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"Por favor, leia devagar." (Ferreira Gullar)

16 julho, 2005

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Havia no país um grupo de pessoas que por suas idéias transformadoras e aparentemente modernas, conquistavam as pessoas, suas mentes e corações. Suas proposições eram pelas transformações da sociedade a muito reclamado por todos. Esse grupo pensava e dizia que o princípio de suas idéias residia no exercício do poder que fosse voltado à realização da satisfação do povo, da sua felicidade e no resgate dos mais humildes. A ética política deveria esquadrinhar a prática, que por sua vez deveria ser exercida através valores mais antigos que seriam valorados e resgatados, tudo temperado com a mais profunda convicção democrática, expressada no pensamento participativo e contrário a qualquer decisão contraria a maioria da sociedade. Dizia esse grupo que era o momento de se atualizar a leitura da história, ou melhor, dizia que a história não tinha morrido. Suas bandeiras coloridas pela paixão deixavam os políticos tradicionais envergonhados pela jovialidade das idéias de seus integrantes, que igualava estudantes, operários, empresários e homens de todas as classes sociais nessa cruzada de verdadeiro resgate da nação. Diziam a todos ser possível uma sociedade mais justa e ao mesmo tempo atualizada no mundo globalizado, diziam que o trato da res pública poderia e deveria ser transparente e, que os desvios, que o tráfico de influência e o aproveitamento político para fins pessoais tinham se que ser atacados permanentemente. Levaram uma nação a sonhar, o povo aceitou o pacto e referendou o grupo, foi às urnas e deu os instrumentos necessários para o grupo tornar o sonho em real instrumento às mudanças. Logo de início nenhuma transformação ocorreu e era aparentemente justificável, foram décadas e décadas de vícios e dificuldades deixadas, era o momento de se sanear a herança amarga, sem revanchismos e olhando para o futuro que brilhava tal como a estrela simbólica do grupo, agora poder. Quanto tempo perdido na história, muito deveria ser feito de imediato, mas o orçamento não permitia ser recuperado tudo de uma só vez, a sociedade deveria entender que se os remédios aplicados pelos anteriores governantes eram amargos, mas necessários se fazia continuar na ministração, até com um pouco mais de rigor e controle, só que com a certeza que desta vez seria diferente, posto que legitimava o duro tratamento proposto, os sonhos e compromisso de um antigo grupo que pensava e dizia a voz do povo. Ao segundo ano no poder o grupo ainda falava dos sonhos, sonhos que não se materializavam como esperado na vida da grande maioria, seu principal líder e maior porta-voz, detentor dos instrumentos necessários às transformações, ainda falava e só falava, tal como ainda estivesse em plena pregação messiânica, ainda vendia sonhos, que não entregava e já aparentava que não mais entregaria. Viajava e estreitava relações intercontinentais, falava como líder e reivindicava o cargo de representante de um desses continentes, falava, falava muito, mas só falava. Enquanto isso o antigo grupo, agora poder, se afastava cada vez mais dos compromissos de felicidade e resgates devidos, surgia assim uma sensação de frustração entre muitos. O terceiro ano do grupo no poder já caminhava e o que se ouvia, até porque só se falava, falava e falava, é que o tempo percorrido fora pouco e que mais quatro anos seriam necessários para serem atingidas as metas prometidas, diziam que as mudanças até então aplicadas foram duras para muitos e para outros, os prejuízos previamente calculados ainda não puderam em nada alteraram suas difíceis vidas, mas que esse seria o único caminho possível de ser trilhado. Em paralelo estranhos comportamentos passaram a surgir na trajetória do poder, palavras adormecidas voltaram a vida, na verdade não tinham morrido, apenas estavam adormecidas. Censuras, perseguições, manipulações, compras e vendas escusas, tudo aparentemente justificava os fins que se prometera, mas os meios por outro lado, paravam no meio do caminho e não se concretizava um só sonho devido. Quando tudo já aparentava estar perdido, surge um novo componente, o triste anúncio do fim do grupo. Em meio a tantas frustrações a última inaceitável, o abandono dos valores éticos e morais surgiu para esgotar a paciência e a clemência de todos, agora além de incompetentes, os membros do grupo se faziam mentirosos. Surgem da boca do ladrão as denúncias mais inaceitáveis, vira o vilão resplendor de adoração e admiração, o grupo fora desmascarado e maculado pela pecha de traidor. Muitos não aceitaram ou não criam, outros amigos dos amigos blindavam-se reciprocamente, mas na hora da verdade desnudavam-se uns aos outros nas trocas de defesas inconsistentes. Perdeu-se a fé do grupo no poder, o crer no que não se via não existia mais, perdeu-se a esperança que foi atirada na vala comum da corrupção e do aliciamento, virou-se a página da história para a folha anterior. Tudo se fundiu ao final num caldo de um só sabor, agora todos se tornaram iguais. Os antigos canalhas realizaram seus sonhos maiores, corromperam a suposta inocência do grupo e provaram que seus principais rivais no passado não passavam de pares, só que antes nunca tiveram a oportunidade da transgressão.

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