O noticiário na Rede me apresenta essa semana uma matéria merecedora de reflexões, que certamente não se esgotará nesse descompromissado post; me refiro ao caso do jovem chinês que vendeu um rim para comprar computadores (Leia a notícia aqui) .
Não sei se me choca, ou se já sabia de alguma forma que essa notícia surgiria um dia, afinal, numa sociedade que tudo tem valor econômico, a vida ou pedaços dela não fugiria a regra; se vender a “alma ao diabo”, numa alusão a trair nossos princípios, já é coisa mais que comum, por que também não vender o corpo à satisfação do consumo?
Quem vende seu corpo e já entregou seu espírito ao consumo, não tem mais o que negociar nessa vida, Ipod I, II, III...; Mac I, II, III...; grife A, B, C... O que nos tornamos afinal, o que permitimos que fizessem conosco?
Inocentes presentes natalinos, de aniversário, do dia das crianças, dos namorados, do pai, da mãe e, ainda amanhã, Páscoa, nos colocaram em uma linha infinita de consumo, que termina na pontuação anual de cada término de calendário, reiniciando imediatamente no primeiro dia seguinte, cada vez com mais datas especificas que devem ser recordadas através do consumo de algo em especial.
A especialíssima comida do Natal, a roupa do Ano Novo, o sapato da ocasião, até a educação tem seu momento de compra de livros escolares no inicio do ano, e muitas outras datas seguem o mesmo caminho; muito bem definida cada ocasião, tudo tem uma data de consumo idealmente elaborada, para que não se sobreponham excessivamente recursos e se divida antropofagicamente o consumo, ameaçando o equilíbrio da roda que gira se parar.
É o que somos, consumidores contumazes, uns um pouco mais, outros menos, todavia, não negamos o nosso destino, não restou muito em nossa sociedade senão o consumo.
Nossa cultura é a do prazer imediato, a música tem pouco mais de três minutos, tempo suficiente para se gravar um refrão; nossos filmes invariavelmente são de duas horas, tempo adaptado às salas de cinema para que haja rodízio de espectadores com razoável previsão do negócio; a internet nos relaciona em lacônicos 140 caracteres, mais que isso seria perder tempos com detalhes desnecessários ao consumo de fragmentos de notícias; somos vorazes consumidores da velocidade, nossa comida é a da entrega expressa, não diferente são nossas relações sentimentais e sexuais, “ficamos” envolvidos pelo tempo suficiente ao surgimento de alguém novo, adquirimos nossos relacionamentos como se já a espera de um modelo de série que sairá da fábrica em um período programado, enfim, reproduzimos nosso consumo do luxo ao lixo, ostentamos e descartamos com o mesmo sentimento desprendido de valores e afetos.
Talvez por isso não me choque tanto o fato de um jovem de 17 anos vender um de seus rins para compra um iPhone e um iPad; já era comum se ouvir na Rede que existe um mercado internacional de tráfico de órgão humanos, muitas vezes desacreditado quanto a sua existência, todavia, nada absurdo ou impossível de viabilidade, entretanto, o que chama a atenção desta feita é o fato do voluntário oferecimento do corpo, ou de um pedaço dele, em troca da satisfação imediata do consumo através de um produto específico, que a propósito, ficará superado tecnologicamente no máximo em um semestre, quando for lançado um novo modelo do produto, com recursos “indispensáveis” para uma vida feliz. Uma pena para o jovem Wang, que não terá outro rim para trocar pelo lançamento, o certamente lhe fará uma pessoa infeliz.
4 comentários:
boa cara, gostei. Farei uma redação a partir de algumas ideias do seu post!
Agradeço as palavras, ainda que não saiba quem seja :-)
Muito bom seu texto, parabéns!
Muito boa a tua percepção! Ótima crítica à sociedade de consumo!
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