Minhas opiniões e publicações, expostas neste espaço, são reflexões acadêmicas de um cidadão-eleitor, publicadas ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão

"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

10 fevereiro, 2012

Carta a “D. Estela”

Permita-me ser um intrujão nessa conversa de gente especializada, entretanto, para ser fiel aos meus princípios, que larga o sarrafo no Alquimim quando invade a Cracolândia como quem ocupasse a Linha Maginot francesa; ou que acusa de homicídio qualificado as “brincadeiras” de tiro ao alvo (sniper) do BOPE durante operações nas favelas do Rio de Janeiro; também não poderia deixar de aportar o meu dedo em sua direção.


“D. Estela”, a senhora bem sabe que toda forma de protesto implica em certa desarrumação da casa, dito de maneira mais formal, tirar o poder da sua zona de conforto para obrigá-lo a tomar decisões, de certo não convenientes, senão, já teriam sido consideradas e procedidas de antemão, assim, sempre há um viés de trauma que dificilmente não é atingido em qualquer agir reivindicatório; desse modo é que se manifesta todo movimento grevista, de certa forma traumático, desconfortável e desarrumador do status quo, principalmente quando deflagrada no seio do poder público, porém, muitas vezes necessário para se atingir negociações relevadas e relegadas para um dia seguinte, que por vias burocráticas não costuma chegar.


Imaginar uma greve sem causar o mínimo de transtorno e prejuízo ou é ingenuidade ou com o perdão da palavra, burrice mesmo, coisa que a senhora não é em nenhuma das duas situações adjetivadas, até porque, com sua formação militante, como poucas conhece o poder da “paralisação dos meios de produção” como instrumento de pressão para a conquista de reivindicações oriundas das relações de trabalho.


Por outra ótica, enveredar pelo discurso fácil e demagógico de que existem setores, serviços e funções, que por serem “essenciais” não podem paralisar suas atividades, também não lhe cairia bem; essa fala remete a algumas reflexões sobre essencialidade do trabalho, ou seja, tirando os artesãos do centro da cidade, camelôs, flanelinhas, aposentados e outros poucos mais, de atividade não tão “necessárias”, fica a pergunta: quem ou o que não é essencial numa sociedade complexa?


É certo, que ao contrário do Corpo de Bombeiros, os policiais civis e militares não gozam lá de grande carinho e admiração por boa parte da população; diversas vezes extorquida e desamparada por essas forças públicas, a sociedade vê-se nessas horas diante da “cruz e da caveirinha”: apoiar reivindicações justas e necessárias, ou aproveitar dessa deslegitimidade para depurar ressentimentos; mesmo aqui vai um comentário leniente: quem nunca ouviu falar de médicos que vendem prótese sem necessidade, de advogados que negociam o direito de seus clientes, de dentistas que obturam o mesmo dente várias vezes sem necessidade, engenheiros que constroem prédios com areia de praia e assim vai, longa é a lista, todavia, não podemos prescindir dos bons, ainda que sejam poucos, também não merecem o desrespeito pelo negativo legado de seus pares de profissão.


Enfim, causa espanto cotejar sua biografia política, sua prática e fala atual diante da greve dos Policiais Militares da Bahia (e de outras que parecem surgir), reproduzo pontualmente, algumas frases, que se for o caso, aceito a crítica de uma descontextualização, porém, vindo da boca da senhora tornam-se estranhas e contraditórias face sua formação militante: 1) "Se anistiar, aí vira um país sem regra"; 2) "Não concordo em alguns casos, de maneira alguma, com processo de anistia que parece sancionar qualquer ferimento da legalidade, não concordo e não vou concordar"; 3) "Não considero que aumento de homicídios na rua, queima de ônibus, entrada em ônibus encapuzados, sejam uma forma correta de conduzir o movimento"; e 4) "Há outros interesses envolvendo toda essa paralisação".


“D. Estela”, ombreio-me as suas palavras, também não acoberto a extorsão como instrumento de pressão, todavia, diferentemente da senhora não acredito em tudo que passa pela grande mídia nacional, até porque, a senhora bem sabe, que boa parte do que se apresenta por lá costuma passar primeiro pelos gabinetes de seus aliados antes da divulgação, que dão o tom necessário para cada ocasião.


Prezada “D. Estela”, creio que já balizei o caminho que pretendia percorrer, falar mais seria chover no molhado, a interpretação, portanto, é livre e fica a seu cargo, entretanto, gostaria de encerrar essas mal traçadas linhas com a lapidar conclusão de Mikhail Bakuniun: "Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Esta minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana."

Nenhum comentário: