Nada como vez
por outra você tomar um tropeço, um susto, um revés, para saber quem realmente
está ao seu lado; saber com quem você pode contar “na alegria e na tristeza, na
saúde e na doença” – atenção, esse compromisso não é de casamento, mas
de solidariedade e companheirismo por uma jornada de vida, tacitamente posto,
quando definimos amigos.
O que não nos
mata nos fortalece, Nietzsche foi cirúrgico nessa observação; concordo justificando
mais um pouco, que uma das dimensões de nosso fortalecimento está na sabedoria
que adquirimos, através de nossas experiências e dissabores, que forja quem
somos e nos revela.
Ao descobrimos
quem somos, também descobrimos de que fomos feitos, o que nos influencia e nos
transforma e, nossos amigos fazem parte desses elementos, influenciadores e
transformadores de nossas identidades.
Aos amigos
dedicamos partes de nossas vidas, corolário de sacrifícios e alegrias; amizades
alicerçadas somente nos momentos de prosperidade, na verdade se revelam pura
companhia de atividades, instrumentos de prazer, porém, longe de serem amizades
verdadeiras, transformam-se em conhecimentos, em relações meramente sociais,
portanto, se não há cumplicidade, dedicação extremada e doação sem espera de
retorno, não há que se falar em suspeição por envolvimento afetivo intenso, é
contraditório com a própria definição de amizade. Embora controverso quanto a
sua autoria, o provérbio popular é lapidar para uma definição precisa de doação
à amizade: “Aos amigos tudo! Aos indiferentes, a lei”.
Nossos amigos
não têm defeitos, e se alguém tentar encontrá-los deve ser rechaçado, ambos,
defeitos e desafeto; a gente não espera dos amigos neutralidade, mas imparcialidade;
o compromisso de provar vícios deixamos para os outros; declarações de suspeições que nos comprometeriam, todavia,
até isso para nós não importa, porque os amigos são exatamente amigos, e o são,
porque são considerados ab initio
dignos e honrados; pelos amigos não nos importamos com o que digam ou pensem
sobre nossa opção defensista, nossos amigos sempre valem o preço a pagar.
As pessoas não
precisam perder a dignidade para ajudar os amigos, para isso bastam ser
honestas; porém, se por mera hipótese, o amigo for encontrado em falha, então,
é dever do outro amigo indicar o melhor caminho a seguir, fora disso qualquer
justificativa pode até ser confundida com covardia ou mesmo um indevido lavar
de mãos; se não for assim, fora dessa cumplicidade, não há amizade suficiente,
portanto, não há o que justifique uma declaração de suspeição, parcialidade e
comprometimento pessoal, porque na verdade não há amizade, quando muito uma
proximidade social, fruto de um relacionamento estratégico-instrumental.
Em conflitos que envolvam amigos comuns
só há duas opções: ou se fica do lado dos dois, mediando a paz necessária, nem
que isso leve uma, duas, dez vidas pela frente, ou se abandona o que não é
amigo, permanecendo fiel ao remanescente; é nessas horas que também se revelam
os “verdadeiros amigos”.
Enfim, como
diria minha avó, amigo não é aquele que come churrasco com você, mas aquele que
te ajuda a botar um quilo de sal para dentro e ainda fica feliz na empreitada.
Finalizando,
apenas como ilustração, recordo de uma estória contada por um advogado que
conheço: lá pelos idos do Golpe Militar de 64, esse advogado foi levado a
julgamento por prática de crime atentatório à “segurança nacional”, obviamente,
assustado no momento de sua audiência, teve um súbito conforto quando viu que
na cadeira do juiz sentava-se um amigo, dos tempos de faculdade; conta o protagonista
que seu coração desacelerou, o suor de sua testa secou e que até seu intestino
lhe deu um pouco de trégua, todavia, logo ao deparar-se com o magistrado, qual
não foi sua surpresa, ao ouvir de seu julgador que este se declarava suspeito,
“pela amizade que possuía com o acusado”.
Conta o advogado,
que após uma breve reflexão pediu a palavra por uns poucos segundos na condição
de acusado, o que foi concedido pelo tão liso e puro juiz, quando então lhe
disse o réu: “fique tranqüilo excelência, por duas razões: primeiro, a mera
possibilidade de me julgar, com base numa lei de exceção, bem como, a sua
‘declaração de amizade’ já são provas suficientes que o senhor jamais seria meu
amigo; segundo, se Vossa
Excelência em algum momento ficou em duvida, entre a amizade e a judicatura,
fique tranqüilo, não se penitencie, o senhor é muito melhor juiz que amigo”.
Nosso
réu-advogado foi retirado da sala de audiência e posteriormente julgado, por um
desconhecido, que lhe condenou pela subversiva prática de distribuição de panfletos.
Neste caso, a sentença foi prolatada por um juiz imparcial e não houve a
influência de nenhum amigo que pudesse comprometer a justiça e muito menos, o
magistrado.
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