Minhas opiniões e publicações, expostas neste espaço, são reflexões acadêmicas de um cidadão-eleitor, publicadas ao abrigo do direito constitucional da liberdade de expressão

"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

11 maio, 2013

Good Morning, Vietnã! E pra você, que vive num Estado democrático de direito.


“O Estado constitucional não é nem deve ser apenas um Estado de direito. Se o princípio do Estado de direito se revelou como uma ‘linha Maginot’ entre ‘Estados que têm constituição’ e ‘Estados que não têm uma constituição’, isso não significa que o Estado Constitucional moderno possa limitar-se a ser apenas um Estado de direito. Ele tem que estrutura-se como Estado de direito democrático, isso é, como uma ordem de domínio legitimada pelo povo.”

(...)

“Como se vê, a constituição normativa não é mero conceito de um ser; é um conceito de dever ser. Pressupõe uma idéia de relação entre um texto e um conteúdo normativo específico. O texto vale como lei escrita superior porque consagra princípios considerados (em termos jusnaturalistas, em termos racionalistas, em termos fenomenológicos) fundamentais numa ordem jurídico-política materialmente legítima.” CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Portugal, Almedina, 4ª ed.  2000. p. 97/98 e 1094, respectivamente.

Neste diapasão, o Estado de direito é aquele consagrado e alicerçado sob o cumprimento e respeito às leis, por sua vez, esta é encarregada de expressar o querer social, estabelecendo limites para o cidadão e para o Estado.

Desta forma, se por um lado a incidência legal é negativa: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, ou seja, o cidadão tramita livremente sobre os espaços não limitadores, por falta de incidência legal, por outro lado, a incidência é positiva: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade...”, ou seja, o Estado só pode agir conforme o permitido legalmente (arts. 5º, II e 37 da CR/88, respectivamente). Essa é a vontade constitucional, que tem seu fundamento de validade na legitimação outorgada pelo povo.

Ainda em comento ao texto constitucional, quis o constituinte de 1988 que a segurança pública estivesse em consonância com os demais princípios que regem a administração pública, em destaque, o da “legalidade”, portanto, “a preservação da ordem e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (parte do art. 144 da CR/88), deve ser exercida dentro dos estritos limites da legalidade, sob pena de violar-se o Estado de direito e, por conseguinte, sua expressão democrática.

Terminadas essas sumárias argumentações, agora fico mais à vontade para dizer que, independentemente, de outras razões ou convencimentos pessoais, a matéria jornalística: “Vídeo mostra policiais civis forjando auto de resistência em favela do Rio”, publicada hoje no Jornal Extra (para ler a matéria clique aqui), retrata um Estado sem controle das atividades de seus agentes encarregados da segurança pública, ou pior, que o Estado esteja coadunado com práticas ilícitas sob o argumento do combate ao crime.

Se o crime é o desrespeito a lei penal, quando o Estado viola essa mesma lei, qualquer que sejam os motivos (fins que justificam os meios), incorre em contradição performativa, portanto, também é passível de iguais sanções; assim, não há argumentos que autorizem práticas ilícitas daqueles que tem o dever da segurança pública, o que está em xeque é o Estado democrático de direito, e, caso a sociedade aceite a continuidade dessas práticas estará abdicando de sua soberania.

O crime deve ser combatido com recursos materiais, técnicas de inteligência, preparo de pessoal, investimentos sociais e sem seletividade; morar em lugares desprovidos de recursos não pode tornar as pessoas alvos de aventuras hollywoodianas, ou de fetiches criminosos.

Dirão os mais céticos que “o momento exige rigor”, no que concordo; também, que “na guerra morrem pessoas de ambos os lados, inclusive algumas vítimas inocentes”, o que não aceito.

Eficiência não é sinônimo de violência, ilustro meus argumentos com a prisão de “Elias Maluco”, alcunha forjada pela sua crueldade com os inimigos, tido então como um dos maiores traficantes de drogas e armas do Rio de Janeiro e responsável direto pelo sequestro, tortura e morte do jornalista Tim Lopes; pois bem, quando o Estado, pressionado pela mídia e o senso comum, resolveu prender o assassino do jornalista global, assim o fez, e no momento de sua captura não foi disparado sequer um tiro. Outro caso mais recente foi o da Juíza Patrícia Acioli, também solucionado e com sentença em menos de um ano após seu assassinato, sem que tenha havido um só tiro, senão os dezesseis que mataram a magistrada.

Finalizando, transcrevo parte da matéria jornalística citada:

“Em seguida, uma outra vítima é encontrada numa casa próxima. “Ele ‘tava’ com arma?”, pergunta um agente, recebendo uma negativa como resposta. “Tem que fazer a contagem rápida, irmão”, afirma outro. É a deixa para o grupo, com a ajuda de um lençol vermelho, transportar o corpo em ritmo acelerado por cerca de 70 metros e abandoná-lo no bar que era reduto do tráfico.”

Quem seria essa pessoa encontrada morta: um traficante que escondeu sua arma, uma testemunha que presenciou algo que não poderia ser revelado, uma vítima do próprios traficantes ou, simplesmente, um alvo atingido erradamente, justificado com a destruição do local do fato (corpo de delito) e, que passará a “portar” uma arma após a “contagem”?

O foco da segurança pública está desvirtuado; alguns de seus agentes passaram a “resolver” os problemas com a propriedade dos justiceiros; boa parte da sociedade apoia medidas extremas, autoritárias e criminosas; o Estado é cúmplice por omissão e por ação; promove-se uma higienização social em nome do interesse comum, todavia, o que menos existe é o foco na solução dos problemas, que são causas e consequências da situação instaurada; cada vez menos o Estado se identifica com os ideais democráticos e com direito.

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