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"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

14 abril, 2013

Good Morning, Vietnã!




Good Morning, Vietnã! Sou contra a PEC-37, tenho muitas razões, porém, poucas linhas me bastam para firmar convicções.

As discussões sobre a Proposta de Emenda Constitucional nº 37, que surgem nas mídias e ganham corpo nas redes sociais, principalmente, entre os atores legatários de interesses funcionais e corporativos, demonstram mais uma faceta do déficit de democracia que vive a sociedade brasileira; a PEC-37 evidencia uma luta em que os participantes se digladiam por nichos de poder, destarte, relega o interesse comum ao plano secundário, portanto, o que está em jogo não é a proposta de um avanço na investigação policial, que atenda aos anseios coletivos, mas, tão e somente na criação de outro subsistema a integrar o sistema jurídico, e, privilegiar uma carreira, não raramente ameaçada pelos fracos resultados que apresenta.

A Proposta, no “frigir dos ovos”, pretende incluir um décimo parágrafo ao art. 144 da Constituição, atribuindo o comando da investigação policial única e exclusivamente a autoridade policial, leia-se, delegados de polícia, através do instrumento inquérito policial; de seu texto resulta que o Ministério Público é defenestrado do comando de qualquer apuratório, sepultando de vez a pretensão do titular da ação penal pública em elucidar crimes por vias próprias, diz a redação: "A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incubem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente."

Vários são os argumentos contrários e alguns favoráveis a Emenda, por óbvio que os segundos, de regra, são defendidos pelos delegados de polícia estaduais e federais, todavia, a legitimidade pretendida à aprovação esboroam-se diante da total falta de interesse público na mutação constitucional; as razões defensistas da PEC-37 são frágeis, deixam perguntas sem respostas e denotam clandestina artimanha corporativista que, estrategicamente, busca amparo nos argumentos da legalidade constitucional, no sistema acusatório e no modelo garantista de persecução penal, porém, fora dos holofotes midiáticos, esses mesmos argumentos nunca foram valores efetivamente pretendidos pelas autoridades que ora os propalam.

Os interessados na aprovação da Emenda, em verdadeira contradição performativa, argumentam que o modelo constitucional adotou o sistema acusatório, portanto, não caberia ao Mistério Público investigar, vez que haveria invasão de atribuições, todavia, os defensores dessa premissa não usam das mesmas razões, quando por coerência deveriam dizer, que o inquérito policial também não se coaduna com o modelo acusatório, portanto, os argumentos são sofismas e revelam as reais aspirações de seus proponentes; por óbvio que não se está discutindo adequações constitucionais, mas sim travando-se uma luta por interesses privados.

Existem vários argumentos contrários a PEC-37, porém, como não é  a pretensão do post esgotar o assunto, em recorte, apresente-se a questão da autonomia investigativa como pedra de toque do problema.

Sem autonomia, garantida pela inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de vencimentos (prerrogativas que o Ministério Público possui), quem quer que seja o encarregado das investigações, qualquer que seja a definição que se queira dar para “autoridade policial”, está, fica a mercê de seus superiores hierárquicos; não são fatos extraordinários no meio policial os “inquéritos avocados”, as “punições geográficas”, as “geladeiras” e “corredores”, essas reprimendas atingem os investigantes mais ousados que contrariam os interesses superiores, afinal a Polícia Judiciária é subordinada direta do Poder Executivo, cujo comandante em última instancia é o Governador ou Presidente, representado por seus Secretários, Ministros e Diretores de nomeação direta, portanto, nada impede que a definição de quem, quando, como, onde e porque se investigar passe pelo crivo da conveniência política e hierárquica.

Por hipótese, mero exemplo didático, basta imaginar um delegado (que seja essa a definição de autoridade[!]), tomando conhecimento de um crime contra a administração pública, perpetrado por seu Secretário de Segurança, ou cargo equivalente na esfera federal, fica difícil acreditar que esse hipotético investigador se arvore da condição de “paladino da lei”, que proceda até o fim das investigações com liberdade, autonomia e isenção nas suas diligências, afinal, ocorrendo o exemplo, não é somente a vida da autoridade investigada que estará em jogo, mas, no mínimo, a própria carreira do investigador.

Creio, se fosse o caso de verdadeiro interesse público que norteasse a discussão, não mera disputa corporativista de poder e suas repercussões salariais, o foco principal dos defensores da PEC-37 seria pela autonomia e liberdade na investigação, com a extensão das prerrogativas do MP à carreira policial, no que se refere a inamovibilidade, efetiva garantia da titularidade da investigação, ou seja, cumpriria seu papel sem que alguém a qualquer momento lhe retirasse a condição de prosseguir no apuratório iniciado, por qualquer dos motivos já apontados.

Observe-se finalmente, a aprovação da Emenda na forma proposta (sob o viés prático-interpretativo), também incidirá em contradição com o próprio texto constitucional, o que resultará em permanente tensão entre a polícia e o MP, isso porque, o art. 129 e seus incisos VII e VIII continuará vigendo, portanto, as retaliações, fruto dessa disputa de atribuições, implicará em “fiscalizações” mais próximas de “picuinhas” e desarmes dos inquéritos, que a propósito de sua facticidade, como instrumento, demonstra total ineficiência à proteção de uma sociedade, que optou por construir um estado democrático de direito, mas isso é assunto para outro momento.

Desta forma, com todas as reservas e ressalvas ao comportamento do Ministério Público, usadas como argumentos dos defensores da PEC, como parâmetros do que não se deseja para a sociedade, porém, creio que seria o caso de  melhor regulamentar a atuação do parquet e não sua exclusão do procedimento investigativo; controle externo da atividade do MP, limites operacionais, rigor na responsabilização de seus membros quando em desvio ou abuso de conduta etc. são algumas entre várias sugestões, que poderiam ser acolhidas antes de se discutir sua simples exclusão do cenário investigativo policial.

Todavia, é ingenuidade acreditar que no final dessa contenda prevalecerá a lógica dos argumentos e razões de interesse público, infelizmente, a sociedade não está esclarecida e organizada para participar desse debate, portanto, ficará novamente relegada a condição de passiva espectadora, porém, sobre quem recairá custos e prejuízos de toda ordem; a disputa está sujeita a força dos lobbies, dos compromissos políticos, das vinganças partidárias e, por conseguinte, da quantidade de votos que cada um dos contendores conseguirá obter na batalha final. 

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