Minhas opiniões e publicações, expostas neste espaço, são reflexões acadêmicas de um cidadão-eleitor, publicadas ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão

"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

29 setembro, 2011

“Princípio da necessidade fatal” - Todo mito tem um preço a pagar

O imaginário coletivo, produzido, instigado ou alimentado pela indústria cultural, não raramente se esboroa diante dos fatos; acontece, que a realidade nem sempre coincide com as figuras míticas forjadas nas telas, telinhas e telões da indústria cinematográfica; não poderia ser diferente no caso da série que consagrou em específico, um grupamento da Polícia Militar do Rio de Janeiro

O “Capitão Nascimento” – que embora não exista de fato – “osso duro de roer”, desenhados com contornos de herói tupiniquim, comandante de uma “tropa de elite”, serviu de inspiração para muitos, naquilo que passou a ser a resistência contra o crime organizado, expresso inicialmente nos favelados e miseráveis traficantes (Tropa I), ou nos organizados milicianos, fardados, engravatados palacianos (Tropa II); herói de fato, aplaudido no uso de “técnicas” recrimináveis, sob o ponto de vista da legalidade e cidadania, entretanto, encontrou sua legitimidade no “interesse maior da sociedade”, velha fórmula desgastada através da história, para justificar todos os abusos cometidos pelo personagem.

Embalado em empolgante trilha sonora e no prestigio popular, atingido após as duas edições de suas estórias romantizadas, onde os personagens foram apresentados como verdadeiros neo-espartanos combatentes, o Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro, o BOPE, passou a ser um ideal policial para a grande massa da sociedade, símbolo de fetiche, fazendo-se detentor de única alternativa ao caos instaurado no sistema de segurança.

Homens viris; forjados nos mais duros treinamentos diários; batizados com o sangue e a pólvora do combate das ruas; fardados na suposta neutralidade política, tal como a cor de seus uniformes; e, simbolizados pela insígnia da faca encravada na caveira, os “homens de preto” que tem como missão, “entrar pela favela e deixar corpos no chão”, passaram a habitar um ideal coletivo de última esperança contra o mal.

Mas entre o filme e o fato, há muito mais distância do que se pode perceber ou se permita deixar ver. Não é novidade a utilização de simbolismos ou personagens épicos que concentre toda força dominadora da natureza ou redentora dos combalidos; de Apolo, guia do sol na sua trajetória diária, até o Capitão América, herói da modernidade patriótica, sempre há o mito, todavia, o que normalmente os contadores de suas estórias deixam de mostrar é o “princípio da necessidade fatal, que traz a desgraça aos heróis míticos e que se desdobra a partir da sentença oracular como conseqüência lógica formal” (ADORNO, Dialética do Esclarecimento). Todo mito tem um preço a pagar.

As recentes notícias que circulam, dando conta do envolvimento do Tenente-Coronel Claudio Luiz Silva de Oliveira, acusado de ser o mentor intelectual da morte da juíza Patrícia Acioli, em decorrência, tendo sido decretada sua prisão cautelar; bem como, conforme também noticia a imprensa, seria o Ten. Cel. líder de uma rede criminosa instaurada atrás dos muros do 7º Batalhão da Polícia Militar, em São Gonçalo/RJ; ainda conforme a imprensa, beneficiado pelo instituto da “delação premiada”, um cabo PM, subordinado do referido comandante, teria revelado uma extensa rede de crimes, enumerando corrupções, assassinatos e partilhas, daquilo que nominou de “espolio” dos objetos apreendidos, nas operações realizadas por aquela Unidade Policial Militar. É parte do preço devido pelo mito.

