não importando se essas vozes venham de lugares que porventura não se seja seu reduto eleitoral.

Uma vez eleito, o vereador embora mantenha vínculos com seu eleitorado privado, todavia, torna-se representante de toda a comunidade, desta forma, saúde, educação, moradia, trabalho, assistência social, segurança, ordenamento e ocupação dos espaços públicos e tantos outros temas, deixam de ser propostas para ganhar a rubrica de realização comum e, pelos próximos quatro anos que virão, não pode haver outras preocupações senão estas.

Após eleitos os vereadores passam a ter um compromisso de servir ao povo, com denodo, responsabilidade e transparência; contudo, e acima de tudo, com a disposição de sempre mediar as necessidades, expectativas e interesses da população, entre agentes públicos e/ou privados, além de garantir o espaço de permanente expressão popular na casa legislativa municipal.

Desta forma, a escolha dos representantes à Câmara Municipal ganha significância e significado e se afastam de propostas vazias, que não vão além de slogans que pouco ou nada expressam: “o amigo de sempre”, “o melhor”, “o novo”, “o moderno”, “a mudança”.

A modernidade trouxe um novo conceito de poder, cunhado sobre a plataforma do contrato social, afastando as predeterminações cósmicas e divinas, o que viabiliza o apossamento pelo cidadão dos rumos que pretenda dar ao seu destino, oportunidade inabdicável, penalizada com o abandonar da própria cidadania.

Votar num vereador compromissado com a modernidade possibilita avançar na construção da democracia real; ainda que audaciosa a proposta, se considerada em termos meramente locais, entretanto, os valores ora apresentados se aplicam de forma global e devem ser defendidos em todas as instâncias (município, estados e país); construir uma sociedade universal não é algo que se realize a partir de paradigmas internacionais, mas de microtransformações locais, que difundidas, se alastram e contaminam como vírus as demais esferas de poder.

Globalizar e universalizar a democracia são processos que demandam envolvimento e atividade participativa, não importando o nível de poder que se pretenda discutir; desta forma, a escolha de um vereador se torna tão ou mais importante que a escolha do prefeito, do governador ou do presidente, afinal, o que está em jogo não é o grau do poder, sob um ponto de vista hierárquico, mas sob a ótica da construção da democracia, a participação do cidadão na escolha do seu destino.  

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