É interessante como somos perseguidos pelo destino,
como gira a roda da fortuna, como há sincronicidades latentes entre pessoas, ou
entre pessoas e objetos, na expressão usada por Saulo Ramos, verdadeiros “códigos
da vida”. Para mim a prova cabal desse “místico” envolvimento, pessoas e coisas,
está presente no romance “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Marquez.
Talvez não tenha lido algo mais instigante que a
história dos Buendías, de todos os Josés e Aurelianos que se repetem ao longo
do enredo. Já nem recordo mais quantas vezes citei a obra que tornou o autor um
de meus prediletos, me compelindo a partir dos Cem Anos, ao “Amor nos tempos do
cólera”, a “Crônica de uma morte anunciada” e ao “Memórias de minhas putas tristes”;
embora minhas escolhas tenham sido de qualidade, lamento ter lido tão pouco de Marquez,
ainda lerei mais, o colombiano disputa meu tempo com o peruano Mário Vargas Llosa,
nessa grande literalidade concorrente sul-americana.
“Cem Anos de Solidão" é belíssimo, rico em
detalhes, duro como uma poesia de combate e suave como a imaginação infantil;
pelo livro pude passear por Macondo – vilarejo onde se desenvolve a trama
centenária – com suas borboletas amarelas, delatoras dos apaixonados; conheci o
cigano Melquíades e a descoberta do gelo por um dos Josés, que ingenuamente o
chamou de “maior diamante do mundo”; imaginei a “doença da memória” narrada
pelo autor, que obrigava aos moradores do povoado a pendurar etiquetas nos
objetos, para que seus nomes não fossem esquecidos, que por óbvio desenvolvimento
da moléstia, restou que também acabassem por esquecer como se faz a leitura das
letras, palavras... enfim, impossível descrever todas as sensações que me
acolheram ao ler o livro.
A obra é de tamanha envergadura que se estilizou
pelo continente, até aqui em terras brasileiras, foi recordada em sua essência imaginária;
Dias Gomes em razoável adaptação – nunca assumida como tal – escreveu “Saramandaia”,
novela televisiva que se desenvolve num realismo fantástico, próprio de Garcia
Marquez e seu livro maior, porém, incomparável sob qualquer parâmetro que se
utilize.
Não importando todas as sensações que o livro me
deu, hoje sou surpreendido com uma matéria bastante interessante disponível na
internet, outro sinal sincrônico de minha aguçada imaginação, descubro que o
livro em comento foi classificado pelos italianos como uma das “dez obras literárias que os leitores não
conseguiram acabar de ler”, na pesquisa feita “através do jornal Corriere della Sera, do Facebook e do Twitter, os italianos se
mostraram divididos” quanto aos livros mais impossíveis de serem terminados.
(para ler a matéria,
clique aqui)
Não sei se fico
envaidecido ou indignado com a notícia. Se por um lado, quase me sinto dotado
de poderes de compreensão extrassensoriais, além da suposta média italiana, por
ter conseguido ler não uma, mas duas vezes o romance e pasme, gostado; por
outro, sinto certa indignação com o que considero evidente mediocridade no
antigo continente, me parece ser essa a melhor das duas opções. Mas isso na
verdade não importa, não é o objetivo do texto, que pretende flanar pelos “mistérios”
das coincidências e acasos da vida.
Livro e autor me
acompanham, só nesta semana por pelo menos três vezes fiz sua indicação,
inclusive em uma dela tive a confirmação da compra como presente para
terceiros; novamente, hoje em minha caixa de e-mails está lá outro texto de
Garcia Marquez; agora, abro o noticiário e me vem de soslaio a pesquisa
italiana.
Macondo realmente me
persegue, a fantasia de Marquez se materializa constantemente aos meus olhos. Essa
relação poderia se dar com Jorge Amado, Antonio Callado, Eduardo Galeano,
Ferreira Gullar, ou mesmo como citado o próprio Llosa, com quem tenho maior
intimidade numérica de texto, entretanto, é Gabriel Garcia Marquez quem habita
meu cotidiano, já na simples identificação pessoal com seus títulos; Marquez aparece
de onde menos espero e faz o giro da roda da vida parecer ser mais emocionante
e misterioso.
De qualquer forma, não
tenho porque reclamar dessas relações coincidentes e repetidas em várias ocasiões,
até porque quando ocorrem estou em boa companhia; minha decepção fica por conta
dos italianos, me surpreenderam com tamanha falta de imaginação.
2 comentários:
Mestre, a ambiguidade de sentimentos é própria dos sábios, assim que nem precisas escolher, podes ficar merecidamente envaidecido e indignado.
Fiquei impressionada com a reportagem também mas não surpresa. Milão é a sede mundial da moda... outras prioridades talvez .. Penso que se fosse em Pisa, onde o "tempo" é outro e como Dante Alighieri diria "onde é possível encontrar o povo mais amigável da Itália", onde você é chamado a sentar a mesa, tomar um vinho e conversar... e falar da história, da literatura, das loucuras do amor... com recém conhecidos como se fossem velhos amigos...acredito que o resultado seria outro.
Suas palavras dedicadas a Garcia Marquez, de quem ainda nada li, apenas umas poucas e admiráveis citações, e uma agradável lembrança do filme "O carteiro e o poeta", aguçou a vontade de lê-lo, ainda mais considerando a comparação com Saramandaia de Dias Gomes. Já entrou para a minha lista.
Mas,em tempos de "fast food", alimentar a alma devorando cada letrinha va-ga-ro-sa-men-te, parece privilégio de poucos. Conto os dias para a aposentadoria e assim voltar ao prazer da juventude, quando lia calmamente uns 50 livros por ano, onde ora viajava no universo feminista de Marilyn French, ora para a França do século XVII na saga de Jean Valjean e suas lutas com a moral e a ética. É, deu saudade dos bons tempos do "ócio criativo".
Para concluir, entre as boas coincidências da vida, hoje é o dia da alfabetização, e em algum lugar, sua professorinha está muito feliz e orgulhosa de ti.
Sua ex-aluna Liliana, esposa de Maurício.
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