Em comum com mais esse lastimável episódio, os “homens de preto” se esbarram com o Ten. Cel. investigado, por força de sua qualificação especial; de forma emblemática, o oficial é mais um dos formado nas fileiras do BOPE que apresenta possível “desvio de conduta” (de fato, pela décima terceira vez é investigado por suposto envolvimento desviante); por fim, registre-se, a prática do atual governo do Rio de Janeiro em indicar oficiais com formação nesta Unidade Especial, medida legitimadora dos comandos de batalhões, entretanto, ao mesmo tempo, nomeando subcomandates sem essa formação cinematográfica, o que na prática policial representa que os segundos são os encarregados diretos pela parte operacional. O brilho das estrelas hollywoodianas ainda encanta a assistência emocionada, tal como John Wayne fazia nos filme do velho oeste.

Caminhando para o fim dessa breve exposição, a questão não se trata de desmoralizar ou denegrir a imagem da instituição de forma simplista e simplória, muito menos, generalizar condutas ou apagar méritos que possa haver na sua concepção ou no caráter de seus agentes; o que está em jogo é a desmitificação de heróis forjado em torno de um imaginário, produzido a serviço do poder estabelecido, que, de forma seletiva, indica inimigos a se perseguir, ainda que muitas vezes isso possa significar o uso de métodos criminosos para obtenção de seu resultado. Não, o Estado não pode ser criminoso, igualando-se àqueles que julga combater, sob pena de cair numa contradição performativa, ou seja, tudo aquilo que dizem combater é exatamente aquilo que praticam.

No Estado de Direito a regra da lei é inflexível, ainda que os discursos emocionais, fabricados de forma tendenciosa e oportunista, muitas vezes encubram seus reais objetivos. Com lema bastante sonoro e rimado, o BOPE tem seu refrão, “pega um pega geral, também vai pegar você”, porém, prestigiando-se tal ilusão de “justiça”, acaba-se autorizando comportamentos outros que em dado momento se voltam contra a própria sociedade.

O BOPE não tem culpa pela morte da juíza Patrícia, mas tem culpa por inúmeros outros crimes praticados “em nome da lei”; o possível envolvimento do Ten. Cel. demonstra que a simples esperança mitológica na formação dos “homens de preto”, não justifica a emissão de um “cheque em branco” para qualquer tipo de prática, sob pena de um dia todas as práticas criminosas, que hoje já se exercita contra os “escolhidos” do sistema, se voltem contra toda a sociedade; se hoje a seletividade criminal já não pode ser admitida, ao contrário, deve ser repudiada, a generalização e expansão desse universo nos encaminham à barbárie.

23 setembro, 2011

Porque não vou ao Rock in Rio 2011

Woodstock representou entre tantos significados, um movimento contracultural de resistência a um domínio imperial, pretendido a se instaurar no mundo a partir de uma disputa bipolar, envolvendo dois eixos ideológicos, capitaneados pela então URSS e EUA, que buscavam expansão de suas influências hegemônicas, nos idos da sexta década do século passado.

Um bom argumento sobre a história do evento pode ser encontrado no filme, “Aconteceu em Woodstock”; também não faltam informações disponíveis na própria internet; particularmente recomendo o filme, lá se pode entender todo o processo de realização do encontro, sem que, contudo, o principal personagem tenha assistido a uma apresentação sequer. Fica a dica para o fim de semana, para você, que também não vai ao RR 2011.

De 1969 pra cá, todos tentam de alguma maneira copiar a fórmula aglutinadora, que na ocasião, reuniu mais de meio milhão de pessoas numa fazenda, no interior do estado de Nova York, para assistirem a um festival inicialmente anunciado como "Uma Exposição Aquariana: 3 Dias de Paz & Música", mas que, porém, não conseguem o magnetismo que estava presente na ocasião.

Também pudera, como reunir novamente num só evento, gente do calibre de Janis Joplin, Creedence, Santana, The Who, Joe Cocker, Johnny Winter, Edgar Winter, Jimi Hendrix, além de outras duas dezenas de não menos especiais músicos, bandas e cantores; isso sem contar as próprias condições históricas, que motivavam as cabeças transformadoras e encaracoladas dos hippies e alternativos.

