A perseguição aos fluxos migratórios é algo que se alastra pelo mundo, cada vez de forma mais contundente, e por via da normatização intra-estatal, esconde-se o potencial segregário e discriminatório, num mundo que não está disposto a pagar a fatura da exploração realizada por séculos através do colonialismo, principalmente pela sua banda ocidental.
Muitos se assustaram com a política de Silvio Berlusconi, quando em 2009 através do parlamento, aprovou o uso de milícias para “rondas populares” na caça aos clandestinos em solo italiano e deportações sem o devido processo legal; o premier italiano, à parte todo seu nocivo potencial ideológico, não era uma andorinha em vôo solo provocando um verão mediterrâneo, mas sim, seguia uma política que se firmava não só na Europa, mas em outros cantos do mundo.
França, Alemanha, Inglaterra, toda Europa de uma maneira geral, já havia imposto um boicote ao trafego de pessoas desqualificadas economicamente; na era da globalização, o que os “desenvolvidos” aceitam é a circulação de moedas, bens de consumo e riquezas, fora isso, como bem anuncia o cancioneiro popular nacional, “cada um no seu quadrado”.
Agudizando-se pelo planeta, o movimento de contenção humana agora mostra sua face em terras israelenses, incrível paradoxo de um povo que tem na formação da sua história exatamente a prática circulante à procura de um espaço para sobreviver; negando suas origens exódicas – afinal, foram pelo menos quarenta anos peregrinando pelo deserto, perseguindo as promessas de um Deus anunciador da “terra que mana o leite o mel”, isso sem contar outros milhares de anos na busca de reconhecimento de um Estado judeu, conquistado somente na segunda metade do século passado, por um lado, como verdadeiro pedido de desculpas pelo holocausto da Segunda Guerra e, por outro, através da decisão internacional de abrigar dois povos antagônicos em um só território, não importando as conseqüências que daí se apresentou – Israel aprovou uma lei para conter os imigrantes africanos, que em desespero abandonam suas misérias regionais, não na busca de uma terra prometida, mas de mínimas condições de sobrevivência.
A “Lei Contra a Infiltração”, aprovada pelo parlamento israelense, estabelece penas de prisão de até três anos para os imigrantes ilegais, sem que seja necessário a formalização do devido processo legal, meio reconhecido internacionalmente como única fonte legítima à aplicação de pena restritiva da liberdade. Ou seja, o ato migratório em solo israelense é passível de sansão administrativa e tem como preceito secundário a prisão, sem a garantia da ampla defesa por parte do “condenado”.
“A nova legislação não faz qualquer distinção entre imigrantes ilegais e refugiados de áreas de risco que, de acordo com as leis internacionais, têm direito a um pedido formal de asilo político. A lei também permite que o Estado aplique uma pena de prisão perpétua a ilegais que cometerem crimes em Israel”. (O Globo), inobstante, Israel já estar patrocinado a construção de uma cerca de separação com o Egito com a extensão de 250 quilômetros.
De forma bastante branda, o Brasil também vem embarcando nesse processo de limitação de entradas, é o caso mais recente da aceitação de haitianos (g1.globo), registre-se porém, comparado a outros países, o laxismo da legislação alienígena pátria, ainda que suas origens remontem ao período da ditadura; aguça-se a memória para lembrar das contundentes críticas por que passou a Lei 6.815/80, na ocasião, apontada como “dura”, porém, hoje diante das demais legislações mundiais, se apresenta como uma das mais flexíveis, isso sem se considerar a anistia concedida em 2009 através da Lei 11.961, que beneficiou algo em torno de 50 mil estrangeiros que viviam irregularmente no país, como também, a legislação de permanência decorrente do Tratado dos países do Mercosul.
O caso específico de Israel nos leva a uma reflexão mais geral. A questão que se impõe é que há um preço a pagar, por séculos de uma política de exploração e exclusão que vinga até nossos dias, porém, que nunca considerou as conseqüências que um dia iriam brotar, ou nas palavras de Hardt e Negri, há uma Multidão sujeita a um apartheid global, que, todavia, busca sua cidadania global, entendida como, “poder do povo de se reapropriar do controle sobre o espaço e, assim, de desenhar a nova cartografia”.
Por sua vez, em sua obra de 2001, “A constelação pós-nacional”, Jürgen Habermas, afirma que “apesar das rígidas regulamentações da imigração (e, no caso, inconstitucionais) que trancavam o forte da Europa, todas as nações européias encontravam-se entrementes a caminho de uma sociedade multicultural. É evidente que essa pluralização não se dá sem atritos”.
Novamente, a questão presente é a necessidade da realização de uma cidadania construída através do direito dos povos, entendendo que “não pode ser suprimido o direito dos cidadãos do mundo de procurar estabelecer relações comuns com todos e, para tanto, visitar todas as regiões da Terra” (Kant).
Não há porque duvidar que uma identidade global esteja em construção, apesar de toda resistência que se impõe ou se tente afirmar, todavia, a mera constatação do trânsito de informações em rede já permite tal conclusão; da mesma forma, as dimensões planetárias diminuíram e as linhas imaginárias que separam fronteiras não são suficientes para limitações culturais e de pessoas, a falta de permissão – visto – não se mostra suficiente para impedir a imigração ilegal; por sua vez, legislações migratórias mais restritivas são evidências do ocaso que se encontram os Estados, que em fôlego de afogados, lutam contra uma facticidade imperativa. O que se indaga é como se configurará a ocupação do planeta nas próximas décadas e como se dará essa transição; mais que nunca, é necessário uma “política de reconhecimento” e saldo de débitos históricos, sob pena de não se avançando pelas vias dialógicas cair nas armadilhas dos discursos nacionalistas, com inevitáveis desrespeitos aos direitos humanos e conseqüências catastróficas à paz.
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