Good
Morning, Vietnã! Sou contra a PEC-37, tenho muitas razões, porém, poucas linhas
me bastam para firmar convicções.
As
discussões sobre a Proposta de Emenda Constitucional nº 37, que surgem nas
mídias e ganham corpo nas redes sociais, principalmente, entre os atores legatários
de interesses funcionais e corporativos, demonstram mais uma faceta do déficit
de democracia que vive a sociedade brasileira; a PEC-37 evidencia uma luta em
que os participantes se digladiam por nichos de poder, destarte, relega o
interesse comum ao plano secundário, portanto, o que está em jogo não é a
proposta de um avanço na investigação policial, que atenda aos anseios
coletivos, mas, tão e somente na criação de outro subsistema a integrar o
sistema jurídico, e, privilegiar uma carreira, não raramente ameaçada pelos fracos
resultados que apresenta.
A Proposta,
no “frigir dos ovos”, pretende incluir um décimo parágrafo ao art. 144 da
Constituição, atribuindo o comando da investigação policial única e
exclusivamente a autoridade policial, leia-se, delegados de polícia, através do
instrumento inquérito policial; de seu texto resulta que o Ministério Público é
defenestrado do comando de qualquer apuratório, sepultando de vez a pretensão
do titular da ação penal pública em elucidar crimes por vias próprias, diz a
redação: "A apuração das
infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incubem
privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal,
respectivamente."
Vários
são os argumentos contrários e alguns favoráveis a Emenda, por óbvio que os
segundos, de regra, são defendidos pelos delegados de polícia estaduais e
federais, todavia, a legitimidade pretendida à aprovação esboroam-se diante da
total falta de interesse público na mutação constitucional; as razões
defensistas da PEC-37 são frágeis, deixam perguntas sem respostas e denotam clandestina
artimanha corporativista que, estrategicamente, busca amparo nos argumentos da
legalidade constitucional, no sistema acusatório e no modelo garantista de persecução
penal, porém, fora dos holofotes midiáticos, esses mesmos argumentos nunca
foram valores efetivamente pretendidos pelas autoridades que ora os propalam.
Os
interessados na aprovação da Emenda, em verdadeira contradição performativa,
argumentam que o modelo constitucional adotou o sistema acusatório, portanto,
não caberia ao Mistério Público investigar, vez que haveria invasão de
atribuições, todavia, os defensores dessa premissa não usam das mesmas razões,
quando por coerência deveriam dizer, que o inquérito policial também não se
coaduna com o modelo acusatório, portanto, os argumentos são sofismas e revelam
as reais aspirações de seus proponentes; por óbvio que não se está discutindo
adequações constitucionais, mas sim travando-se uma luta por interesses
privados.
Existem
vários argumentos contrários a PEC-37, porém, como não é a pretensão do post esgotar o assunto, em recorte, apresente-se a questão da
autonomia investigativa como pedra de toque do problema.
Sem
autonomia, garantida pela inamovibilidade, vitaliciedade e irredutibilidade de
vencimentos (prerrogativas que o Ministério Público possui), quem quer que seja
o encarregado das investigações, qualquer que seja a definição que se queira
dar para “autoridade policial”, está, fica a mercê de seus superiores
hierárquicos; não são fatos extraordinários no meio policial os “inquéritos
avocados”, as “punições geográficas”, as “geladeiras” e “corredores”, essas
reprimendas atingem os investigantes mais ousados que contrariam os interesses
superiores, afinal a Polícia Judiciária é subordinada direta do Poder
Executivo, cujo comandante em última instancia é o Governador ou Presidente,
representado por seus Secretários, Ministros e Diretores de nomeação direta,
portanto, nada impede que a definição de quem, quando, como, onde e porque se
investigar passe pelo crivo da conveniência política e hierárquica.
Por
hipótese, mero exemplo didático, basta imaginar um delegado (que seja essa a
definição de autoridade[!]), tomando conhecimento de um crime contra a
administração pública, perpetrado por seu Secretário de Segurança, ou cargo
equivalente na esfera federal, fica difícil acreditar que esse hipotético
investigador se arvore da condição de “paladino da lei”, que proceda até o fim
das investigações com liberdade, autonomia e isenção nas suas diligências,
afinal, ocorrendo o exemplo, não é somente a vida da autoridade investigada que
estará em jogo, mas, no mínimo, a própria carreira do investigador.
Creio,
se fosse o caso de verdadeiro interesse público que norteasse a discussão, não
mera disputa corporativista de poder e suas repercussões salariais, o foco principal
dos defensores da PEC-37 seria pela autonomia e liberdade na investigação, com
a extensão das prerrogativas do MP à carreira policial, no que se refere a inamovibilidade,
efetiva garantia da titularidade da investigação, ou seja, cumpriria seu papel sem
que alguém a qualquer momento lhe retirasse a condição de prosseguir no
apuratório iniciado, por qualquer dos motivos já apontados.
Observe-se
finalmente, a aprovação da Emenda na forma proposta (sob o viés
prático-interpretativo), também incidirá em contradição com o próprio texto
constitucional, o que resultará em permanente tensão entre a polícia e o MP,
isso porque, o art. 129 e seus incisos VII e VIII continuará vigendo, portanto,
as retaliações, fruto dessa disputa de atribuições, implicará em “fiscalizações”
mais próximas de “picuinhas” e desarmes dos inquéritos, que a propósito de sua
facticidade, como instrumento, demonstra total ineficiência à proteção de uma
sociedade, que optou por construir um estado democrático de direito, mas isso é
assunto para outro momento.
Desta
forma, com todas as reservas e ressalvas ao comportamento do Ministério
Público, usadas como argumentos dos defensores da PEC, como parâmetros do que
não se deseja para a sociedade, porém, creio que seria o caso de melhor regulamentar a atuação do parquet e não sua exclusão do
procedimento investigativo; controle externo da atividade do MP, limites
operacionais, rigor na responsabilização de seus membros quando em desvio ou
abuso de conduta etc. são algumas entre várias sugestões, que poderiam ser
acolhidas antes de se discutir sua simples exclusão do cenário investigativo
policial.
Todavia,
é ingenuidade acreditar que no final dessa contenda prevalecerá a lógica dos
argumentos e razões de interesse público, infelizmente, a sociedade não está
esclarecida e organizada para participar desse debate, portanto, ficará
novamente relegada a condição de passiva espectadora, porém, sobre quem recairá
custos e prejuízos de toda ordem; a disputa está sujeita a força dos lobbies,
dos compromissos políticos, das vinganças partidárias e, por conseguinte, da
quantidade de votos que cada um dos contendores conseguirá obter na batalha
final.
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