Nessa busca pelo inatingível, surgiu o Rock in Rio, lá na década de 1985, organizado por Roberto Medina, empresário do meio artístico, que conseguiu com um projeto audacioso reunir um público total estimado de 1,5 milhões de pessoas, que embora expressivamente maior que Woodstock, representavam os vários públicos dos nove dias do evento.

As bandas, cantores e músicos na sua primeira edição foram escolhidos com um padrão e critério, bastando ver as atrações que se apresentaram: AC/DC, Iron Maiden, James Taylor, Ozzy Osbourne, Rod Stewart, Yes, Barão Vermelho, Os Paralamas do Sucesso, Eduardo Dusek, nomes que servem para mostrar o “naipe” do encontro.

O Rock in Rio I, tinha esse espírito inicial, embora não nos enganemos, a família Medina arriscava em mais um negócio, desta feita, num empreendimento realmente grande, também não tenho dúvidas em afirmar, que eles imaginassem as proporções comerciais consagradas na magnitude atual; por outro lado, de forma crítica, não podemos perder a perspectiva do negócio que se formou, próprio da “indústria cultural”, já denunciada por Adorno e Horkheimer na década de 1944 (“O que é o esclarecimento”), é nisso que se transformou o Rock in Rio, nada além de um grande show, com vários e vários artistas, dos mais diferentes segmentos e estilos, portanto, feito para agradar a todos, porém, sem uma identidade.

Observando a grade de programação do RR 2011, me assusto ao ver misturado em uma só “pajelança”, nomes como os de Claudia Leite, Elton John, Rihanna, Sepultura e Stevie Wonder, só para ilustrar. Sem preconceitos, mas o que falta ai é identidade com o rock, isso não tem cara de festival de rock, é um grande encontro, que para ser encarado, deve-se usar no mínimo de uma seletividade identificadora, o que por suas proporções e distribuição pelos diversos dias, fica impraticável diante de um custo não tão barato.

O RR 2011 é isso, vários artistas, concentrados em um só momento, em um só lugar, porém, que sequer uns saibam da existência da “obra” dos outros, lhes falta um objetivo comum, pior, existe um único objetivo, cahês polpudos pagos pela mega organização do evento, que já na origem tinha o mesmo propósito, mas que com o passar dos anos, se deixou seduzir pela parceria existencial com a Rede Globo, influente instrumento da mídia nacional, capaz de paralisar uma cidade inteira para garantir seus ganhos, até porque, num círculo autoreferencial, a Globo cria o evento, convence que é bom, trafega nas vias do poder público e depois vende em embalagem platinada e esterilizada seu produto.

Não é saudosismos ou revive de um Woodstock, que não acontecerá mais, mas é por pura coerência com a própria história do rock e seu significado libertador de toda uma geração, que tolida de sua expressão usava da música e da arte em geral, para expressar suas angustias pela paz, pelo amor e pela liberdade. É por isso que encho a boca para dizer “Eu não vou ao Rock in Rio 2011”

17 setembro, 2011

Vocês conhecem o Clarimar?

Com 83 anos, pilotando sua Harley-Davidson, modelo Electra Glide ano 78 - devidamente equipada com uma marcha ré - nosso amigo Clarimar é o motociclista em atividade mais antigo no Rio de Janeiro, isso porque, desde 1947, quando comprou sua primeira Harley na então Mesbla de Niterói, não mais abandonou o “vício”, passando a registrar desde então, mais de 80 mil quilômetros percorridos pelas estradas asfaltadas e da vida.

É assim que se define Clarimar, que já teve entre outras, uma Panhead Harley e uma Deluxe 1600 cilindradas mais recentemente: “Ando de moto desde os 16 anos. Hoje, quando subo na moto, esqueço que tenho 80 anos. Parece que voltei a ser jovem. Me transformo em jovem de novo”.

Pois é, além de “harlista’, Clarimar me traz outra profunda e deliciosa recordação. Nosso eternamente jovem estradeiro foi parceiro de motocicleta do meu pai, numa época em que a diversão dos motociclistas era passar com uma Harley, de mais de 300kg, por sobre os trilhos dos bondes pela maior distância possível; numa época que se fazia graça trocando piloto e passageiro com a moto andando, em plena praia de Icaraí, só para chamar a atenção das meninas, que enlouqueciam com os loucos audazes; numa época que se saia para um fim de semana sem destino e esse fim de semana nunca terminava.

Hoje dei novamente um abraço no Clarimar, foi lá no café da manhã da Rio Harley-Davidson, no Recreio dos Bandeirantes; lúcido como sempre, não deixou de falar do seu “parceiro predileto”, meu querido Ozéas (pai); foi uma manhã especial para mim, matei a minha saudade, na saudade viva que me abraçou. Retrocedendo no tempo podemos constatar que o tempo não passa, mas as pessoas é que transitam por ele, porque as histórias se repetem, as paixões são as mesmas e, as memórias se materializam nas amizades que deixamos.

09 setembro, 2011

Dez anos que não se passaram

Depois de amanhã, muita gente vai postar várias observações quanto aos dez anos do onze de setembro; o que já está acontecendo nos principais portais da internet.

Nos mesmo dez anos passados, li um texto que me causou um impacto semelhante ao impacto nas torres gêmeas, mas que, porém, mesmo depois de tanto tempo, continua reflexivamente atual.

Não vou esperar dois dias, até porque acho que o Fritz Utzeri merece certo destaque.


Jornal do Brasil - 17/09/01-FRITZ UTZERI

Quem cria lobos...

''Mamãezinha, minhas mãozinhas vão crescer de novo?'' Jamais esquecerei a cena que vi, na TV francesa, de uma menina da Costa do Marfim falando com a enfermeira que trocava os curativos de seus dois cotos de braços. Era uma criança linda, de quatro anos, a face da inocência martirizada e que em seu sofrimento não conseguia imaginar a extensão do mal que lhe haviam feito. Não entendia e ainda tinha esperanças.

E não era caso isolado. Milhares de crianças daquele país foram selvagemente mutiladas por... (como qualificar quem faz isso?) ...em conseqüência de mais uma guerra, resultado tardio do colonialismo, ao criar na África países inviáveis abrigando etnias rivais, exacerbadas pelos colonizadores e massacrando-se com armas que sua gente não produz, vendidas por americanos, russos, europeus, israelenses e outros ''civilizados'' de boa consciência e que avaliam seus lucros em lugares como o World Trade Center. Isso para não falar do Pentágono.

Justifica-se um atentado terrorista como o de Nova Iorque? Jamais! Temos visto, dia após dia, pela TV, cenas de destruição, tristeza e desespero. Os aviões continuam entrando nas torres provocando uma espécie de anestesia e de vidogueimezação muito comuns à nossa era eletrônica e voyerista. Fala-se em ''ataque à civilização'' e dá frio na espinha ouvir o semitonto presidente Bush falar em ''eliminar'' nações. Estamos todos tristes, mas tristeza e indignação são grandes porque os atentados ocorreram em Nova Iorque. Já estive várias vezes naquelas torres como turista ou a trabalho. Não gostava delas, mas eram uma referência. É estranho imaginar que não estão mais lá. Dói.

Mas veja uma foto de Cabul, a capital desse Afeganistão mártir de guerras que não são suas e vítima do mais terrível fanatismo religioso. É uma ruína só. Parece aquelas cidades arrasadas na Segunda Guerra, para não falar de Hiroshima e Nagasaki. Mas como em Cabul não há Quinta Avenida nem Central Parque, e como ninguém vai lá comprar tênis, videogames ou dar uma esticada depois de passear na Disney, ninguém se lixa para os milhões de mortos que quase 30 anos de guerras infringiram àquele triste lugar.

A verdade verdadeira é que não somos todos iguais. Uma bomba em Nova Iorque, em Londres ou em Paris desperta a dor do mundo. Mas quando tutsis e utus se trucidam em Ruanda, e morrem 1 milhão de africanos numa guerra, o assunto é pé de página dos jornais e os negócios das industrias de armas continuam de vento em popa. Que tal fazer cadeia mundial da CNN para mostrar freiras e padres negros mandando homens, mulheres e crianças entrarem em igrejas e depois darem gasolina para que soldados de etnia inimiga toquem fogo e assem todos vivos? Quem sabe aí o sangue de um negro, de um afegão ou de palestino possa se aproximar um pouco do valor do sangue ''civilizado''?

A grande verdade é que o mundo em que vivemos foi largamente forjado por essa ''civilização'' que agora se diz atacada e clama contra a barbárie. Quem cria lobos não espere viver com ovelhas. Bin Laden é made in USA, treinado e financiado pela CIA. O mesmo vale para o Talibã, milícia perversa e ginecófoba. E quem criou Saddam Hussein, hoje inimigo mortal dos americanos? Quando geraram esses lobos, durante a Guerra Fria, para lutar contra uma ideologia política, os alquimistas da inteligência (?) americana alimentaram uma ideologia religiosa e soltaram o diabo da garrafa. E agora?

Ao longo da história, o homem ''civilizado'' globalizou todas as suas mazelas. A Europa nos explorou vergonhosamente. Ouro do Brasil e prata da Bolívia financiaram a revolução industrial a custo zero. Exterminaram povos que aqui viviam, escravizaram milhões de africanos e chegaram a fazer guerra aos chineses para obrigá-los a fumar ópio. O século 20 foi uma seqüência de genocídios. Em nosso continente uma sucessão de ditaduras sangrentas, sustentados pelo Big Stick, só geraram morte, fome, injustiça social, atraso e dependência. No Oriente, essa política arrogante e predatória transformou o islã, uma religião de paz e tolerância, dando origem a um fanatismo doentio e letal que não encontra guarida ou justificação no Corão, envolvendo parte dos muçulmanos numa ''guerra santa'' (Jihad) de pobres contra ricos, pessoas dispostas a imolar-se e que acreditam numa recompensa eterna por seus atos. Eles têm uma fé, por mais doentia que seja, e dão a vida por ela. O que temos nós a contrapor a gente assim? Nós, hedonistas, materialistas, cínicos e poderosos. Cristãos de nome, mas incapazes de aprender ou de seguir um só versículo do que disse Jesus. O que nos tornamos? Que mundo construímos?

Na era da globalização, em que o neoliberalismo institui o deus mercado que tudo resolve, surgem os efeitos demonstração. Primeiro: o Estado é fraco, impotente. É possível hoje a um grupo de indivíduos determinados pôr de joelhos o maior poder sobre a Terra. Basta saber pilotar, arranjar alguns estiletes, armas vulgares, de revolta de cadeia e dar início ao apocalipse. Quem é o inimigo? O que vai fazer Bush? Arrasar o Afeganistão? Matar centenas de milhares de inocentes? Invadir o Indo Kush, onde se refugia Bin Laden e levar à morte milhares de jovens americanos? Indo Kush quer dizer matador de indianos. Ali, ao longo dos séculos, desapareceram impérios inteiros. Foi nessas terras quase lunares que Alexandre enlouqueceu e morreu acreditando-se um deus.

O segundo efeito é a globalização da guerra. Desde a batalha de Gettysburg, na Guerra Civil, que os Estados Unidos, não sabem o que é ter conflito em casa. Para eles a guerra só chegava pelo cinema, pela TV, como no Vietnam, ou ainda pelas bandeiras envolvendo os caixões dos jovens soldados mortos além mar. Cresci com minha mãe contando como corria para salvar-se de 1.500 bombardeiros americanos e ingleses que vinham despejar sua carga assassina contra Berlim em 1944. Três vezes por dia! Era horror puro. O mundo estava em guerra, o nazismo era o mal absoluto e tinha de ser erradicado, mas os aviões não queriam aniquilar chefões nazistas, tropas ou objetivos militares. Queriam era matar a minha mãe e os milhões de cidadãos de Berlim que nada tinham com os crimes do nazismo e que só podiam correr e rezar.

Talvez estejamos apenas assistindo ao começo de um ciclo que poderá nos levar de volta à barbárie. Hoje o terror usa aviões, amanhã poderá usar bombas atômicas ''esquecidas'' em contâineres. Não há limites para a irracionalidade humana. Mas entrando no caminho do ''olho por olho'' vamos todos acabar cegos, segundo dizia Gandhi. E não nos iludamos. A história da humanidade não é uma linha ascensional contínua em direção à luz ou à razão. Podemos muito bem caminhar para trás, apesar (ou talvez por causa) de nossa imensa tecnologia e nosso poder. Roma e o mundo romano em seu auge eram muito melhores do que a Europa em grande parte da Idade Média.

Como manter a paz num planeta onde boa parte da humanidade não tem acesso às necessidade básicas mais elementares? Como impedir que os que vivem um cotidiano de guerra e destruição, de sangue e ódio, sentindo-se oprimidos e injustiçados, não comemorem? Como reduzir o abismo entre o camponês afegão, a criança faminta do Sudão, o Severino da cesta básica e o corretor de Wall Street? Como explicar ao menino de Bagdá que morre por falta de remédios, bloqueados pelo Ocidente, que o mal se abateu sobre Manhattan? Como dizer aos chechenos que o que aconteceu nos Estados Unidos é um absurdo? Vejam Grozny, a capital da Chechênia, arrasada pelos russos. Alguém se incomodou com o sofrimentos e as milhares de vítimas civis, inocentes, desse massacre? Ou como explicar à menina da Costa do Marfim o sentido da palavra ''civilização'' quando ela descobrir que suas mãos não crescerão jamais?

Fritz Utzeri é jornalista

07 setembro, 2011

Visitando a Bienal (dicas de sobrevivência)

Ontem resolvi dar um passeio pela XV Bienal do Livro, que está acontecendo até dia 11 no Riocentro, Barra da Tijuca.


Deixando algumas coisas bem claras: 1) não gosto desse tipo de evento, até porque, bienal de livro soa para mim com uma conotação que livro deve ser visitado a cada dois anos, assim como a gente vez por outra se lembra, que existe um zoológico na cidade, o que por sua vez não nos torna biólogos, com nossos olhares curiosos e espantados em nossas visitas esporádicas; 2) não gosto desse tipo de evento, onde se aglomeram as pessoas em multidão, creio, honestamente, que toda multidão passa por um processo de mediocrização instantânea, mais ou menos, como se todos os neurônios presentes na ocasião se tornassem num grande sistema pensante, porém, com o equilíbrio mediano de seus contribuintes de suas inteligências, infelizmente, multidão e livros no Brasil, não são coisa tão intimas e harmônicas, me causa certa reserva ver uma pessoa comprando livros a 4 X R$ 10,00, só para dizer que consome cultura, mas na verdade está comprando “estante a metro”; 3) por fim, não gosto desse tipo de evento, onde as escolas numa demonstração de legitimação de suas ações, perante a família e direções, entopem ônibus com crianças e as enviam para o “centro da cultura”, entretanto, desprovidas de guias preparados ou sem paciência (professores) para lhes dar um caminho a ser percorrido, as deixam limitadas às bancas de revistas repletas de “Rebeldes”, “Glees”, “Capricho”, “Todateen”, ou dependendo da idade, aos livrinhos pintados em cores reluzentes com estórias repetidas e copiadas em série, num processo sem criatividade nenhuma, mas prontas a serem consumidas a preços baixos como se fossem algo de valor inestimável, assim como os hambúrgueres, crepes e pizzas que disputam o espaço do evento nas enormes “praças de alimentação”.


Poderia ficar listando outros exemplos de minhas reservas, mas não é bem esse o propósito dessas parcas linhas, até porque, visitei o evento, com dia e horário escolhidos criteriosamente; quem em sã consciência estaria numa terça-feira, entre 18 e 22h, véspera de feriado, caminhando pelos três enormes pavilhões e seus expositores além de uma meia dúzia de gatos pingados, que quisessem pacientemente examinar algumas prateleiras invisitáveis no feriado e final de semana? Acertei na mosca, sem problemas para estacionar, da mesma forma para comprar a entrada (R$ 12,00 a inteira e R$ 6,00 a meia), bem como para entrar e caminhar por avenidas largas e despovoadas daquela multidão consumista, que certamente vai invadir o local nos próximos dias.


Na companhia de meu amigo e co-autor em alguns artigos, o Ricardo Ventura, iniciamos nossa jornada pela Editora da Universidade Federal de Minas Gerais, bons indícios se prenunciavam, encontrei “O Sacramento da Linguagem” do Agambem por R$ 22,00; mais a frente no Instituto Piaget outra jóia “Direito e Moral” de Jüngen Habermas por R$ 23,00; tudo indicava que nosso garimpo seria profícuo e nossa ida não teria sido em vão. Qual nada, logo depois desses primeiros achados, muita decepção.


Os editores responsáveis por publicações mais “encorpadas”, além de alguns raros, não estão presentes na feira, muito pelo contrário, em matéria de publicações, as universidades públicas é que diferem no evento, no mais o que se pode notar é a presença de muitos distribuidores comuns e fáceis de serem encontrados pela internet (Travessa, Saraiva etc.), onde inclusive, expõem seus produtos de forma mais organizada e até com preços mais em conta, mesmo considerando o frete.


Ou seja, a Bienal ficou com cara de um grande encontro de livrarias, que disputam o mercado em um grande Shopping Center, verdadeira “indústria cultural”, onde as presenças “marcantes” ficam por conta dos livros de auto ajuda, estorinhas infantis plagiadas e sem direitos autorais a serem pagos e, metade de um pavilhão disputado pelas editoras religiosas (evangélicas, católicas e afro-religiosas).


O contraste entre grandes e pequenas livrarias também é marcante, algumas ocupam posição central nos pavilhões, com área equivalente a dezenas de pequenos livreiros, perdidos em cantos ou espremidos entre os gigantes.


Sem dúvida, que em razão do dia e horário escolhido, os encontros e palestras com os escritores que por lá aparecerão ficou prejudicado de avaliação, mas no todo, o evento deixa muito a desejar.


Por outro lado, não perdendo a viagem e aproveitando o espírito consumista a que se propõe o evento, aproveitei para adicionar em minhas prateleiras alguns autores que realmente já me eram devidos, que decorrente da pouca procura de massa, puderam ser “achados” por preços convidativos (Thoreau, Stuart Mill, Comte, Engels, Nietzsche e Hunter Thompson), no total não gastei mais de R$ 150,00 em treze obras; nesse saldo de balanço fica meu elogio ao encontro.


No mais, não duvido do que será o final do evento até domingo, muita gente, muita gente, muita gente mesmo, andando de um lado para o outro, disputando cada centímetro de espaço na sua caminhada pelos expositores, porém sem o conforto que tive devido a escolha do dia para minha ida e sem a condição de pacientemente, poder bulinar em cada estante alguma coisa que seja de seu interesse.


Para quem não teve a oportunidade de ir, fica minha sugestão: “não sei” se vale a pena ou não essa maratona a partir de sexta-feira, talvez quinta ainda dê para fugir dessa grande “visita ao parque” (com direito a cachorro quente, pipoca e coca-cola), que se tornará o Riocentro de final de semana; é possível que quinta, nesse horário noturno do “macarrão com galinha”, ainda seja viável uma fugida do furacão que aquilo se tornará, porém, jamais recomendaria o sábado e muito menos domingo, a relação o custo benefício é profundamente deficitária e, a XV Bienal do Livro no Rio de Janeiro deixa muito a desejar para tanto sacrifício.